O significado do Nirvana

Enviado por Estante Virtual em sex, 23/11/2012 - 02:09

Desde o dia mesmo em que o primeiro místico encontrou os meios de comunicação entre este mundo das hostes invisíveis, entre a esfera da matéria e a do puro espírito, concluiu ele que abandonar essa misteriosa ciência à profanação do vulgo seria perdê-la. Abusar dela levaria a Humanidade a uma rápida destruição; seria o mesmo que fornecer bombas explosivas a um grupo de crianças em dar-lhes fósforos. O primeiro adepto iniciou apenas uns poucos selecionados, e guardou o segredo das multidões. Ele reconheceu seu Deus e sentiu que o grande Ser estava consigo. O "Âtman", o Si-Mesmo, o poderoso Senhor e Protetor, assim que o homem o conheceu como o "Eu sou", o "Ego Sum", o "Asmi", deu a prova de todo o seu poder àquele que era capaz de reconhecer a "voz do silêncio". Desde os dias do homem primitivo, descritos pelo primeiro poeta védico, até a nossa época moderna, não houve um único filósofo digno desse nome que não tenha conquistado, no santuário silencioso de seu coração, a grande e misteriosa verdade. Se era um iniciado, ele a aprendeu como uma ciência sagrada; se não, como Sócrates, que repetia a si mesmo, assim como a todos os seus colegas, o nobre preceito, "Ó homem, conhece-te a ti mesmo", conseguiu reconhecer seu Deus em si mesmo. "Sois deuses", diz-nos o rei salmita, e vemos que Jesus lembra aos escribas que a expressão "Sois deuses" se dirigia a outros homens mortais, e que ele reclamava para si o mesmo privilégio sem incorrer em qualquer blasfêmia. E, como um eco fiel, Paulo, embora afirmado que somos todos "o templo do Deus vivo", acrescenta cautelosamente que afinal de contas todas essas coisas são apenas para os "sábios", e que não é "lícito" falar delas.

Portanto, devemos aceitar o convite, e anotar simplesmente que mesmo na fraseologia bárbara e torturada do Codex nazaraeus, encontramos a mesma idéia. Como uma corrente subterrânea, rápida e clara, ela flui sem misturar sua pureza cristalina com as ondas lodosas e pesadas do dogmatismo. Entontramo-lá no Codex, assim como nos Vedas, no Avesta, no Abhidharma, tanto nos Sânkhua-Sûtras de Kapila como no Quarto Evangelho. Não podemos atingir o "Reino dos Céus" sem antes nos unir indissoluvelmente como nossa Rex Lucis, o Senhor Esplendor e da Luz, nosso Deus Imortal. Devemos primeiro conquistar a imortalidade e "tomar o Reino dos Céus pela força", oferecido ao nosso eu material. "O primeiro homem, tirado da terra, é terrestre; o segundo homem é o Senhor do céu (...) Vede, eu vos dou a conhecer um mistério", diz Paulo (I Coríntios, XV, 47,51). Na religião de Sâkya-Muni, que os eruditos comentadores se têm comprazido em considerar como puramente niilista, a doutrina da imortalidade é definida com muita clareza, não obstante as idéias européias, ou antes, cristãs, sobre o Nirvana. Nos livros sagrados jainistas de Pattana, o Gautama Buddha moribundo é assim interpelado: "Sobe ao Nirvi (Nirvana) saindo desse corpo decrépito ao qual foste enviado. Sobe à tua morada anterior, ó Abençoado Avatâra!" Isto nos parece o próprio oposto do Niilismo. Se Gautama é convidado a retornar à sua "morada anterior", e essa morada é o Nirvana, então é incontestável que a Filosofia Budista não ensina a aniquilação final. Assim como se pretende que Jesus apareceu a seus discípulos após a morte, do mesmo modo acredita-se ainda hoje que Gautama retorna do Nirvana. E se ele existe aí, tal estado não é um sinônimo de aniquilação.

