A lenda de Amanda, e o evangelho segundo São João

Enviado por Estante Virtual em sex, 23/11/2012 - 18:50

De igual maneira, o autor gnóstico do Evangelho segundo, São João, copiou e metamorfoseou a lenda de Ânanda que pediu de beber a uma mulher Mâtamgî - o anti-tipo da mulher encontrada por Jesus no poço -, e a quem disse ela que, por pertencer a uma casta inferior, nada podia fazer por um santo monge. "Eu não te perguntei, minha irmã", responde Ânanda à mulher, "qual a tua casta ou tua família, eu apenas te peço água, se puderes me dar alguma." Essa mulher Mâtamgî, encantada e comovida até as lágrimas, arrepende-se, ingressa na Ordem monástica de Gautama, e torna-se uma santa, resgatada de uma vida de lascívia por Sâkya-muni. Muitas de suas ações posteriores foram utilizadas pelos forjadores cristãos para caracterizar Maria Madalena e outras santas e mártires.

"E quem der, nem que seja um copo de água fria a um destes pequeninos, por ser meu discípulo, em verdade vos digo que não perderá sua recompensa", diz o Evangelho (Mateus, X, 42). "Quem, com um puro coração, oferecer mesmo que seja um pouco de água, ou ofertar tanto à assembléia espiritual, ou der de beber ao pobre e ao necessitado, ou a um animal do campo, essa ação meritória não se perderá por muitos séculos", diz o Cânone budista.

Na hora do nascimento de Gautama Buddha, realizaram-se 32 prodígios. As nuvens ficaram imóveis no céu, as águas dos rios pararam de correr, as flores cessaram de germinar, os pássaros ficaram silentes e cheios de maravilha; toda a natureza ficou suspensa em seu curso, e plena de expectativa. "Uma luz sobrenatural se difundiu por todo o mundo; os animais pararam de comer; os cegos passaram a enxergar; os coxos e os mudos foram curados", etc.

Citemos agora o Protevangelion:

"Na hora da Natividade, quando José olhou para o ar, Eu vi [diz ele] as nuvens espantadas, e as aves do ar parando em meio ao seu vôo (...) E vi as ovelhas dispersas, mas todas em silêncio (...) e vi o rio, e observei as novilhas com suas bocas perto da água, e tocando-a, mas sem a beber.

"Então, uma nuvem brilhante ofuscou a caverna (...) Mas, de súbito, a nuvem transformou-se numa grande luz na caverna, de modo que seus olhos não puderam suporta-la (...) A mão de Salomé, que estava murcha, foi imediatamente curada (...) Os cegos enxergaram; os coxos e os mudos foram curados."

Quando foi à escola, o jovem Gautama, sem jamais ter estudado, superou completamente todos os seus competidores, não apenas na escrita, mas na Aritmética, na Matemática, na Metafísica, na luta, na arte do arco, na Astronomia, na Geometria, e finalmente venceu os seus próprios professores dando a definição das sessenta e quatro virtudes, que eram desconhecidas dos próprios mestres.

E eis o que diz novamente o Evangelho da Infância: "E quando ele [Jesus] tinha doze anos (...) um certo Rabino importante lhe perguntou, `Lestes livros?' (...) e um certo astrônomo (...) perguntou ao Senhor Jesus se havia estudado Astronomia. E o Senhor Jesus lhe explicou (...) sobre as esferas (...) sobre a Física e a Metafísica. E também sobre coisas que a razão do homem jamais havia descoberto (...) A constituição do corpo, como a alma operava sobre o corpo, etc. (...) E o mestre ficou tão surpreso que disse: Creio que esse rapaz nasceu antes de Noé (...) ele é mais sábio do que todos os mestres!"

Os preceitos de Hillel, que morreu quarenta anos antes do nascimento de Cristo, aparecem antes como citações, do que expressões originais, no Sermão da Montanha. Jesus nada ensinou ao mundo que não tivesse sido convenientemente ensinado antes por outros instrutores. Ele começa seu sermão com certos preceitos puramente budistas que haviam encontrado aceitação entre os essênios, e eram geralmente praticados pelos Orphikoi e pelos neoplatônicos. Havia os filelenos, que, como Apolônio, devotavam suas vidas à pureza moral e física, e que praticavam o ascetismo. Jesus tenta inculcar em sua audiência o desprezo pelas riquezas do mundo; uma indiferença de faquir pelo dia seguinte; amor pela Humanidade, pobreza e castidade. Abençoa o pobre de espírito, o humilde, os que têm fome e sede de justiça, o misericordioso e os mansos, e, como Buddha, deixa uma pobre esperança para as castas orgulhosas no que se refere a seu ingresso no reino do céu. Todas as palavras desse sermão ecoam os princípios essenciais do budismo monástico. Os dez mandamentos de Buddha, que se acham num apêndice ao Pratimoksha-Sûtra (texto-burmês), são elaborados em toda a sua extensão em Mateus. Se desejamos conhecer o Jesus histórico, temos de pôr o Cristo mítico inteiramente de lado, e aprender tudo o que pudermos sobre o homem no primeiro Evangelho. Suas doutrinas, suas concepções religiosas, e suas maiores aspirações se acham concentradas em seu sermão.

 

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