Da caridade

Enviado por Estante Virtual em dom, 02/12/2012 - 20:55

P: Como os teósofos consideram o dever cristão da caridade?

T: A que caridade você se refere: à caridade mental, ou à caridade prática no plano físico?

 

P: A caridade prática, pois sua idéia sobre a fraternidade universal presume-se que inclua a caridade mental.

T: Refere-se à aplicação prática dos mandamentos de Jesus no Sermão da Montanha?

 

P:  Precisamente.

T: Então, por que chamá-los cristãos? Embora seu Salvador os tenha pregado e praticado, a última coisa em que pensam os cristãos de hoje em dia, é em pô-los em prática durante sua vida.

 

P: Sem dúvida, muitos são os que passam sua vida praticando a caridade!

T: Sim, com as sobras de suas grandes fortunas. Mas mostre-me um cristão, entre os mais filantropos, que esteja decidido a socorrer ao ladrão faminto que roube seu abrigo, ou a apresentar sua face direita ao que o esbofeteou na esquerda, sem conservar jamais ressentimento por isto.

 

P: Não esqueça de que não se deve tomar esses preceitos ao pé da letra. Desde a época de Cristo, mudaram os tempos e as circunstâncias. Além disso, falou em parábolas.

T: Neste caso, por que a Igreja não diz que a doutrina da condenação e do fogo do inferno também deve ser entendida como parábola? Por que alguns pregadores mais populares e afamados insistem no sentido literal dos fogos do inferno e dos tormentos físicos de uma alma "asbestina", e permitem virtualmente que se interpretem essas "parábolas" no sentido que se faz? Se um é "parábola", o outro também é. Se o fogo infernal é uma verdade literal, então, os mandamentos de Cristo no Sermão da Montanha devem ser obedecidos ao pé da letra. E afirmo que muitos que - - como o conde Tolstoi - - não acreditam na divindade de Cristo, o que também sucede a vários teósofos, aplicam literalmente esses nobres e universais preceitos. Muitas pessoas boas o fariam, se não estivessem convencidas de que semelhante proceder de vida as havia de conduzir a um manicômio, efeito do quão cristãs são nossas leis!

 

P: Mas todo mundo sabe que se gastam anualmente muitos milhões na caridade privada e pública.

T: Oh, sim! A metade fica entre as mãos por que passa, antes de chegar nas do pobre; e boa parte do resto em poder dos mendigos profissionais, demasiado folgados para trabalhar, não favorecendo de modo nenhum aos que realmente sofrem ou estão na miséria. Não sabe que o primeiro resultado do grande transbordamento de caridade em benefício do East-End de Londres, foi produzir uma subida de 20% nos aluguéis em Whitechapel?

 

P: E vocês, que fariam?

T: Não agir coletiva e sim individualmente, seguindo o preceito da escola buddhista do Norte. "Jamais ponha alimento na boca de um faminto, servindo-se de mão alheia." "Nunca permita que entre ti e o objeto de tua generosidade se interponha a sombra de teu vizinho (a de uma terceira pessoa)." "Nunca dês tempo ao sol para secar uma lágrima, antes de havê-la enxugado tu." "Não dês jamais, por meio de teus criados, dinheiro ao pobre ou alimento ao sacerdote que pede em tua porta; não fora teu dinheiro a minorar o agradecimento e a converter-se em fel teu alimento."

 

P: Como se pode aplicar isto praticamente?

T: As idéias teosóficas sobre a caridade significam esforço pessoal para os demais; compaixão e bondade pessoais; interesse pessoal no bem-estar e prosperidade dos que sofrem; previsão e ajuda pessoais em suas penas e necessidades. Nós não acreditamos na eficácia do sistema de dar dinheiro por canal alheio: acreditamos aumentar cem vezes o poder do dinheiro e sua eficácia, por nosso contato e simpatia pessoais com os que o necessitam. Cremos no alívio da alma, tanto, ou até mais, que o do estômago; porque o agradecimento faz um bem maior ao homem que o sente, que ao que o fez sentir. Aonde está o agradecimento que seus milhões de libras esterlinas devem ter despertado, ou os bons sentimentos provocados por eles? Acaso no ódio que o pobre de East-End sente pelo rico? No aumento do partido da anarquia e da desordem, ou nessas centenas de moças operárias, vítimas do sistema "do suor", obrigadas a andar pelas ruas para ganhar a subsistência?

Acaso ficam agradecidos as velhas e velhos desamparados, às fábricas que lhes dão trabalho, ou os pobres pelas casas insalubres em que lhes consentem criar novas gerações de seres enfermos, desnutridos e raquíticos, com o único objetivo de encher os bolsos dos Sylocks insaciáveis que possuem casas? Como conseqüência, cada moeda destes "milhões" entregue por gente boa e caridosa, cai como uma desgraça em vez de uma bênção sobre o pobre a quem deveria aliviar. A isto chamamos criar Karma nacional, e terríveis serão seus resultados no dia em que tiver que render contas.

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