Gautama, assim como todos os outros grandes reformadores, tinha uma doutrina para os seus "eleitos" e outra para as massas, embora o objetivo principal se sua reforma consistisse em iniciar a todos, na medida em que era permissível e prudente fazê-lo, sem distinção de castas ou riquezas, nas grandes verdades até então mantidas em segredo pela egoísta classe bramânica. Gautama Buddha foi o primeiro, na história humana, quem movido pelo generoso sentimento, reúne toda a Humanidade num único amplexo, convidando o "pobre", o "aleijado" e o "cego" à mesa do festival real, da qual excluiu aqueles que haviam até então se sentado a sós, em orgulhoso isolamento. Foi ele quem, como mão enérgica, abriu pela primeira vez a porta do santuário ao pária, ao decaído e a todos os "aflitos pelos homens" vestidos em ouro e púrpura, porém que eram amiúde mais dignos de piedade do que os proscritos a quem apontavam desdenhosamente o dedo. Tudo isso fez Siddhârtha seis séculos antes de outro reformador, tão nobre quanto bondoso, embora menos favorecido pela sorte, em outra terra. Se ambos, conscientes do grande perigo de fornecer a uma população inculta a espada de dois gumes do conhecimento que dá poder, deixaram na mais profunda sombra o quadrante mais interno do santuário, quem, familiarizado com a natureza humana, poderá censurá-los por isso? Mas, ao passo que um agiu por prudência, o outro foi forçado a adotar esse meio. Gautama deixou intacta a parte esotérica e mais perigosa do "conhecimento secreto", e viveu até a idade avançada de oitenta anos, com a certeza de ter ensinado as verdades essenciais, e de a elas ter convertido um terço do mundo; Jesus prometeu a seus discípulos o conhecimento que confere ao homem o poder de produzir milagres ainda maiores do que aqueles que ele fizera, e morreu, deixando apenas uns poucos homens fieis, a meio caminho do conhecimento, para lutarem com o mundo ao qual não podiam comunicar senão o que eles próprios conheciam pela metade. Mai tarde, seus seguidores desfiguraram a verdade ainda mais do que eles próprios o haviam feito.

Não é verdade que Gautama nunca ensinou qualquer coisa a propósito da vida futura, ou que ele negou a imortalidade da alma. Perguntai a qualquer budista inteligente quais são suas idéias sobre o Nirvana, e ele expressar-se-á como o fez o conhecido Wong Ching Foo, o orador chinês, agora em viagem a este país, numa recente conversa conosco sobre o Niepang (Nirvana). "Esse estado", observou ele, "segundo todos entendemos, significa uma reunião final com Deus, que coincide com a perfeição do espírito humano por sua libertação final da matéria. É exatamente o contrário da aniquilação pessoal".

O Nirvana significa a certeza da imortalidade pessoal no Espírito, não na Alma, que, como uma emanação finita, deve certamente desintegrar suas partículas - um composto de sensações humanas, paixões e anseios por alguma espécie objetiva de existência - antes que o espírito imortal do Ego esteja completamente livre, e por conseguinte certo de não mais sofre qualquer forma de transmigração. E como pode o homem atingir esse estado, enquanto o Upâdâna, esse estado de anseio pela vida e mais vida, não desaparecer do ser senciente, do Ahamkara vestido, contudo, com um corpo sublimado? É o "Upâdâna", o intenso desejo, que produz a VONTADE, e é a vontade que desenvolve a força, e esta gera a matéria, ou qualquer objeto provido de forma. Assim, o Ego desencarnado, movido por esse desejo imortal que nele reside, fornece inconscientemente as condições de suas sucessivas autoprocriações em várias formas, que dependem de seu estado mental e de seu Karma, as boas e más ações de sua existência anterior, comumente chamadas de "mérito e demérito". Eis por que o "Mestre" recomendava a seus mendicantes o cultivo dos quatro graus de Dhyâna, o nobre "Caminho das Quatro Verdades", i.e., essa aquisição gradual da indiferença em face da vida ou da morte; esse estado de autocontenplação espiritual durante a qual o homem perde completamente de vista sua dupla individualidade física, composta de corpo e alma, e unindo-se com seu terceiro eu imortal, o homem real e celeste, mergulha, por assim dizer, na Essência divina, donde o seu próprio espírito procede como uma centelha oriunda de uma chama comum, Assim, o Arhat, o santo mendicante, pode alcançar o Nirvana quando ainda na Terra; e seu espírito, totalmente liberto dos entraves da "sabedoria psíquica terrestre e demoníaca", com a designa São Tiago, e sendo por natureza onisciente e onipotente, pode sobre a Terra, por meio simplesmente de seu pensamento, produzir os maiores fenômenos.

 

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