Agora nos aproximamos daquele lado mais profundo da história do Cristo que lhe empresta a sua real ascendência sobre os corações dos homens. Nos aproximamos daquele vida perene que borbulha de uma fonte invisível, e assim batiza seu representante com seu lucente fluxo, aquilo que faz com que os corações humanos se agrupem em torno de Cristo, e sintam que poderiam mais prontamente rejeitar os fatos aparentes da história do que negar aquilo que eles intuitivamente ser uma verdade vital, essencial, da vida superior.
Chegamos ao portal secreto dos Mistérios, e erguemos uma ponta do véu que esconde o santuário.
Vimos que, remontando à antigüidade o quanto pudermos, encontramos sempre reconhecida a existência de um ensinamento oculto, uma doutrina secreta, dada sob estritas condições para candidatos aprovados pelos Mestres da Sabedoria. Tais candidatos eram iniciados nos “Mistérios” – um nome que na antigüidade encobre, como vimos, tudo aquilo que eram mais espiritual na religião, tudo o que era mais profundo em filosofia, tudo o que era mais valioso na ciência. Todos os grandes Instrutores da antigüidade passaram pelos Mistérios e os maiores dentre aqueles eram os Hierofantes dos Mistérios; todos os que vieram ao mundo para falar dos mundos invisíveis passou através do portal da Iniciação e aprendeu o segredo dos Santos Seres de Seus próprios lábios; todos vieram com a mesma história, e os mitos solares são todos eles versões desta história, idênticas em suas características essenciais, variando apenas em suas cores locais.
Esta história é primariamente a da descida do Logos na matéria, e o Deus Sol é adequadamente seu símbolo, uma vez que o Sol é Seu corpo, e Ele é freqüentemente descrito como “Aquele que reside no Sol”. Em um aspecto, o Cristo dos Mistérios é o Logos descendo à matéria, e o grande Mito Solar é a versão popular desta verdade sublime. Como nos casos anteriores, o Divino Instrutor, que trouxe a Sabedoria Antiga e a divulgou novamente no mundo, foi considerado como uma manifestação especial do Logos, e o Jesus das Igrejas gradualmente foi revestido com as histórias que pertenciam àquele grande Ser; assim Ele foi identificado, na nomenclatura Cristã, com a Segunda Pessoa da Trindade, o Logos ou Verbo de Deus (Veja-se com relação a isto a abertura do Evangelho de João, I, 1-5. O nome Logos, atribuído ao Logos manifesto, modelando a matéria – “todas as coisas foram feitas por Ele” – é de origem Platônica, e daí é derivada diretamente dos Mistérios; eras antes de Platão, Vâk, Voz, era o termo usado entre os Hindus), e os eventos principais recontados no mito do Deus Sol se tornaram os eventos principais da história de Jesus, considerado como a Deidade encarnada, o “Cristo mítico”. Assim como no macrocosmos, no cosmos, o Cristo dos Mistérios representa o Logos, a Segunda Pessoa da Trindade, igualmente no microcosmos, no homem, Ele representa o segundo aspecto do Espírito Divino no homem – por isso é chamado “o Cristo” no homem (Vide ante, pp. 106-107). O segundo aspecto do Cristo dos Mistérios então é a vida do Iniciado, a vida que lhe penetra na primeira grande Iniciação, na qual o Cristo nasce no homem, e depois da qual Ele se desenvolve no homem. Para tornar isto mais inteligível, devemos considerar as condições impostas ao candidato à Iniciação, e a natureza do Espírito no homem.
Somente seriam reconhecidos como candidatos aqueles que eram tão bons quanto os homens consideram ser bondoso, de acordo com a estrita medida da lei. Puro, santo, sem vileza, limpo do pecado, vivendo sem transgressões – estas eram algumas das frases empregadas para descrevê-los (Vide ante, p. 80-83). Também devia ser inteligente, com uma mente bem constituída e bem treinada (Vide ante, p. 73). A evolução conseguida no mundo vida após vida, desenvolvendo e dominando os poderes da mente, as emoções e o senso moral, aprendendo através das religiões exotéricas, praticando o cumprimento dos deveres, procurando ajudar e soerguer os outros – tudo isto pertence à vida usual de um homem em evolução. Quando tudo isto é feito, o homem se tornou um “homem bom”, o Chrêstos dos gregos, e assim ele deve ser antes que se torne Christos, o Ungido. Tendo completado a vida exotérica no bem, se torna um candidato à vida esotérica, e inicia a preparação para a Iniciação, que consiste no preenchimento de certos requisitos.
