Clarividência no Tempo: O Passado

Enviado por Estante Virtual em dom, 22/01/2012 - 03:01

A clarividência no tempo — isto é, o poder de ler o passado e o futuro — é, como todas as outras variedades, possuída por diferentes pessoas em graus muito diferentes, desde o indivíduo que tem ambas as faculdades sob o pleno domínio da sua vontade, até àquele que apenas de vez em quando tem vislumbres ou reflexos involuntários e imperfeitíssimos destas cenas de outros dias. Um indivíduo deste último tipo poderá ter, por exemplo, uma visão de algum acontecimento do passado; mas essa visão está sujeita a uma deformação gravíssima, e, mesmo quando acontecesse ser razoavelmente precisa, é quase certo que seria apenas um quadro isolado, e o vidente seria provavelmente incapaz de o relacionar com acontecimentos anteriores ou posteriores, ou dar uma explicação cabal de qualquer detalhe mais estranho que nela aparecesse. O vidente educado, pelo contrário, poderia seguir o drama, a que essa cena está ligada, para antes ou para depois dela, tanto quanto quisesse, e traçar com igual facilidade as causas que a haviam produzido ou os resultados que dela adviriam. 

Talvez com mais facilidade compreendamos esta nada fácil seção do nosso assunto se a examinarmos segundo as subdivisões que naturalmente nos ocorrem, tratando primeiro da visão que olha, retrospectivamente, para o passado, e deixando para depois aquela que trespassa o véu do futuro. Em qualquer dos casos será bom que tentemos compreender, tanto quanto possível, o modus operandi, ainda que apenas imperfeitamente o consigamos fazer, devido, em primeiro lugar, ao caráter incompleto da informação sobre alguns pontos do assunto que os nossos investigadores por enquanto possuem, e, depois, à constante incompetência das palavras do mundo físico para exprimir um centésimo que seja do pouco que realmente sabemos a respeito dos planos e das faculdades superiores. 

Tratando, pois, do caso de uma visão detalhada do passado longínquo, como é que ela se obtém, e a que plano da natureza é que verdadeiramente pertence'!1 A resposta a ambas as perguntas cifra-se em se dizer que se trata apenas de ler os registros akáshicos, mas esta afirmação, por sua vez, carecerá, para muitos leitores, de ser nitidamente explicada. O termo é, na verdade, até certo ponto impróprio, porque, ainda que os registros sejam sem dúvida lidos no akasha, ou matéria do plano mental, não é a ela, em todo o caso, que verdadeiramente pertencem. Pior ainda é o outro titulo "registros da luz astral", que por vezes tem sido empregado, pois que esses registros estão muito além do plano astral, e tudo o que neste se pode obter não passa de fragmentários vislumbres de uma espécie de duplo reflexo deles, conforme adiante se explicará. 

Como tantos outros dos nossos termos teosóficos, a palavra akasha tem sido empregada sem grande justeza. Em alguns dos nossos primeiros livros era tida por sinônimo de luz astral, em outros era usada para significar qualquer espécie de matéria invisível, desde a mülaprakriti até ao éter físico. Nos livros mais recentes a sua aplicação tem sido restringida à matéria do plano mental, e é nesse sentido que se pode dizer dos registros que são akáshicos, porque, conquanto não sejam originalmente feitos nesse plano, como o não são no astral, em todo o caso é ali que primeiro nitidamente os encontramos e podemos com eles trabalhar cabalmente. 

O assunto dos registros não é de modo algum fácil de tratar, porque pertence àquela numerosa classe que exige para a sua perfeita compreensão faculdades muito mais elevadas do que quaisquer que a humanidade por enquanto tenha adquirido. A verdadeira solução do problema está em planos muito além de quaisquer dos que nos é possível conhecer atualmente, e qualquer opinião que formemos do assunto terá de ser forçosamente imperfeitíssima, visto que é de baixo, e não de cima, que olhamos para o caso. A noção que dele formamos terá pois que ser apenas parcial, e contudo escusa de nos induzir em erro, a não ser que nos deixemos considerar esse pequeno fragmento, que é tudo quanto podemos ver, como se fosse o todo completo e perfeito. Se tivermos o cuidado de assegurar que os conceitos que formarmos sejam justos até onde cheguem, nada teremos que desaprender, ainda que muito tenhamos a acrescentar, quando, no decurso do nosso ulterior progresso, atingirmos uma mais perfeita sabedoria. Fique, pois, assente logo desde o princípio que uma idéia completa deste assunto é de todo impossível no nosso atual estádio evolutivo, e que muitos pontos surgirão, dos quais somos por enquanto incapazes de dar uma explicação exata, ainda que muitas vezes seja possível sugerir analogias e indicar a direção em que deve estar a explicação verdadeira. 

