Já vimos que o uso que se faz da Religião Comparada contra a Religião, e alguns de seus ataques mais destrutivos têm sido levantados contra o Cristo.
Seu nascimento de uma Virgem no “Natal”, a matança dos Inocentes, Seus milagres e Seus ensinamentos, Sua crucificação, ressurreição e ascensão – todos estes eventos na história de Sua vida são assinalados na história de outras vidas, e Sua existência histórica é questionada com base nestas identidades. Até onde se relaciona aos milagres e ensinamentos, podemos brevemente descartar os primeiros reconhecendo que os maiores Instrutores operaram obras que, no plano físico, aparecem como milagres à visão de seus contemporâneos, mas são sabidos pelos ocultistas serem realizados pelo exercício de poderes possuídos por todos os Iniciados acima de certo nível. Os ensinamentos que Ele deu também podem ser considerados não-originais; mas onde o estudante de Mitologia Comparada imagina ter provado que ninguém é inspirado divinamente ao demonstrar que saíram dos lábios de Manu, dos lábios de Buda, dos lábios de Jesus, ensinamentos morais similares, o ocultista diz que certamente Jesus deve ter repetido os ensinamentos de Seus predecessores, uma vez que foi um mensageiro da mesma Loja. As verdades profundas a respeito do Espírito divino e humano eram tão verdadeiras milhares de anos antes que Jesus tivesse nascido na Palestina quanto depois de Ele ter nascido, e dizer que o mundo foi deixado sem este ensinamento, e que o homem foi deixado na escuridão moral desde sua origem até vinte séculos atrás é dizer que houve uma humanidade sem um Instrutor, filhos sem um Pai, almas humanas gritando por luz no meio da treva que não lhes dá resposta alguma – uma concepção tão blasfema sobre Deus quanto é desesperante para o homem, uma concepção contradita pela aparição de cada Sábio, pela grandiosa literatura, pelas nobres vidas nas milhares de eras antes que Cristo aparecesse.
Reconhecendo então em Jesus o grande mestre do Ocidente, o principal Mensageiro da Loja para o mundo ocidental, devemos enfrentar a dificuldade que arruinou a crença n’Ele nas mentes de tantos: Por que os festivais que comemoram os eventos na vida de Jesus são encontrados nas religiões pré-Cristãs, e nelas comemoram eventos idênticos das vidas de outros Instrutores?
A Mitologia Comparada, que atraiu a atenção pública para esta questão nos tempos modernos, pode ser dita ter um século de idade, datando do aparecimento da Histoire Abrégée de différents Cults, de Dulaure, da Origens de touts les Cultes, de Dupuis, do Hindu Pantheon, de Moor, e do Anacalypsis, de Godfrey Higgins. Estas obras foram seguidas por uma enxurrada de outras, ficando mais científicas e rigorosas em suas compilações e comparações dos fatos, até que se tornou impossível para qualquer pessoa educada sequer duvidar das identidades e similaridades que existem em todas as direções. Não se encontrará nestes dias qualquer Cristão que esteja preparado para argumentar que os símbolos, ritos e cerimônias Cristãos são únicos – exceto, talvez, entre os ignorantes.
Aqui ainda temos simplicidade de crença aliada à ignorância dos fatos; mas fora desta última classe não encontramos nem mesmo o mais devoto Cristão alegando que o Cristianismo não tem muito em comum com credos mais antigos que ele mesmo. Mas é bem sabido que nos primeiros séculos “depois de Cristo” estas semelhanças eram admitidas por todos, e que a Mitologia Comparada moderna só está repetindo com grande precisão o que era reconhecido universalmente na Igreja Primitiva. Justino Mártir, por exemplo, povoa suas páginas com referências às religiões de seu tempo, e se um atacante moderno do Cristianismo citasse alguns casos onde os ensinamentos Cristãos são idênticos aos de religiões mais antigas, ele não poderia encontrar guias melhores do que os apologistas do segundo século. Eles citam ensinamentos, histórias e símbolos Pagãos, advogando que a própria identidade dos ensinamentos, histórias e símbolos Cristãos com aqueles deveria prevenir a rejeição apriorística destes por serem considerados em si incríveis. É dada na verdade uma razão curiosa para esta identidade, que dificilmente encontrará seguidores nos dias de hoje. Diz Justino Mártir: “Os que transmitem os mitos que os poetas criaram não aduzem nenhumas provas para os jovens que os aprendem; e passamos a demonstrar que eles foram elaborados sob a influência de demônios maus, para enganar e perder a raça humana. Pois tendo ouvido ser proclamado pelos profetas que Cristo havia de vir, e que os homens maus haviam de ser punidos pelo fogo, enviaram muitos que seriam chamados filhos de Júpiter, com a impressão de que eles seriam capazes de produzir nos homens a idéia de que as coisas ditas a respeito de Cristo eram meras fábulas maravilhosas, como as coisas que foram ditas pelos poetas”. “E os demônios, em verdade, tendo ouvido sobre esta purificação publicada pelo profeta, instigaram aqueles que entram em seus templos, e estão prestes a se aproximarem dali com libações e holocaustos, a espargirem a si mesmos [com água, referência à prática dos Cristãos de usar a água benta para a purificação prévia quando da entrada na igreja, prática empregada também por religiões Pagãs em seus templos – NT]; e eles os fazem ainda se lavarem inteiramente quando partem” (Justin Martyr, First Apology, §§ LIV, LXII e LXVI; A.-N.C.Libr., vol. II). “Pois eu mesmo, quando descobri os malignos artifícios que os maus espíritos lançaram em volta das doutrinas divinas dos Cristãos, para impedir que outros se lhe juntassem, ri” (Justin Martyr, Second Apology, § XIII; A.-N.C.Libr., vol. II).