Estes requisitos assinalam os atributos que ele deve adquirir, e enquanto ele está trabalhando para criá-los, algumas vezes se diz que ele está trilhando a Senda Probacionária, a Senda que conduz à “Porta Estreita”, além da qual está a “Vereda Estreita”, ou a “Senda da Santidade”, o “Caminho da Cruz”. Não se espera que ele desenvolva estes atributos com perfeição, mas deve ter feito algum progresso em todos eles, antes que Cristo possa nascer nele. Ele deve preparar uma casa pura para aquela Criança Divina que há de se desenvolver nele.
O primeiro destes atributos – todos são mentais e morais – é a Discriminação; isto significa que o aspirante deve começar a separar em sua mente o Eterno do Temporário, o Real do Irreal, o verdadeiro do Falso, o Celeste do Terreno.
“As coisas que são vistas são temporais”, diz o Apóstolo; “mas as coisas que não são vistas são eternas” (II Coríntios, IV, 18). Os homens estão constantemente vivendo sob o glamour do que é visível, e são cegos por ele para o que não é visto. O aspirante deve aprender a discriminar entre os dois, de modo que o que é irreal para o mundo possa se tornar real para ele, e o que é real para o mundo possa se tornar irreal para ele, pois só assim é possível “caminhar pela fé, e não pela visão” (Ibid., V, 7). E assim também um homem deve se tornar um daqueles de quem diz o Apóstolo serem “todos crescidos, mesmo aqueles que em virtude do uso tiveram seus sentidos exercitados a distinguir o bem do mal” (Hebreus, V, 14). A seguir, este senso de irrealidade deve suscitar nele um Desgosto para com o irreal e efêmero, as meras futilidades da vida, incapazes de satisfazer a fome, a não ser do suíno (Lucas, XV, 16). Este estágio é descrito na enfática linguagem de Jesus: “Se alguém vier a mim, e não odiar seu pai e mãe e esposa e filhos e irmãos e irmãs, sim, e sua própria vida, não pode ser meu discípulo” (Ibid., XIV, 26). De fato uma “frase rude”, embora além deste rigor brote um amor mais profundo e verdadeiro, e esta etapa não pode ser contornada no caminho para a Porta Estreita. Então o aspirante deve aprender o Controle dos pensamentos, e isto conduzirá ao Controle das ações, sendo o pensamento, à visão interna, o mesmo que ação: “Quem quer que haja olhado para uma mulher com cobiça, já cometeu adultério com ela em seu coração” (Mateus, V, 28). Ele deve adquirir Perseverança, pois os que aspiram trilhar o “Caminho da Cruz” terão que enfrentar longos e amargos sofrimentos, e devem ser capazes de perseverar”, vendo Aquele que é invisível” (Hebreus, XI, 27). Ele deve acrescentar aos outros requisitos a Tolerância, se há de se tornar o filho d’Aquele que “fez Seu sol brilhar para o mau e para o bom, e enviou a chuva sobre o justo e sobre o injusto” (Mateus, V, 45), o discípulo d’Aquele que ordenou a Seus discípulos não proibir que um homem usasse Seu nome se não seguisse com eles (Lucas, IX, 49, 60). Mais ainda, ele deve adquirir a Fé para a qual nada é impossível (Mateus, XVII, 20), e o Equilíbrio que é descrito pelo Apóstolo (II Coríntios, VI, 8-10). Enfim, ele deve buscar somente “as coisas do alto” (Colossenses, III, 1) e desejar alcançar a visão e união com Deus (Mateus, V, 8; João, XVII, 21). Quando um homem desenvolveu estas qualidades em seu caráter ele é considerado apto para a Iniciação, e os Guardiães dos Mistérios lhe abrirão a Porta Estreita. Assim, e só assim, ele se torna um candidato preparado.