Tentemos pois recuar o nosso pensamento até ao princípio deste sistema solar a que pertencemos. Conhecemos toda a vulgar teoria astronômica da sua origem — a hipótese nebular. como é costume chamar-lhe — segundo a qual ele primeiro existiu como uma enorme nebulosa ardente, de um diâmetro excedendo muito a órbita mesmo do mais afastado dos planetas, e como, depois, á medida que, no decurso de séculos sem número. essa enorme esfera pouco a pouco, resfriando, se contraía, o sistema, tal qual o conhecemos, se formou. 

A ciência oculta aceita essa teoria, nas suas linhas gerais, como representando acertadamente o lado puramente físico da evolução do nosso sistema, mas acrescenta que, se limitarmos a nossa atenção apenas a este lado físico, teremos uma idéia muito incompleta e incoerente do que realmente aconteceu. Ela postula, em primeiro lugar, que o Ser elevadíssimo que toma a seu cargo a formação de um sistema (ao qual por vezes chamamos o Logos do sistema) principia por formar no Seu espírito uma idéia completa de todo o sistema com as suas sucessivas cadeias de mundos. Pelo próprio ato de formar essa idéia Ele dá ao conjunto uma existência objetiva simultânea no plano do Seu pensamento — um plano, é claro, inteiramente superior a todos aqueles de que tenhamos qualquer conhecimento — do qual os vários globos descem, quando é preciso, a qualquer estado de maior objetividade que respectivamente se lhes destine. A não ser que tenhamos sempre presente este fato da existência real de todo o sistema, desde o princípio, num plano superior, erraremos repetidas vezes o sentido da evolução física que cá em baixo vemos desenrolar-se. 

Mas o ocultismo tem mais do que isto a dizer-nos sobre o assunto. Diz-nos não só que a este maravilhoso sistema, a que pertencemos, foi dada a existência pelo Logos, tanto nos planos inferiores como nos superiores, mas também que a sua relação para com Ele é mais íntima mesmo do que isso, porque o sistema é absolutamente uma parte dEle — uma expressão parcial dEle no plano físico — e que o movimento e a energia de todo o sistema são a Sua energia, e que tudo acontece dentro dos limites da Sua aura. Esta concepção, por estupenda que seja, não é porém inteiramente improvável àqueles de nós que alguma cousa da aura tiverem estudado. 

Conhecemos bem a idéia de que, à medida que um indivíduo progride no caminho ascensional, o seu corpo causal, que é o limite determinante da sua aura, aumenta nitidamente em tamanho, assim como em luminosidade e pureza de cor. Muitos de nós sabem, pela experiência, que a aura de um aluno que já progrediu bastante no Caminho é muito maior do que a de um indivíduo que apenas tenha pousado o pé sobre o primeiro degrau, e no caso de um Adepto o aumento proporcional é ainda maior. Lemos na escritura oriental, em livros perfeitamente exotéricos, como era imensamente extensa a aura do Buda; parece-me que há um trecho onde se dá três milhas como sendo o seu limite, mas, seja qual for a medida exata, é evidente que aqui temos outro relato do crescimento extremamente rápido do corpo causal à medida que o homem progride no seu caminho ascensional. Pouca dúvida pode haver de que este crescimento se faz por progressão geométrica, de modo que não nos deve surpreender se nos falarem de um Adepto num nível ainda superior, cuja aura seja capaz de incluir ao mesmo tempo todo o mundo; e de aqui podemos pouco a pouco levar o nosso pensamento até conceber que haja um ser tão elevado que dentro de si abranja todo o nosso sistema solar. E não devemos esquecer que este, por enorme que nos pareça, não passa duma gota pequeníssima no vasto oceano do espaço. 

Assim, do Logos (que em Si contém todas as capacidades e qualidades que podemos concebivelmente atribuir ao mais alto Deus que possamos imaginar) é literalmente verdade, como antigamente se disse, que "dEle e por Ele e para Ele são todas as cousas" e "nEle vivemos e nos movemos e temos o ser". 

Ora, se isto é assim, é claro que o que acontece, seja o que for, no nosso sistema acontece absolutamente dentro da consciência do seu Logos, de modo que imediatamente compreendemos que o verdadeiro registro deve ser a Sua memória; e, além disso, é evidente que, seja em que plano for que essa memória exista, o certo é que está muito acima de tudo quanto conhecemos e que, portanto, quaisquer registros que possamos ler não podem passar de um reflexo desse grande fato dominante, espalhados nos meios mais densos dos planos inferiores. 

No plano astral é logo evidente que assim é — que lidamos apenas com o reflexo dum reflexo, aliás extremamente imperfeito, porque os registros ali atingíveis estão excessivamente fragmentados e por vezes, mesmo, seriamente deformados. Sabemos quão universalmente a água é empregada como símbolo da luz astral, e neste caso o símbolo é notavelmente justo. Na superfície de água imóvel podemos ver, exatamente como num espelho, uma imagem nítida dos objetos em Sua volta; mas não passa de uma imagem — uma representação em duas dimensões de objetos tridimensionais, divergindo portanto em todas as suas qualidades, exceto na cor, daquilo que representa; e, além disto, a imagem é sempre invertida. 

