Ocorreu o mesmo com Jesus. Enquanto Fílon, que Renan chama de irmão mais velho de Jesus, Hillel, Shammai e Gamaliel, são raramente mencionados - Jesus tornou-se um Deus! No entanto, puro e divino como era o código moral ensinado por Jesus, ele jamais poderia ser comparado como o de Buddha, não fosse a tragédia do Calvário. O que propiciou a deificação de Jesus foi sua morte dramática, o sacrifício voluntário de sua vida, que foi feito, como se pretende, para o bem da Humanidade, e o posterior dogma conveniente da expiação, inventado pelos cristãos. Na Índia, onde não se dá nenhum valor à vida, a crucificação teria produzido pouco efeito, se algum. Num país em que - como o sabem todos os indianistas - os fanáticos se condenam à morte lenta, em penitência que duram anos; em que as macerações mais terríveis são auto-inflingidas pelos faquires; em que jovens e delicadas viúvas, num espírito de bravata contra o governo, assim como por causa do fanatismo religiosos, sobem à pira funerária como um sorriso nas faces; em que, para citar as palavras do grande conferencista, "os homens na flor da idade se jogam sob o carro de Jaggeernâth, para serem esmagados até a morte pelo ídolo em que acreditam; em que o querelante que não consegue justiça se deixa morrer de fome à porta de seu juiz; em que o filósofo que pensa que aprendeu tudo que este mundo lhe pode ensinar, e que aspira pela absorção na Divindade, se joga tranqüilamente no Ganges, a fim de chegar à outra margem da existência", em tal país, mesmo uma crucificação teria passado despercebida. Na Judéia, e mesmo entre nações mais bravas que os judeus - os romanos e os gregos -, em que todos eram mais ou menos apegados à vida, lutando desesperadamente para conservá-la, o fim trágico do grande reformador deveria ter produzido um profunda impressão. Os nomes de heróis menores como Mucius Scaevola, Horatius Cocles, a mãe dos Gracchi, e outros, chegaram à posteridade; e, durante nossos anos de escola, e mesmo depois na vida, suas histórias despertaram nossa simpatia e granjearam uma reverente admiração. Mas poderemos jamais esquecer o sorriso de desprezo de certos hindus em Benares, quando uma senhora inglesa, esposa de um clérigo, tentou impressioná-los com a grandeza do sacrifício de Jesus, ao dar sua vida para nós. Foi então que pela primeira vez ficamos impressionados com o papel que o grande drama do Calvário exerceu nos eventos subseqüentes da fundação da cristandade. Mesmo o imaginativo Renan foi impelido por esse sentimento a escrever, no último capítulo de sua Vida de Jesus, umas poucas páginas de singular e delicada beleza.
Apolônio, contemporâneo de Jesus de Nazaré, foi, como ele, um entusiasta fundador de uma nova escola espiritual. Talvez menos metafísico e mais prático do que Jesus, menos terno e perfeito em sua natureza, ele, não obstante, inculcou a mesma quintessência de espiritualidade, e as mesmas elevadas verdades morais. Seu grande erro consistiu em confiná-las por demais às classes superiores da sociedade. Enquanto o pobre Jesus pregava "Paz na terra e boa vontade para com os homens", Apolônio era o amigo dos reis, e privava com a aristocracia. Nasceu no seio desta, e era um homem de riqueza, ao passo que o "Filho do Homem", representando o povo, "não tinha onde repousar a cabeça"; não obstante, os dois "fazedores de milagre" exibiam uma impressionante similaridade de propósitos. Já antes de Apolônio havia aparecido Simão, o Mago, denominado "o grande Poder de Deus". Seus "milagres" são mais extraordinários, mais variados e mais bem atestados do que os dos apóstolos ou os do próprio filósofo galileu. O materialismo nega o fato em ambos os casos, mas a história o comprova. Apolônio seguiu a ambos; e quão grandes e renomados foram seus atos miraculosos em comparação como os do pretenso fundador do Cristianismo, conforme afirmam os cabalistas, temos novamente a história e Justino o Mártir, para comprová-lo.