Porém, o Espírito no homem é o dom do Deus Supremo, e contém em si os três aspectos da vida divina – Inteligência, Amor, Vontade – sendo a Imagem de Deus. À medida que evolui, desenvolve primeiro o aspecto da Inteligência, desenvolve o intelecto, e esta evolução é realizada na vida comum no mundo.
endo feito isto em um grau elevado, acompanhado de desenvolvimento moral, leva o homem em evolução à condição de candidato. O segundo aspecto do Espírito é o do Amor, e a sua evolução é a evolução do Cristo. Nos verdadeiros Mistérios esta evolução é levada a cabo – a vida do discípulo é o Drama do Mistério, e as grandes Iniciações assinalam seus estágios. Os Mistérios celebrados no plano físico costumavam ser representados dramaticamente, e as cerimônias em muitos aspectos seguiam “o padrão” sempre presente “no Monte”, pois eram as sombras, numa época decaída, das grandiosas Realidades espirituais no mundo espiritual.
O Cristo Místico, então, é dúplice – o Logos, a Segunda Pessoa da Trindade, descendo na matéria, e o Amor, ou segundo aspecto do Espírito Divino em desenvolvimento no homem. UM representa os processos cósmicos acontecidos no passado e é a raiz do Mito Solar; o outro representa um processo ocorrido no indivíduo, o estágio conclusivo de sua evolução humana, e acrescentava muitos detalhes ao Mito. Ambos contribuíram para a história do Evangelho, e juntos formam a Imagem do “Cristo Místico”.
Consideremos primeiro o Cristo cósmico, a Deidade envolta na matéria, a encarnação do Logos, o revestimento de Deus “na carne”.
Quando a matéria que vai formar nosso sistema solar é separada do infinito oceano de matéria que preenche o espaço, a Terceira Pessoa da Trindade – o Espírito Santo – derrama Sua vida nesta matéria para vivificá-la, para que logo possa assumir uma forma. Então ela é reunida, e lhe é dada uma forma pela vida do Logos, a Segunda Pessoa da Trindade, que Se sacrifica assumindo as limitações da matéria, se tornando o “Homem celeste”, em cujo Corpo existem todas as formas, de cujo corpo todas as formas fazem parte. Esta era a história cósmica, apresentada dramaticamente nos Mistérios – os verdadeiros Mistérios que ocorriam no espaço, no plano físico eram representados por meios mágicos ou de outro modo, e em parte por atores.
Estes processos são muito nitidamente apresentados na Bíblia, quando o “Espírito de Deus se movia sobre a face das águas” na treva que “estava sobre a face do abismo” (Gênesis, I, 2-3), o grande abismo da matéria não tinha forma, era vazio, incipiente. A forma foi dada pelo Logos, o Verbo, de quem é escrito que "Todas as coisas foram feitas por Ele; e sem Ele nada do que existe foi feito” (João, I, 3). C.W.Leadbeater colocou bem: “O resultado desta primeira grande efusão (o ‘movimento’ do Espírito) é estimular aquela maravilhosa e gloriosa vitalidade que existe em toda a matéria (embora possa aos nossos olhos físicos parecer inerte), de modo que os átomos dos vários planos desenvolvem, quando eletrizados por ela, todos os tipos de atrações e repulsões previamente latentes, e entram em combinações de todos os tipos” (The Christian Creed, p. 29. Este é um livro valiosíssimo e extremamente fascinante, sobre o significado místico dos credos).
Somente quando esta obra do Espírito foi feita é que o Logos, o Cristo Místico, pode assumir a roupagem de matéria, entrando verdadeiramente no ventre da Virgem, o ventre da Matéria ainda virgem, improdutiva. Esta matéria havia sido vivificada pelo Espírito Santo, que, iluminando [overshadowing, no original – NT] a Virgem, derramou nela Sua vida, preparando-a assim para receber a vida do Segundo Logos, que tomou esta matéria como veículo para Suas energias. Isto foi a encarnação do Cristo, o revestir-se de carne – “Tu não rejeitaste o ventre da Virgem”.