Perturbe porém o vento a superfície da água, e o que é que teremos? Uma imagem ainda, um reflexo, mas tão quebrado e deformado que de nada serve, ou, mesmo, só serve para nos enganar com respeito ao feitio e verdadeiro aspecto dos objetos refletidos. Aqui e ali, um momento, pode acontecer que obtenhamos uma imagem verdadeira de qualquer pequeno detalhe da cena — de uma folha de árvore, por exemplo; mas seria preciso um longo trabalho e um conhecimento considerável das leis naturais para obter qualquer cousa como a verdadeira noção do objeto refletido, juntando mesmo um grande número de tais fragmentos isolados duma imagem sua. 

Ora no plano astral nunca poderemos ter cousa que se assemelhe ao que representamos por uma superfície tranqüila, mas pelo contrário, trata-se sempre de uma superfície em movimento rápido e perturbador; calcule-se, pois, o pouco que podemos confiar em .obter um reflexo claro e definido. Assim um clarividente que possui apenas a faculdade de vista astral nunca poderá confiar em que qualquer quadro do passado, que ante ele se erga, seja justo e certo; bocados dele, aqui e ali, podê-lo-ão ser, mas ele não tem meio de saber quais são esses bocados. Se está ao cuidado de um professor competente, pode, mediante uma instrução longa e cuidadosa, aprender a distinguir entre as impressões que são certas e as outras, e a construir com os reflexos incompletos uma espécie qualquer de imagem do objeto refletido; mas, em geral, antes que tenha superado estas mental, que torna dificuldades, terá já desenvolvido a visão desnecessários tais esforços. 

No plano seguinte, que é o mental, as condições são muito diferentes. Ali o registro é completo e certo, e o impossível seria errar a sua leitura. Isto é, se três clarividentes possuindo os poderes relativos ao plano mental decidissem todos examinar certo registro ali feito, o que se lhes mostraria seria exatamente a mesma cousa no caso de qualquer dos três, e cada um deles tiraria dessa leitura uma mesma, e exata, impressão. Mas não segue que, quando depois no plano físico comparassem as suas notas, os seus relatórios coincidissem perfeitamente. É bem sabido que, se três indivíduos, que testemunharam um acontecimento cá no plano físico, passarem depois a descrevê-lo, os seus relatos divergirão sensivelmente uns dos outros, porque cada indivíduo terá notado especialmente aqueles detalhes que mais o interessam e insensivelmente os terá tornado os traços capitais do acontecimento, deixando por vezes outros pontos que foram na verdade de muito maior importância. 

Ora no caso de uma observação sobre o plano mental esta equação pessoal pouco ou nada afetaria as impressões recebidas, porque, visto que cada indivíduo abrange por completo todo o assunto, ser-lhe-ia impossível ver fora de proporção as partes de que esse assunto é composto; mas, a não ser no caso de indivíduos cuidadosamente educados e experientes, este fator já entraria em jogo quando se tratasse da transferência das impressões para os planos inferiores. Pela natureza das cousas, é impossível que qualquer relato dado neste mundo a respeito de uma experiência ou visão do mundo mental possa ser completo, porque nove décimos de quanto se vê e sente ali não poderia de modo algum ser expresso em palavras físicas; e, visto que a expressão tem forçosamente de ser parcial, é claro que há uma possibilidade de escolha no que respeite â parte expressa. É por esta razão que em todas as nossas mais recentes investigações teosóficas tanto se tem insistido sobre a necessidade de constantemente controlar e verificar os testemunhos de clarividentes; tanto assim, que nada, que se baseie no testemunho de apenas uma pessoa, tem sido incluído nos nossos últimos livros. 

Mas, mesmo quando as possibilidades de erro, provenientes deste fator da equação pessoal, tenham sido reduzidas ao mínimo por um sistema de cuidadoso controle e verificação, permanece ainda a gravíssima dificuldade inerente à operação de trazer impressões de um plano superior para um plano inferior. É ela um pouco do mesmo gênero que a dificuldade do pintor para reproduzir uma paisagem tridimensional numa superfície plana — isto é, na verdade, em duas dimensões. Assim como ao artista é precisa uma longa e cuidadosa educação visual e manual antes que lhe seja possível dar uma interpretação satisfatória da natureza, assim ao clarividente é precisa uma longa e cuidadosa educação antes que possa descrever num plano inferior o que num plano superior se passa; e as probabilidades que há a favor de obtermos uma descrição exata feita por um indivíduo sem instrução clarividente equivalem pouco mais ou menos àquelas que há de obtermos uma perfeita representação pictural duma paisagem feita por um indivíduo que nunca aprendeu desenho. 