Estas identidades foram consideradas então como a obra de demônios, cópias dos originais Cristãos, e circularam largamente no mundo pré-Cristão com o intuito de prejudicar a recepção da verdade quando ela viesse. Há uma certa dificuldade em aceitarmos as declarações mais antigas como cópias e as mais tardias como originais, mas sem disputar com Justino Mártir se as cópias precederam os originais ou os originais às cópias, podemos nos contentar em aceitar seu testemunho sobre a existência destas identidades entre a fé que florescia no império Romano de seu tempo e a nova religião a qual ele estava engajado em defender.
Tertuliano fala de modo igualmente explícito, levantando a objeção feita em seus dias também ao Cristianismo, de que “as nações que são alheias ao entendimento dos poderes espirituais, atribuem aos seus ídolos a dotação da mesma eficácia às águas”. “E de fato eles o fazem”, ele responde muito francamente, “mas estes se iludem com águas inócuas. Pois a ablução é o canal através do qual eles são iniciados em certos ritos sacros de alguns Ísis ou Mitras notórios; e eles honram os próprios Deuses com abluções... Eles são batizados nos jogos Apolíneos ou Eleusinos, e presumem que o efeito de seus atos é a regeneração e remissão de seus pecados devidos aos seus perjúrios.
De fato, reconhecemos aqui também o zelo dos diabos ao rivalizarem com as coisas de Deus, quando os encontramos praticando também o batismo em seus súditos” (Tertulian, On Baptism, cap. V; A.-N.C.Libr., vol VII). Pare resolvermos estas dificuldades devemos estudar o Cristo Mítico, o Cristo dos mitos ou lendas solares, sendo estes mitos as formas figuradas nas quais certas verdades profundas foram dadas ao mundo.
Mas um “mito” de modo algum é o que a maioria das pessoas imagina que seja – uma mera história fantástica erguida sobre uma base factual, ou mesmo inteiramente à parte dos fatos. Um mito é muito mais verdadeiro do que uma história, pois uma história só conta um relato das sombras, enquanto que um mito conta um relato das substâncias que produzem as sombras. Assim no alto como embaixo; e primeiro no alto, e depois embaixo. Existem certos grandes princípios de acordo com os quais nosso grande sistema é construído; há certas leis através das quais estes princípios são desenvolvidos em detalhe; há certos seres que encarnam os princípios e cujas atividades são as leis; existem hostes de seres inferiores que atuam como veículos para estas atividades, como agentes, como instrumentos; existem os Egos dos homens misturados a tudo isto, cumprindo sua parte no grande drama cósmico. Estes trabalhadores multivariados nos mundos invisíveis lançam suas sombras na matéria física, e estas sombras são as “coisas” – os corpos, os objetos, que constituem o universo físico. Estas sombras só dão uma idéia pobre dos objetos que as originam, assim como o que chamamos de sombras aqui embaixo só dão uma idéia pobre dos objetos que as lançam; elas são meros contornos, com uma negrura uniforme em vez de detalhes, e só possuem largura e altura, mas não profundidade.
