Os gnósticos cristãos surgiram por volta do início do século II, e justamente na época em que os essênios desapareceram misteriosamente, o que indica que eles eram os essênios, e, ademais, crististas puros, isto é, acreditavam no que um de seus próprios irmãos havia pregado, e o compreenderam melhor do que ninguém. Insistir em que a letra Iota, mencionada por Jesus em Mateus (V, 18), indicava uma doutrina secreta relativa aos dez Aeons, basta para demostrar a um cabalista que Jesus pertencia à Franco-maçonaria daqueles dias; pois "I", que é o Iota em grego, tem outros nomes em outras línguas; e é, como o era entre os gnósticos daqueles dia, uma senha, que significa o CETRO do Pai, nas fraternidades orientais que existem ainda hoje.
Mas no primeiros séculos, esses fatos, mesmo se conhecidos, foram propositadamente ignorados, e não apenas negados à opinião pública na medida do possível, mas veementemente negados sempre que o assunto vinha à baila. As denúncias dos padres tornaram-se mais amargas na proporção da verdade que procuravam refutar.
"Deduz-se daí" - escreve Irineu, queixando-se dos gnósticos - "que eles não aceitam nem as Escrituras, nem a tradição". Devemos, portanto, nos espantar, quando mesmo os comentadores do século XIX, tendo apenas uns poucos fragmentos dos manuscritos gnósticos para comparar com os volumosos escritos de seus caluniadores, foram capazes de detectar a fraude em quase todas as páginas? Quanto mais os gnósticos polidos e eruditos, como todas as suas vantagens da observação pessoal e do conhecimento dos fatos, compreenderam o estupendo esquema de fraude que estava sendo consumado diante de seus próprios olhos! Porque acusariam eles a Celso por afirmar que sua religião se baseava por completo nas especulações de Platão, com a diferença de que as doutrinas deste eram muito mais puras e racionais do que as deles, quando vemos Sprengel, dezessete séculos depois, escrevendo o seguinte? - "Não apenas pensavam eles [os cristãos] descobrir os dogmas de Platão nos livros de Moisés, mas, além disso, pesavam que, introduzindo o platonismo no Cristianismo, elevariam a dignidade dessa religião e a tornariam mais popular entre os pagãos."
Eles o introduziram tão bem que não apenas a Filosofia Platónica foi selecionada como uma base para a trindade, mas mesmo as lendas e as histórias míticas correntes entre os admiradores do grande filósofo - homenagem tradicional a todo herói digno de deificação - foram restauradas e utilizadas pelos cristãos. Sem ir para além da Índia, não tinham eles um modelos pronto para a "concepção miraculosa", na lenda de Perictionê, a mãe de Platão? A esse respeito, afirmava também a tradição popular que ela o havia concebido imaculadamente, e que o deus Apolo era seu pai. Mesmo a anunciação por um anjo a José "num sonho", os cristãos a copiaram da mensagem de Apolo a Ariston, esposo de Perictionê, de que a criança a nascer dela era filho desse deus. Assim também, afirma-se que Rômulo era filho de Marte e da virgem Réa Sílvia.
Tertuliano, de quem des Mousseaux faz a apoteose em companhia de seus outros semideuses, o vêem com olhos bem diferentes Reuss, Baur e Schwegler. A falacidade da afirmação e a inexatidão de Tertuliano, diz o autor de Supernatural Religion, são amiúde ostensivas. Reus caracteriza seu cristianismo como "âpre, insolent, brutal, ferrailleur. Carece de unção e de caridade, e às vezes mesmo de lealdade, quando se vê diante de uma oposição (...) Se no século II, todos os partidos, com exceção de alguns gnósticos, eram intolerantes, Tertuliano era o mais intolerante de todos"!
A obra iniciada pelos primeiros padres foi completada pelo bombástico Agostinho. Suas especulações supratranscendentais sobre a Trindade; seu diálogo imaginário com o Pai, o Filho e o Espírito Santo, e as revelações e as veladas alusões a seus ex-irmãos, os maniqueus, levaram o mundo a cobrir o gnosticismo de opróbrio, e lançou em profunda sombra a insultada majestade do Deus único, adorado em reverente silêncio por todos os "pagãos".