Devemos também não esquecer que o quadro mais perfeito está na realidade infinitamente longe de ser uma reprodução da cena que representa, porque não há nele linha ou ângulo que possa na verdade ser como o é no objeto copiado. É simplesmente uma tentativa engenhosíssima de produzir sobre apenas um dos nossos cinco sentidos, por meio de linhas e cores numa superfície plana, uma impressão semelhante àquela que teríamos tido se houvéssemos tido diante de nós a cena representada. Exceto por meio duma sugestão inteiramente dependente da nossa experiência anterior, nada nos

Devemos também não esquecer que o quadro mais perfeito está na realidade infinitamente longe de ser uma reprodução da cena que representa, porque não há nele linha ou ângulo que possa na verdade ser como o é no objeto copiado. É simplesmente uma tentativa engenhosíssima de produzir sobre apenas um dos nossos cinco sentidos, por meio de linhas e cores numa superfície plana, uma impressão semelhante àquela que teríamos tido se houvéssemos tido diante de nós a cena representada. Exceto por meio duma sugestão inteiramente dependente da nossa experiência anterior, nada nos pode o quadro dar do rugido do oceano, do perfume das flores, do sabor dos frutos, ou da dureza ou moleza da superfície desenhada. 

De natureza precisamente idêntica, se bem que em grau ainda maior, são as dificuldades que um clarividente sente ao tentar descrever no plano físico o que viu no plano astral; e elas são ainda acrescidas pelo fato que, em vez de ter de evocar no espírito dos seus ouvintes concepções que eles já muito bem conhecem, como faz o pintor quando desenha homens ou animais, campos ou árvores, o clarividente tem de tentar, com os meios imperfeitíssimos de que para isso dispõe, sugerir-lhes concepções que, na sua grande maioria, eles por completo desconhecem. 

Pouco admira pois que, por brilhantes e vívidas que as suas descrições pareçam ao seu auditório, ele próprio constantemente sinta que elas são inteiramente insuficientes, e que os seus maiores esforços não conseguiram dar idéia nenhuma do que realmente vê. Nem nos devemos esquecer que, no caso do relato feito neste mundo de um registro lido no plano mental, essa difícil operação da transferência do superior para o inferior tem lugar, não uma vez, mas duas, visto que a memória teve de atravessar o plano astral intermédio. Mesmo num caso em que o investigador tenha a vantagem de ter a tal ponto desenvolvido as suas faculdades mentais que as possa usar quando desperto no seu corpo físico, mesmo assim ainda o estorva a absoluta incapacidade da linguagem física para exprimir aquilo que ele vê. 

Tentai um momento compreender bem aquilo a que se chama a quarta dimensão, da qual já alguma cousa dissemos num capítulo anterior. Não custa nada a visionar as nossas três dimensões — representar no nosso espírito o comprimento, a largura e a altura de qualquer corpo; e vemos que cada uma destas dimensões é representada por uma linha perpendicular às duas outras. A noção da quarta dimensão é a de ser possível arranjar uma quarta linha que seja perpendicular às outras três já existentes. Ora o espírito vulgar de modo algum pode abranger este conceito, ainda que os poucos indivíduos que tenham feito um estudo especial do assunto pouco a pouco tenham vindo a poder compreender uma ou duas das mais simples figuras quadridimensionais. 

Ainda assim, não há palavras que eles possam usar no plano físico que consigam pôr qualquer representação destas figuras diante dos olhos dos outros, e se qualquer leitor, que se não tenha especialmente educado nessa direção, tentar visualizar uma figura dessas, verá que lhe é inteiramente impossível fazê-lo. Ora exprimir uma forma dessas claramente em palavras físicas importaria, com efeito, descrever com justeza um objeto existente no plano astral; mas, se examinarmos os registros no plano mental; ver-nos-emos a braços com a dificuldade maior de uma quinta dimensão! De sorte que a impossibilidade de explicar completamente esses registros ficará patente mesmo à observação mais superficial. 

Referimo-nos já aos registros como sendo a memória do Logos, mas eles são muito mais do que uma memória, no sentido vulgar da palavra. Por impossível que seja imaginar como essas imagens são do ponto de vista dEle, sabemos, porém, que, à medida que formos subindo, mais e mais nos estaremos aproximando da verdadeira memória — mais e mais perto estaremos do modo como Ele vê; de modo que têm um grande interesse as experiências do clarividente, com respeito a estes registros, quando ele atingiu já o plano búdico — o mais alto que a sua consciência pode alcançar, mesmo quando longe do seu corpo físico, até que ele atinja o nível dos Arhats. 

Aqui já o tempo e o espaço o não limitam; já não precisa, como no plano mental, de passar revista a uma série de acontecimentos, porque o passado, o presente e o futuro lhe estão todos simultaneamente presentes, por absurda que pareça a frase neste mundo. Na verdade, por infinitamente abaixo do Logos que esteja mesmo esse plano elevadíssimo, é contudo absolutamente evidente pelo que ali vemos que para Ele o registro deve ser muito mais do que aquilo a que chamamos uma memória, porque tudo 54quanto aconteceu no passado, e tudo quanto acontecerá no futuro se está passando agora ante os Seus olhos exatamente como os acontecimentos daquilo a que chamamos o presente. Inteiramente incrível, loucamente incompreensível, é claro, para o nosso entendimento limitado; mas nem por isso menos verdadeiro. 