A história é um relato, muito imperfeito e freqüentemente distorcido, da dança da sombras no mundo-sombra da matéria física. Qualquer um que tenha assistido a um teatro de sombras chinesas, e comparou o que acontece detrás da tela de projeção com os movimentos das sombras na tela, pode ter uma vívida idéia da natureza ilusória das ações-sombras, e pode elaborar daí diversas analogias de modo nenhum enganosas (O estudante poderia ler o relato de Platão sobre a “Caverna” e seus habitantes, lembrando que Platão foi um Iniciado: Platão, República, livro VII).
O mito é um relato dos movimentos daqueles que lançam as sombras, e a linguagem na qual o relato é dado é o que se chama linguagem de símbolos.
Assim como temos palavras para designar as coisas – assim como a palavra “mesa” é um símbolo para um artigo reconhecido de certo tipo – igualmente o símbolo designa objetos nos planos superiores. São um alfabeto pictórico, usado por todos os elaboradores de mitos, e cada símbolo tem seu significado determinado. Um símbolo é usado para significar um certo objeto assim como as palavras são usadas aqui embaixo para distinguir uma coisa da outra, de modo que é necessário um conhecimento dos símbolos para a leitura de um mito. Pois os contadores originais de todos os mitos são sempre Iniciados, que estão acostumados a usar a linguagem simbólica, e que, é claro, usam os símbolos em seus significados convencionados.
Um símbolo tem um significado principal, e depois vários outros significados subsidiários relacionados àquele significado principal. Por exemplo, o Sol é o símbolo do Logos; este é o significado principal ou primário. Mas também funciona aplicado para uma encarnação do Logos, ou para qualquer um dos grandes Mensageiros que O representam na época, como os embaixadores representam seu Rei. Grandes Iniciados que são enviados em missões especiais para encarnar entre os homens e viver com eles durante algum tempo como regentes ou Instrutores seriam designados pelo símbolo do Sol; pois embora este não seja seu símbolo em um sentido individual, é seu em virtude de seu ofício.
Todos aqueles que são designados por este símbolo têm certas características, passam por certas situações e desempenham certas atividades durante suas vidas na Terra. O Sol é a sombra física, ou corpo, como é chamado, do Logos, daí que seu curso anual na natureza reflete Sua atividade, no modo parcial através do qual uma sombra representa a atividade do objeto que a lança. O Logos, “o Filho de Deus”, descendo à matéria, tem como sombra o curso anual do Sol, e o Mito Solar o relata. Daí, mais uma vez, uma encarnação do Logos, ou um de Seus altos embaixadores, também apresentará esta atividade, como sombra, em Seu corpo de homem. Assim é necessário que surjam identidades nas histórias de vida destes embaixadores. De fato, a ausência destas identidades de imediato indicaria que esta pessoa em questão não era um embaixador pleno, e que sua missão era de um caráter inferior.
O Mito Solar, então, é uma história que primariamente representa a atividade do Logos, ou Verbo, no cosmo; secundariamente, representa a vida de alguém que seja uma encarnação do Logos, ou seja um de Seus embaixadores. O Herói do mito é usualmente representado como um Deus, ou Semideus, e sua vida, como será compreendido pelo que já se disse, deve ser ordenada de acordo com o curso do Sol, como sombra do Logos. A parte do curso vivida durante a vida humana é a que recai entre o solstício de inverno e o zênite do verão. O Herói nasce no solstício de inverno, morre no equinócio de primavera, e, vencendo a morte, ascendo aos céus.
As seguintes notas são interessantes neste sentido, por olharem o mito de um modo mais genérico, como uma alegoria, figurando verdades internas: “Alfred de Vigny disse que a lenda é mais freqüentemente verdadeira do que a história, porque a lenda reconta não atos que são amiúde incompletos e abortivos, mas o gênio em si do grande homem e das grandes nações. É principalmente em relação ao Evangelho que este belo pensamento é aplicável, pois o Evangelho não é meramente a narração do que sucedeu; é a narração sublime do que é e sempre será. O Salvador do mundo será sempre adorado pelos reis da inteligência, representados pelos Magos; multiplicará sempre o pão eucarístico, para alimentar e confortar nossas almas; virá a nós caminhando sobre as águas, sempre estenderá Suas mãos e nos fará atravessar as cristas das ondas; sempre curará nossas intemperanças e dará luz para nossos olhos; sempre aparecerá aos Seus fiéis, luminoso e transfigurado sobre o Tabor, interpretando a lei de Moisés e moderando o zelo de Elias" (Eliphas Levi, The Mysteries of Magic, p. 48).