Eis por que toda a pirâmide de dogmas do Catolicismo romano repousa, não sobre provas, mas sobre suposições. Os gnósticos haviam colocado os padres na parede com muita habilidade, e a única salvação destes foi recorrer à fraude. Durante quase quatro séculos, os grandes historiadores quase contemporâneos de Jesus não tiveram a menor notícia seja de sua vida, seja de sua morte. Os cristãos espantam-se com uma omissão tão incompreensível do que a Igreja considera o maior evento da história universal.
A primeira e a mais importante seita de que ouvimos falar é a de Nicolaitenses, de quem João, no Apocalipse, faz a voz em sua visão dizer que odeia sua doutrina. Esses Nicolaitenses eram os seguidores, contudo, de Nicolau de Antioquia, um dos "sete" escolhidos pelos "doze" para distribuir os fundos comuns aos prosélitos de Jerusalém (Atos, II, 44, 45; VI, 1-5), algumas semanas, ou talvez meses, depois da Crucificação; e um homem "de bom nome, cheio de Espírito Santo e de sabedoria" (versículo 3). Parece, pois, que o "Espírito Santo e a sabedoria" vindos do alto garantiam tão pouco contra as acusações de "heresia", como se os "eleitos" dos apóstolos jamais os houvessem protegido.
Seria fácil descobrir que espécie de heresia era essa que ofendia, mesmo se não tivéssemos outras fontes de informação mais autênticas, nos escritos cabalísticos. A acusação e a natureza precisa da "abominação" figuram no segundo capítulo do Apocalipse, versículo 14, 15. O pecado era simplesmente - o matrimônio. João era "virgem"; vários padres atestam o fato com base na autoridade da tradição. Mesmo Paulo, o mais liberal e o mais nobre de todos, encontra dificuldades para reconciliar a posição de um homem casado, com a de um fiel servo de Deus. Há também "uma diferença entre um esposa e uma virgem". Esta última cuida "das coisas do Senhor", e a outra apenas "de como pode agradar ao esposo". "Se alguém julga agir de modo inconveniente para com a sua virgem (...) que se casem. Mas aqueles que, no seu coração tomou firme propósito (...) e tem a força de vontade, e assim decidiu (...) conservar sua virgem, esse procede bem". Portanto, aquele que se casa "age bem" (...) mas aquele que não a dá em casamento procede melhor ainda". "Estás ligado a uma mulher?" pergunta ele. "Não procures mulher. Não estás ligado a uma mulher". (27) E assinalando que, de acordo com seu julgamento, ambos serão mais felizes se não se casarem, acrescenta, como grave conclusão: "E julgo que possuo o Espírito de Deus" (40). Muito longe desse espírito de tolerância estão as palavras de João. Segundo sua visão, há "apenas cento e quarenta e quatro mil que foram resgatados da terra", "esses são os que não se contaminaram com mulheres: são virgens". Isso parece conclusivo; pois, exceto Paulo, nenhum desses primitivos Nazari, "apartados" e devotados a Deus, parece fazer uma grande diferença entre "pecado" com o relacionamento do matrimônio legal e a "abominação" do adultério.
Com tais opiniões e com tal estreiteza de espírito, é perfeitamente natural que esses fanáticos tenham começado por lançar essa iniqüidade como uma mácula à face dos irmãos, prosseguindo em suas acusações. Como já mostramos, é apenas Epifânio que dá minuciosos detalhes dos "toques" e outros sinais de reconhecimentos entre os gnósticos. Por outro lado, é absurdo acreditar que pessoas como os gnósticos - que, de acordo com Gibbon, eram os homens mais ricos, mais orgulhosos, mais polidos e mais sábios dentre os que "se chamavam cristãos" - fossem culpados das ações reprováveis e libidinosas com que Epifânio se compraz em acusá-los. Mesmo se eles fossem como esse "grupo de maltrapilhos, quase nus, de rostos ferozes", que Luciano descreve como os seguidores de Paulo, hesitaríamos em acreditar em tal infame história. É muito menos provável que homens que eram não apenas platônicos, mas também cristãos, tenham sido culpados de ritos tão absurdos.