É claro que, no nosso atua! estado de conhecimento, não podemos esperar compreender como é que se produz um tão maravilhoso resultado, e tentar explicá-lo implicaria apenas envolver-nos numa névoa de palavras que nenhuma informação nos dariam. Ocorre-me, porém, uma ordem de pensamentos que talvez torne possível esboçar o sentido dessa explicação: e tudo quanto nos ajude a compreender que tão estranha afirmação pode, apesar de tudo, não ser de todo absurda, deve ao menos servir para alargar os nossos espíritos. 

Lembro-me ter lido, há uns trinta anos, um livrinho curiosíssimo intitulado, creio, As Estrelas e a Terra, cujo fim era demonstrar como era cientificamente possível que aos olhos de Deus o passado e o presente pudessem ser absolutamente simultâneos. Os argumentos empregados pareceram-me ao tempo muito engenhosos, e vou portanto resumi-los, visto que me parecem bastante sugestivos em relação ao assunto que tratamos. 

Quando vemos qualquer cousa, quer seja o livro que temos na mão ou uma estrela a milhões de milhas de distância, fazemo-lo por uma vibração no éter, a que vulgarmente se chama um raio de luz, que passa do objeto visto para os nossos olhos. Ora a velocidade desta vibração é tão grande — umas 186.000 milhas por segundo — que, ao tratar de qualquer objeto no nosso mundo, a podemos ter por instantânea. Quando, porém, passamos a tratar de distâncias interplanetares, temos de levar em conta a velocidade da luz, porque já ao atravessar esses grandes espaços ela leva um tempo apreciável. Por exemplo: a luz leva oito minutos e um quarto a chegar-nos do Sol, de modo que, quando olhamos para o orbe solar, vemo-lo por meio de um raio de luz que o abandonou há mais de oito minutos. 

De aqui segue um resultado muito curioso. O raio de luz pelo qual vemos o Sol só nos pode, evidentemente, contar o que se passava no Sol quando ele, raio de luz, começou a sua viagem, e em nada seria afetado por qualquer cousa que ali acontecesse depois de ele ter de lá partido; de modo que realmente vemos o Sol, não como ele é agora, mas como era há oito minutos. Quer dizer, se qualquer cousa de importante acontecesse no Sol — a formação de uma nova mancha, por exemplo — um astrônomo que na ocasião estivesse observando esse orbe pelo telescópio nada saberia do incidente quando ele se estivesse dando, visto que o raio de luz que lhe traria as notícias dele só oito minutos mais tarde lhe chegaria. 

A diferença é muito mais impressionante quando consideramos as estrelas fixas, porque nesse caso as distâncias são enormemente maiores. A estrela polar, por exemplo, está tão longe que a luz, viajando com a inconcebível velocidade já indicada, leva um pouco mais de cinqüenta anos a chegar aos nossos olhos; e de aí segue a conclusão estranha mais inevitável que estamos agora vendo a estrela polar, não como ela é agora, mas como ela era há cinqüenta anos. Mesmo que amanhã uma catástrofe qualquer fizesse em pedaços a estrela polar, nós ainda a veríamos brilhando tranqüilamente nos céus; os nossos filhos chegariam ao princípio da velhice, e teriam já filhos crescidos, antes que houvesse chegado a qualquer vista terrestre a notícia dessa catástrofe tremenda. Da mesma maneira, há estrelas tão afastadas que a luz leva milhares de anos a chegar de elas até nós, e com respeito à condição delas a nossa informação sofre portanto um atraso de uns milhares de anos.

Levemos mais longe o argumento. Suponha-se que podíamos colocar um indivíduo, à distância de 186.000 milhas da terra, dando-lhe ao mesmo tempo a maravilhosa faculdade de ver de essa distância tão nitidamente o que aqui estava acontecendo como se estivesse ao pé de nós. É claro que o indivíduo ali colocado veria todas as cousas terrestres um segundo depois de elas se passarem, e no momento atual estaria vendo o que se passou há um segundo. Dobre-se a distância, e o indivíduo estaria dois segundos em atraso, e assim proporcionalmente; leve-se esse indivíduo até à distância do Sol (conservando-lhe sempre o mesmo misterioso poder de visão) e ele, olhando de lá, estaria agora vendo, não o que estais fazendo agora, mas o que estáveis fazendo há oito minutos e um quarto. Transporta-o à estrela polar, e ele terá ante os seus olhos, agora, os acontecimentos de há cinqüenta anos; estará observando as brincadeiras infantis de indivíduos que nessa mesma ocasião já são velhos. Por maravilhoso que isto pareça, é literalmente e cientificamente verdadeiro, e ninguém o pode negar. 