Veremos que os mitos são muito estreitamente associados aos Mistérios, pois parte dos Mistérios consistia em apresentar imagens vivas das ocorrências nos mundos superiores que se tornaram corporificadas nos mitos. De fato nos Pseudomistérios, fragmentos mutilados das imagens vivas dos Mistérios verdadeiros eram representados por atores que apresentavam um drama, e muitos mitos secundários são estes dramas colocados em palavras.
As linhas gerais da história do Deus Sol são muito nítidas, sendo a movimentada vida do Deus Sol estendida pelos seis primeiros meses do ano solar, sendo os outros seis empregados na proteção e preservação gerais. Ele sempre nasce no solstício de inverno, depois do dia mais curto do ano, na meia-noite do dia 24 de dezembro [isto no hemisfério norte – NT], quando o signo da Virgem está se elevando no horizonte; nascendo na elevação deste signo, nasce sempre de uma virgem, e ela permanece sempre virgem depois de ter dado à luz a seu Filho Solar, assim como a Virgem Celeste permanece intacta e imaculada quando o Sol emerge dela nos céus. Ele é fraco e frágil como uma criança, nascido quando os dias são mais curtos e as noites mais longas – estamos ao norte da linha equatorial – rodeado de perigos em sua infância, e o reino das trevas muito maior que o seu em seus primeiros dias.
Mas ele sobrevive a todos os perigos que o ameaçam, e o dia aumenta sua duração à medida que se aproxima o equinócio da primavera, até que chega o tempo do traspasse, a crucificação, cuja data varia a cada ano. O Deus Sol algumas vezes é figurado dentro do círculo do horizonte, com a cabeça e pés tocando o círculo ao norte e ao sul, e as mãos estendidas tocando o leste e o oeste – “Ele foi crucificado”. Depois disto ele se ergue triunfante e ascende ao céu, e colhe o grão e a vinha, dando sua própria vida para eles para fazer sua substância a através deles para os seus adoradores. O Deus que nasce no início do dia 25 de dezembro é sempre crucificado no equinócio da primavera, e sempre dá sua vida como alimento aos seus adoradores – estas são as mais salientes características do Deus Sol. A fixidez da data de nascimento e a variabilidade da data de morte são cheias de significado, quando lembramos que uma é uma posição solar fixa e a outra é variável. A “Páscoa” é um evento móvel, calculado pelas posições relativas do sol e da lua, um modo impossível de se fixar ano após ano o aniversário de um evento histórico, mas um modo muito natural e na verdade inevitável de calcular um festival solar. Estas datas móveis não apontam para a história de um homem, para a do Herói de um mito solar.
Estes eventos são reproduzidos nas vidas dos vários Deuses Solares, e a antigüidade é pródiga em ilustrações deles. A Ísis do Egito, como nossa Maria de Belém, foi Nossa Senhora Imaculada, Estrela do Mar, Rainha do Céu, Mãe de Deus. Nós a vemos em imagens acima do crescente lunar, coroada de estrelas; ela acalenta seu filho Hórus, e a cruz aparece no dorso do trono onde ele se assenta sobre o joelho de sua mãe. A Virgem do Zodíaco é representada nos antigos desenhos como uma mãe aleitando uma criança – o protótipo de todas as Madonnas com seus Bebês divinos, mostrando a origem do símbolo. Devaki é igualmente figurada com o divino Krishna em seus braços, assim como Mylitta, ou Istar, da Babilônia, também com a onipresente coroa de estrelas, e com seu filho Tammuz sobre seu joelho. Mercúrio e Esculápio, Baco e Hércules, Perseu e os Dióscuros, Mitra e Zoroastro, foram todos de nascimento divino e humano.
A relação do solstício de inverno e Jesus também é significativa. O nascimento de Mitra era celebrado no solstício de inverno com grande júbilo, e Hórus também nascia nesta ocasião: “Seu nascimento é um dos maiores mistérios da religião (Egípcia). Imagens representando-o apareciam nas paredes dos templos... Ele era o filho da Deidade. Na época do Natal, ou aquele espelho de nosso festival, sua imagem era levada para fora do santuário com cerimônias especiais, assim como a imagem do Bambino ainda é levada para fora e exibida em Roma” (Bonwiok, Egyptian Belief, p. 157. Citado em Williamson, The Great Law, p. 26).