Nas traduções latinas e em outras línguas do texto original grego do Credo de Nicéia, a frase que descreve esta etapa da descida alterou as preposições e deste modo mudou o seu sentido. No original consta “e encarnou do Espírito Santo e a Virgem Maria”, enquanto que a tradução reza: “e encarnou pelo Espírito Santo da Virgem Maria” (The Christian Creed, p. 42). O Cristo “não toma forma da matéria ‘Virgem’ apenas, mas de matéria que já está imbuída e pulsante da vida do Terceiro Logos (um nome do Espírito Santo), de modo que ambos vida e matéria O rodeiam como uma vestimenta” (Ibid., p. 43).
Esta é a descida do Logos na matéria, descrita como o nascimento de Cristo a partir de uma Virgem, e isto, no Mito Solar, se torna o nascimento do Deus Sol quando o signo da Virgem se eleva.
Então sucedem os primeiros trabalhos do Logos na matéria, adequadamente tipificados no mito pela infância [do Herói – NT]. Diante da fragilidade da infância os Seus próprios poderes se curvam, atuando apenas levemente nas tenras formas que animam. A matéria aprisiona, parece como que quisera matar seu Rei infante, cuja glória é velada pelas limitações que Ele aceitou.
Lentamente Ele a modela para altos fins, e chega à maturidade, e então Ele se estende sobre a cruz de matéria para que possa derramar a partir desta cruz todos os poderes de Sua vida doada. Este é o Logos de quem Platão disse estar como que figurado numa cruz sobre o universo; este é o Homem Celeste, pairando no espaço, com os braços estendidos a abençoar; este é o Cristo crucificado, cuja morte na cruz da matéria enche toda a matéria com Sua vida.
Ele parece morto e é enterrado longe da vista de todos, mas se ergue novamente vestido da mesma matéria na qual pareceu morrer, e leva Seu corpo de matéria agora radiante para o céu, onde recebe o derramar da vida do Pai, e se torna o veículo da vida imortal do homem. Pois é a vida do Logos que forma a túnica da Alma no homem, e Ele a doa para que os homens possam viver através das eras e crescer até a medida de Sua própria estatura. Em verdade estamos revestidos d’Ele, primeiro materialmente e depois espiritualmente. Ele Se sacrifica para levar muitos filhos para a glória, e Ele está sempre conosco, e estará até a consumação dos tempos.
A crucificação de Cristo, então, é parte do grande sacrifício cósmico, a representação alegórica disto nos Mistérios físicos, e o símbolo sagrado do homem crucificado no espaço, se materializaram numa morte real pela crucificação, e numa cruz sustentando a forma de um homem morto; então esta história, mas a história de um homem, foi associada ao Instrutor Divino, Jesus, e se tornou a história de Sua morte física, enquanto que o nascimento de uma Virgem, os perigos que o rodeavam na infância, a ressurreição e a ascensão, se tornaram incidentes de Sua vida humana. Os Mistérios desapareceram, mas suas grandiosas e épicas representações da obra cósmica do Logos rodearam e dignificaram a amada figura do Mestre da Judéia, e o Cristo cósmico dos Mistérios, mais os contornos da história de Jesus, se tornaram assim a Imagem central da Igreja Cristã.
Mas mesmo isso não é tudo, p último toque de fascínio é acrescentado à história de Cristo pelo fato de que existe um outro Cristo dos Mistérios, próximo e caro ao coração humano – o Cristo do Espírito Humano, o Cristo que existe em todos nós, nasce e vive, é crucificado, sobe dos mortos e ascende aos céus, em todo sofredor e triunfante “Filho do Homem”.
A história de vida de todo Iniciado na verdade, nos Mistérios celestes, é contada em seus contornos principais na biografia Evangélica. Por esta razão, São Paulo fala, como vimos, do nascimento do Cristo no discípulo, e de Sua evolução e depois a chegada à plena estatura nele. Todo homem é um Cristo potencial, e o desdobramento da vida Crística em um homem segue o perfil da história Evangélica em seus incidentes principais, que já vimos serem universais, e não particulares.