O livrinho, a que me refiro, seguia argumentando, com uma excelente lógica, que Deus, sendo todo-poderoso, deve possuir o assombroso poder de visão que temos estado postulando para o nosso observador; e, mais, que, sendo onipresente, deve estar em todos os pontos onde colocamos o indivíduo, e também em todos os pontos intermédios, não sucessiva, mas simultaneamente. Concedidas estas premissas, segue a inevitável dedução que tudo quanto tenha acontecido desde o princípio do mundo deve estar neste momento acontecendo ante os olhos de Deus — não uma mera memória de tudo isso, mas os verdadeiros acontecimentos todos eles objeto da Sua observação atual. 

Tudo isto é bastante materialista, e no plano da ciência puramente física, e podemos ter portanto a certeza de que não é assim que o Logos age; e contudo é brilhantemente deduzido e absolutamente irrefutável, e, como já disse, não deixa de ser útil, visto dar-nos um vislumbre de possibilidades que podiam não nos ocorrer, se não fosse este argumento. 

Mas, pode perguntar-se, como será possível, entre a confusão enorme dos registros do passado, encontrar qualquer cena, quando a desejarmos ver? O fato é que o clarividente sem instrução não o pode fazer, em geral, sem qualquer ligação especial que o ponha en rapport com o objeto de que se trate. A psicometria é um caso que pode servir de exemplo, e é bem provável que a nossa memória vulgar não seja senão uma outra forma da mesma idéia. Parece haver uma como que ligação ou afinidade magnética entre qualquer partícula de matéria e o registro que contém a sua história — uma afinidade que a torna apta a servir de uma espécie de fio condutor entre esse registro e as faculdades de qualquer indivíduo que o possa ler. 

Por exemplo: uma vez que eu trouxe de Stonehenge um pedacito de pedra, do tamanho de uma cabeça de alfinete, e, tendo-o metido num envelope e entregado a uma psicômetra que nenhuma noção tinha do que aquilo era, ela imediatamente passou a descrever aquela maravilhosa ruína e a paisagem desolada que a cerca, descrevendo depois vividamente cousas que eram evidentemente cenas da sua antiga história; mostrando assim que aquele pequeníssimo fragmento tinha sido o suficiente para a pôr em comunicação com os registros relacionados com o ponto de onde eu o havia tirado. As cenas através de que passamos no decurso da nossa vida parecem agir sobre as células do nosso cérebro do mesmo modo que a história de Stonehenge sobre aquele pedacito de pedra: estabelecem uma ligação com aquelas células, por meio das quais o nosso espírito é posto en rapport com aquela porção especial dos registros, e, assim, "lembramo-nos" do que vimos. 

Mesmo um clarividente educado precisa de uma ligação que o habilite a encontrar o registro de um acontecimento de que não tenha conhecimento.

Se, por exemplo, quiser observar o desembarque de Júlio César nas costas da Inglaterra, há várias maneiras por que pode entrar no assunto. Se por acaso visitou a cena da ocorrência, o mais simples será evocar a imagem do lugar e depois percorrer os seus registros até encontrar o período que deseja. Se não tiver visto o lugar, poderá volver atrás, no tempo, até a data em que se deu o acontecimento e então procurar pela Mancha uma flotilha de galés romanas; ou poderá examinar os registros da vida romana do tempo, onde não terá dificuldade em identificar uma figura tão saliente como a de César, seguindo-o através de todas as campanhas na Gália até o encontrar desembarcando nas costas britânicas. 

Muita gente pergunta qual o aspecto destes registros — se parecem estar longe ou perto, se as figuras neles são pequenas ou grandes, se os quadros se seguem como num panorama ou se fundem como nas vistas dissolventes. Só se pode responder que o seu aspecto varia bastante consoante as condições em que os vemos. Se é no plano astral, o reflexo é em geral um simples quadro, ainda que por vezes as figuras tenham movimento; neste último caso, em vez de um mero instantâneo, deu-se um reflexo mais perfeito e prolongado. 

No plano mental eles têm dois aspectos inteiramente diversos. Quando o visitante desse plano não está especialmente pensando neles, os registros formam simplesmente o fundo para o que esteja acontecendo. Não devemos esquecer que, nestas condições, eles não passam de imagens da atividade incessante de uma grande Consciência num plano muito superior, sendo muito parecidas com a sucessão sem fim de quadros cinematográficos. Não se fundem uns nos outros como quadros dissolventes, nem se seguem uns aos outros, como uma série de quadros; mas a ação das figuras refletidas constantemente decorre, como se estivéssemos olhando para atores num palco distante. 

Mas se o investigador educado dirige a sua atenção sobre qualquer cena especial, ou se deseja evocá-la para que diante dele apareça, dá-se imediatamente uma mudança extraordinária, porque este é o plano do pensamento, e, aí, pensar em qualquer cousa é tê-la imediatamente diante de nós. Por exemplo, se um indivíduo deseja ver o registro do acontecimento que nos serviu de exemplo — o desembarque de César — encontra-se imediatamente, não vendo qualquer quadro, mas presente na costa entre os legionários, com a cena toda desenrolando-se em seu redor, exatamente como se ali tivesse estado, em carne e osso, naquela manhã de outono do ano 55 antes de Cristo. Visto que o que ele vê não passa de um reflexo, os atores não têm, é claro, nenhuma consciência dele, nem pode esforço algum seu mudar, por pouco que seja, o curso da ação deles, salvo apenas que pode dominar a rapidez com que o drama ante seus olhos se desenrola — podendo fazer com que os acontecimentos de um ano lhe passem diante da vista numa hora, ou podendo, a qualquer altura, fazer parar o movimento, para contemplar, durante o tempo que quiser, qualquer cena especial como se fosse um quadro. 