Sobre a fixação da data de 25 de dezembro como o nascimento de Jesus, Williamson diz o seguinte: “Todos os Cristãos sabem que 25 de dezembro agora é o festival convencionado para o nascimento de Jesus, mas poucos se dão conta que não foi sempre assim; diz-se que 136 datas diferentes forma fixadas por diferentes seitas Cristãs. Lightfoot o assinala em 15 de setembro, outros em fevereiro ou agosto, Epifânio menciona duas seitas, uma celebrando-o em junho, outra em julho. O assunto finalmente foi decidido pelo Papa Júlio I, em 337, e São Crisóstomo, em 390, diz: ‘Neste dia (25 de dezembro), o nascimento de Cristo foi também há pouco fixado em Roma, a fim de que enquanto os pagãos estivessem ocupados com seu suas cerimônias (as Brumálias, em honra a Baco), os Cristãos pudessem realizar seus ritos em paz’. Gibbon, em seu Declínio e Queda do Império Romano, escreve: ‘Os (Cristãos) Romanos, tão ignorantes como seus irmãos a respeito da data real de seu (de Cristo) nascimento, fixaram o festival solene em 25v de dezembro, nas Brumálias ou solstício de inverno, quando os Pagãos celebravam anualmente o nascimento do Sol’. King, em seu Gnostics and Their Remains, também diz: ‘O antigo festival fixado em 25 de dezembro em honra do nascimento do Invencível (O festival Natalia Solis Invicti, o nascimento do Sol Invencível), e celebrado com os grandes jogos no Circo, foi depois transferido para a comemoração do nascimento de Cristo, cuja data precisa muitos Padres confessam que desconhecem’, enquanto que nos dias de hoje Canon Farrar escreve que ‘todas as tentativas de descobrir o mês e dia da natividade são inúteis. Não existe nenhum dado que nos habilite a determinálos sequer com exatidão aproximada’. Do que se disse fica aparente que o grande festival do solstício do inverno tem sido celebrado durante eras passadas, e em terras muito separadas, em honra do nascimento de um Deus, que quase invariavelmente é mencionado como um ‘Salvador’, e cuja mãe é dita ser uma virgem pura. As notáveis semelhanças, também, que têm sido citadas não só a respeito do nascimento mas também da vida de tantos destes Deuses Salvadores são de longe numerosas demais para serem tidas como mera coincidência” (Williamson, The Great Law, pp. 40-42 Os que desejam estudar este assunto sob o viés da Religião Comparada não podem fazer melhor senão ler The Great Law, cujo autor é um homem profundamente religioso e um Cristão).
No caso do Senhor Buda podemos ver como um mito se liga a um personagem histórico. A história de Sua vida é bem conhecida, e nos relatos indianos comuns a história do nascimento é simples e humana. Mas no relato chinês Ele nasce de uma Virgem, Mâyâdevi, o mito arcaico encontrado n’Ele um novo Herói.
Williamson também nos fala que fogos eram e são acesos em 25 de dezembro sobre as colinas entre os povos celtas, e eles ainda são conhecidos entre os highlanders irlandeses e escoceses como Bheil ou Baaltine, levando os fogos o nome de Bel, Bal ou Baal, sua antiga deidade, o Deus Sol, embora sejam acesos agora em honra de Cristo (Ibid., pp. 36-37).
Considerado corretamente, o festival Cristão deveria ter novos elementos de júbilo e sacralidade, quando os amantes de Cristo vêem nele a repetição de uma antiga solenidade, vêem-no se estendendo sobre todo o mundo, e longe, muito longe na obscura antigüidade; para que os sinos do Natal retinam através de toda a história humana e soem musicalmente de dentro da noite dos tempos. A marca da verdade é encontrada não na posse exclusiva, mas na aceitação universal.
A data da morte, como dito antes, não é fixa como a data de nascimento. A data da morte é calculada pelas posições relativas do Sol e da Lua no equinócio de primavera, variando em cada ano, e a data da morte de cada Herói Solar é encontrada para ser celebrada nesta conexão. O animal adotado como símbolo do Herói é o signo do Zodíaco no qual o Sol está no equinócio vernal desta era, e isto varia com a precessão dos equinócios. Oannes da Assíria tinha o signo de Peixes, e é figurado assim. Mitra cai em Touro, e portanto conduz um touro, e Osíris era adorado como Osíris-Ápis, ou Serápis, o Touro, O Merodach da Babilônia era adorado como um Touro, assim como Astarte da Síria. Quando o Sol está no signo de Áries, temos o Carneiro ou Cordeiro, o mesmo para Astarte e Júpiter Ammon, e é este mesmo animal que se tornou o símbolo de Jesus – O Cordeiro de Deus. O uso do Cordeiro como Seu símbolo, freqüentemente portando uma cruz, é comum nas esculturas das catacumbas. Sobre isto escreve Williamson: “No curso do tempo o Cordeiro foi representado na cruz, mas foi só no Sínodo de Constantinopla, realizado em 680, que foi ordenado que em vez do antigo símbolo, a figura de um homem estendido sobre uma cruz deveria ser representado. Este cânone foi ratificado pelo Papa Adriano I” (The Great Law, p. 116). O antiqüíssimo Peixe também é assinalado para Jesus, e assim Ele é figurado nas catacumbas.