Há cinco grandes Iniciações na vida de um Cristo, cada uma marcando uma etapa no desdobramento da Vida do Amor. Eles são dadas aqui, em sua forma ancestral, e a última assinala o triunfo final do Homem que evoluiu até a Divindade, que transcendeu a humanidade, e se tornou um Salvador do mundo.
Tracemos esta história de vida, sempre renovada na experiência espiritual, e vejamos o Iniciado vivendo a vida do Cristo.
Na primeira grande Iniciação o Cristo nasce no discípulo; é então que ele percebe, pela primeira vez, a efusão do Amor divino em si mesmo, e experimenta aquela maravilhosa mudança que o faz sentir ser uno com tudo o que vive. Este é o “Segundo Nascimento”, e neste nascimento os seres celestiais se rejubilam, pois ele nasce “no reino dos céus”, como um dos “pequenos”, como “uma criancinha” – estes nomes sempre são dados aos novos Iniciados. Este é o significado das palavras de Jesus, que um homem se torne uma criancinha para entra no Reino (Mateus, XVIII, 3). É dito significativamente em algum dos primeiros escritores Cristãos que Jesus nasceu “numa gruta” – o “estábulo” da narrativa Evangélica; a “Gruta da Iniciação” é uma antiga frase bem conhecida, e o Iniciado sempre nasce ali; sobre aquela gruta” onde jaz a criança”, brilha a “Estrela da Iniciação”, a Estrela sempre refulge no Oriente quando um Cristo Infante nasce. Toda criança assim é rodeada de perigos e ameaças, estranhos perigos que não ameaçam outros bebês, pois ele é ungido com o carisma do segundo nascimento e os Poderes das Trevas do mundo invisível sempre procuram impedir. A despeito de todas as provações, contudo, ele cresce até a maturidade, pois uma vez nascido, o Cristo jamais pode morrer, uma vez iniciado seu desenvolvimento, o Cristo jamais cai em sua evolução; sua formosa vida se expande e cresce, sempre crescendo em sabedoria e em natureza espiritual, até que chega ao tempo da segunda grande Iniciação, o Batismo do cristo pela Água do Espírito, que lhes dão os poderes necessários para a Maestria, para aquele que deve ir e trabalhar no mundo como “o Filho bem-amado”.
Então desce sobre ele com largueza o Espírito divino, e a glória do Pai invisível derrama sua pura radiância nele; mas desta cena da unção ele é levado pelo Espírito para os ermos e mais uma vez é exposto ao ordálio de poderosas tentações. Pois agora os poderes do Espírito estão se desdobrando nele, e os Tenebrosos tentam desviá-lo de seu caminho através destes mesmos poderes, dizendo-lhe que os use para seu próprio socorro em vez de fiar-se em seu Pai com paciente confiança. Em seguida sucedem transições súbitas que testam sua força e fé, o sussurro do Tentador encarnado segue a voz do Pai, e as areias escaldantes do deserto queimam os pés anteriormente lavados nas frescas águas do rio santo. Vencedor destas tentações, ele passa para o mundo dos homens para usar em seu auxílio os poderes que ele não usaria para suas próprias necessidades, e aquele que não transformaria uma pedra em pão para aplacar sua própria fome alimenta, com poucos pães, “cinco mil homens, além de mulheres e crianças”.
Nesta vida de serviço constante chega um outro período de glória, quando ele ascende “em uma alta montanha afastada” – a sagrada Montanha da Iniciação.
Lá ele é transfigurado e encontra alguns de seus grandes Predecessores, os Poderosos de antigamente que andaram onde ele está andando. Ele passa então para a terceira grande Iniciação, e então a sombra de sua Paixão, que se aproxima, se abate sobre ele, e ele intimorato dirige-se para Jerusalém – repelindo as vozes tentadoras de seus discípulos – Jerusalém, onde o espera o batismo do Espírito Santo e do Fogo. Após o Nascimento, o ataque de Herodes; depois do Batismo, a tentação no deserto; depois da Transfiguração, a preparação da última etapa do Caminho da Cruz. Assim, o triunfo é sempre seguido pelo ordálio, até que a meta seja atingida.