De resto, ele não só observa o que teria visto se ali tivesse estado em carne e osso, mas muito mais. Ouve e compreende tudo quanto essa gente diz, e tem consciência dos seus pensamentos e motivos; e uma das mais interessantes das várias possibilidades que se abrem perante quem aprendeu a ler o registro é o estudo do pensamento de épocas remotas — do pensamento dos homens das cavernas e das habitações lacustres, assim como aquele que dominou nas grandes civilizações da Atlântica, do Egito ou da Caldéia. E fácil de imaginar que esplêndidas possibilidades são as do indivíduo que está de plena posse deste poder. Tem diante de si um campo de investigação histórica do mais alto interesse. Não só pode passar revista, a seu vagar, a toda a história que conhecemos, corrigindo, à medida que a vai vendo, os muitos erros e erradas interpretações que há nos relatos que temos; pode também vaguear à sua vontade por toda a história do mundo desde o seu início, observando o lento desenvolvimento da inteligência humana, a descida dos Senhores da Chama, e o progresso das grandes civilizações que eles fundaram. 

Nem escusa o seu estudo de ficar limitado apenas ao progresso da humanidade; tem diante de si, como num museu, todas as estranhas formas animais e vegetais que havia no mundo quando ainda na infância; pode acompanhar todas as maravilhosas mudanças geológicas que se têm dado e seguir o curso dos grandes cataclismos que várias vezes têm mudado por completo a face da terra. 

Num caso especial é possível ao leitor dos registros uma simpatia ainda maior com o passado. Se, no decurso das suas investigações, tem que observar qualquer cena em que ele próprio tomou parte em qualquer encarnação anterior, pode tratá-la de duas maneiras; pode tratá-la da maneira habitual, como um espectador (ainda que — não o esqueçamos — um espectador cuja compreensão e simpatia são perfeitas), ou pode tornar a identificar-se com aquela, há muito morta, personalidade sua — reentrando temporariamente para essa vida passada tornando absolutamente a sentir os pensamentos e as emoções, os prazeres e as mágoas de um passado préhistórico. Não é possível conceber aventuras mais estranhas e mais vividas do que aquelas por que ele assim poderá passar; mas, através de tudo isso, ele nunca deve perder pé na consciência de sua individualidade — deve conservar o poder de regressar, quando quiser, à sua personalidade presente. 

Muitas vezes se pergunta como é possível a um investigador determinar com justeza a data de qualquer cena do passado que ele desenterre dos registros. A verdade é que é por vezes tediento o trabalho de encontrar uma data exata, mas em geral é sempre possível, se valer a pena gastar nisso tempo e trabalho. Se se trata dos tempos gregos ou romanos, o método mais simples é, em geral, olhar para dentro do espírito da pessoa mais inteligente no quadro e ver que data é que ele supõe ser a dessa cena; ou o investigador poderá vê-lo escrever uma carta ou outro documento, reparando, se for datado, qual é a data que ele lhe põe. Uma vez obtida a data romana ou grega, reduzi-la ao nosso sistema de cronologia é apenas questão dum cálculo. 

Outro método, freqüentemente adotado, consiste em tirar os olhos da cena examinada e pô-los em qualquer cena contemporânea em qualquer cidade grande conhecida como Roma, reparando que rei está reinando, ou quem são os cônsules esse ano; obtidos esses dados, o resto constará dum golpe de vista dado a um bom compêndio de história. Às vezes é possível obter uma data pela consulta de qualquer proclamação pública ou documento legal; de resto, nos períodos de que falamos, é dificuldade fácil de resolver. 

O assunto, porém, já não é tão fácil quando se trate de períodos muito anteriores a estes - de uma cena do antigo Egito, da Caldéia, ou da velha China, ou, para ir mais longe ainda, da própria Atlântida e das suas numerosas colónias. Ainda não será difícil obter uma data pelo processo, já indicado, de olhar para o espírito de qualquer indivíduo educado no tempo, mas não há já maneira de a relacionar com o nosso sistema de datas, visto que o indivíduo estará contando por eras que de todo desconhecemos, ou em relação a reinados de reis cuja história se perde na noite dos tempos. 