A morte e ressurreição do Herói Solar no ou perto do equinócio vernal é tão disseminada como seu nascimento no solstício de inverno. Osíris foi morto por Tífon, e Ele é representado no círculo do horizonte, com os braços estendidos, como se crucificado – uma postura originalmente de bênção, e não de sofrimento. A morte de Tammuz era anualmente fixada no equinócio de primavera na Babilônia e na Síria, assim como Adônis na Síria e Grécia, e Àtis na Frígia, eram representados “como um homem estendido com um cordeiro aos pés” (Ibid., p. 68). A morte de Mitra era celebrada similarmente na Pérsia, e a de Baco e Dionísio – um e o mesmo – na Grécia. No México a mesma idéia reaparece, e como o usual, acompanhada da cruz.
Em todos estes casos a lamentação pela morte é imediatamente seguida pelo júbilo pela ressurreição, e a respeito disto é interessante notar que o nome Easter [Páscoa, em inglês – NT], é derivado de Ishtar, a mãe virgem do finado Tammuz (Ibid., p. 56).
Também é interessante notar que o luto precedente à morte no equinócio vernal – a moderna Quaresma – é encontrado no México, Egito, Babilônia, Assíria, Ásia Menor, em alguns casos exatamente de quarenta dias (Ibid., pp., 120-123).
Nos Pseudomistérios, a história do Deus Sol era dramatizada, e nos antigos Mistérios era vivida pelo Iniciado, e daí os “mitos” solares e os grandes fatos da Iniciação foram misturados. Daí quando o Mestre Cristo se tornou o Mestre dos Mistérios, as lendas dos antigos Heróis daqueles Mistérios se juntaram em Seu redor, e as histórias foram de novo recitadas a respeito do último dos Instrutores divinos representantes do Logos no Sol. Então o festival de Sua natividade se tornou a data imemorial de quando o Sol nasceu da Virgem, quando o céu da meia-noite se enchia das hostes jubilosas dos seres celestiais, e “Muito cedo, muito cedo, Cristo nasceu”.
À medida que a grande lenda do Sol se reuniu em Seu redor, o signo do Cordeiro se tornou o de Sua crucificação, como o signo da Virgem se tornou o de Seu nascimento. Vimos que o Touro era consagrado para Mitra assim como o Peixe para Oannes, e que o Cordeiro foi consagrado para Cristo, e pela mesma razão: era o signo do equinócio de primavera, no período da história em que Ele cruzou o grande círculo do horizonte, sendo “crucificado no espaço”.
Estes mitos Solares, sempre recorrentes através das idades, com um nome diferente para o seu Herói em cada nova aparição, não pode passar ignorado pelo estudante, embora ele possa natural e corretamente ser ignorado pelo devoto, e quando eles são usados como uma arma para mutilar ou destruir a majestática figura do Cristo, devem ser encarados, não se negando os fatos, mas entendendo o significado profundo das histórias, as verdades espirituais que as lendas expressam debaixo de um véu.
Por que estas lendas se misturaram com a história de Jesus, e se cristalizaram ao Seu redor, em Seu aspecto como personagem histórico? Elas são em verdade as histórias não de um indivíduo em particular chamado Jesus, mas do Cristo universal, de um homem que simbolizou um ser Divino, e que representou uma verdade fundamental na natureza, um Homem que cumpriu uma certa função e assumiu um posto especial em relação à humanidade, permanecendo em uma relação especial com a humanidade, renovada era após era, à medida que geração sucedia a geração, à medida que cada raça dava espaço a outra raça. Por isto Ele foi, como o foram todos, “o Filho do Homem”, um título peculiar e distintivo, o nome de uma função, e não o de um indivíduo. O Cristo do Mito Solar era o Cristo dos Mistérios, e descobrimos o segredo do Cristo mítico no Cristo místico.