A vida do amor ainda cresce, sempre mais plena e mais perfeita, resplandecendo o Filho do Homem cada vez mais claramente como Filho de Deus, até que se aproxima o tempo da batalha final, e a quarta grande Iniciação o conduz em triunfo para dentro de Jerusalém, à vista do Getsêmani e do Calvário. Agora ele é o Cristo pronto para ser imolado, pronto para o sacrifício na cruz. Agora ele deve enfrentar a mais dura agonia no Jardim, onde até mesmo os seus escolhidos dormem enquanto ele se debate em sua angústia mortal, e por um momento ele ora para que a taça possa se afastar de seus lábios; mas a vontade poderosa triunfa e ele estende sua mão para tomar e beber, e em sua solidão chega-lhe um anjo e o conforta, como costumam fazer os anjos quando vêem um Filho do Homem curvando debaixo do peso da agonia. A bebida da amarga taça da traição, da deserção, da negação, o encontra à medida que ele avança, e sozinho entre seus inimigos escarnecendo ele se adianta para sua última e terrível provação. Abatido pela dor física, perfurado pelos cruéis espinhos da suspeita, despojado de seus belos trajes de pureza diante dos olhos do mundo, entregue nas mãos dos inimigos, aparentemente abandonado por deus e pelos homens, ele suporta pacientemente tudo o que lhe sucede, ansiando por ajuda em seu último transe. Deixado sozinho para sofrer, crucificado, para morrer para a vida da forma, para desistir de toda a vida que pertence ao mundo inferior, rodeado de inimigos triunfantes que lhe zombam, o derradeiro horror da grande escuridão o envolve, e na escuridão ele enfrenta todas as forças do mal; sua visão interna é fechada, ele sente-se sozinho, completamente sozinho, até que o grande coração, mergulhando no desespero, grita para o Pai que parece tê-lo abandonado, e a alma humana enfrenta, na mais absoluta solidão, a arrasadora agonia da derrota aparente. Porém, reunindo toda a força do “espírito invencível”, a vida inferior é entregue, sua morte é abraçada voluntariamente, o corpo de desejos é abandonado, e o Iniciado “desce ao Inferno”, para que nenhuma região do universo que ele deve ajudar permaneça desconhecida por ele, para que ninguém seja considerado abjeto demais para receber seu amor todo-abrangente. E então, emergindo das trevas, ele vê a luz mais uma vez, sente-se de novo o Filho, inseparável do Pai que é ele próprio, e passa para a vida que não conhece término, radiante na consciência da morte enfrentada e vencida, forte para ajudar ao máximo cada filho do homem, capaz de derramar sua vida em cada alma em luta. Entre seus discípulos ele permanece por perto para ensinar, desvelando-lhes os Mistérios dos mundos espirituais, preparando-os para trilhar a vereda que ele trilhou, até que, terminada a vida terrena, ele ascenda ao Pai, e, na quinta grande Iniciação, se torne Mestre triunfante, um elo entre Deus e o homem.
Esta era a história vivida nos verdadeiros Mistérios de antigamente e de agora, e dramaticamente retratada em símbolos nos Mistérios do plano físico, metade velados, metade descobertos. Este é o Cristo dos Mistérios em Seu aspecto dual, Logos e homem, cósmico e individual. Haverá qualquer surpresa que esta história, vagamente pressentida mesmo quando desconhecida pelo místico, aninhe-se no coração e sirva como inspiração para todo nobre viver? O Cristo do coração humano, em sua maior parte, é Jesus, visto como o místico Cristo humano, lutando, sofrendo, morrendo, finalmente triunfando, o Homem em quem a humanidade é vista crucificada e ressurrecta, cuja vitória é a vitória prometida a cada um que, como Ele, é fiel através da morte e além dela – o Cristo que jamais pode ser esquecido enquanto nascer de novo e de novo na humanidade, enquanto o mundo precisar de Salvadores, e os Salvadores derem a Si mesmos pelos homens.