Os nossos métodos não estão, porém, esgotados. Devemos não esquecer que é possível ao investigador fazer os registros passar diante de si com a velocidade que deseje — a um ano por minuto, se quiser, ou mesmo muito mais depressa. Ora há um ou dois acontecimentos na história antiga cujas datas já estão nitidamente fixadas - como, por exemplo, o afundamento de Poseidônis no ano 9564 antes da nossa era. Ê portanto evidente que, se, pelo aspecto geral da paisagem, parecer provável que determinada cena vista está a razoável distância de qualquer destes acontecimentos, pode ser relacionada com esse acontecimento pelo processo muito simples de fazer passar rapidamente o registro, contando, à medida que vão passando, os anos que medeiam. 

Ainda assim, se esses anos entrassem pêlos milhares, como por vezes poderia acontecer, este plano resultaria terrivelmente tediento. Nestes casos, temos que recorrer ao método astronômico. Em conseqüência do movimento a que vulgarmente se chama a precessão dos equinócios, ainda que mais propriamente se lhe devesse chamar uma espécie de segunda rotação da Terra, o ângulo entre o Equador e o eclíptico vai gradualmente mas lentamente variando. Assim, depois de grandes intervalos de tempo, vemos que o pólo da Terra não está já apontado para o mesmo ponto na esfera aparente dos céus, ou que, em outras palavras, a nossa estrela; polar não é, como agora, alfa Ursae Minoris, mas qualquer outro corpo celeste; e por esta posição do pólo da Terra, que facilmente se pode averiguar pelo exame do céu noturno no quadro que se esteja vendo, pode sem grande dificuldade encontrar-se uma data aproximada. 

Ao calcular a data de ocorrências que se deram há milhões de anos em raças primitivas, o período da rotação secundária (ou precessão dos equinócios) é freqüentemente usado como unidade, mas é claro que uma exatidão absoluta não é em geral exigida nesses casos, bastando números redondos ao tratar de épocas tão remotas. A leitura exata dos registros, quer das nossas vidas passadas, quer das dos outros, não deve, porém, ser considerada como possível a qualquer pessoa que não tenha uma cuidadosa instrução preliminar. Como já se observou, ainda que se possam obter reflexos ocasionais no plano astral, o poder de usar o sentido mental é preciso para que se consiga uma leitura exata. De resto, para reduzir ao mínimo as possibilidades de erro, esse sentido deve estar inteiramente sob o domínio do investigador quando desperto no corpo físico; e a aquisição dessa faculdade leva anos de trabalho incessante e de rígida autodisciplina. 

Muita gente parece julgar que mal assina o seu requerimento de admissão e passa a pertencer à Sociedade Teosófica, imediatamente passará a poder-se lembrar de três ou quatro das suas encarnações anteriores; há mesmo indivíduos que começam logo a imaginar "recordações" e declaram que na sua última encarnação foram Maria Stuart, Cleópatra ou Júlio César! E claro que pretensões tão extravagantes não conseguem senão trazer descrédito àqueles que disparatadamente as têm; mas infelizmente parte do descrédito tende a cair também, por injusto que isso seja, sobre a Sociedade a que eles pertencem, de modo que um indivíduo que sente fervilhar dentro de si a convicção de que foi Homero ou Shakespeare fará bem em não ir muito depressa, pondo isso bem à prova no plano físico antes de o comunicar ao mundo. 

É absolutamente certo que muita gente tem tido em sonhos vislumbres de cenas de vidas passadas, mas, como é de esperar, esses vislumbres são quase sempre fragmentadíssimos e incertos. Eu próprio tive na juventude uma experiência deste gênero. Havia entre os meus sonhos um que constantemente reaparecia — o sonho de uma casa com um pórtico virado para uma formosa baía, não muito longe de uma colina em cujo cimo se erguia um edifício muito belo. Eu conhecia essa casa perfeitamente, e sabia tão bem a distribuição dos seus quartos e a vista da sua porta como as da minha casa, nesta vida presente. Nesses dias eu nada sabia da reencarnação, de modo que não me pareceu senão uma curiosa coincidência que esse sonho tantas vezes se repetisse; não foi senão algum tempo depois de eu ter entrado para a Sociedade que, quando alguém que sabia me estava mostrando quadros da minha última encarnação, descobri que esse sonho constante era na verdade uma recordação parcial, e que a casa que eu tão bem conhecia era aquela em que eu nascera havia mais de dois mil anos. 

Mas, ainda que haja vários casos conhecidos em que qualquer cena bem lembrada assim atravessou de uma vida para outra, é preciso um grande desenvolvimento de faculdades ocultas antes que um investigador consiga descobrir definidamente uma linha de encarnações, quer suas, quer de um outro indivíduo. Isto será bem claro se nos lembrarmos das condições do problema a resolver. Para seguir uma pessoa de esta vida para a vida anterior, é preciso, antes de mais nada, seguir a sua vida presente, retrogradando, até à sua nascença e depois seguir, em ordem inversa, os vários estádios pêlos quais o Eu desceu à encarnação. 

Isto inevitavelmente nos levará até à condição do Eu nos níveis superiores do plano mental; de modo que é evidente que para realizar eficazmente esta tarefa, o investigador deve poder empregar o sentido correspondente a esse nível elevadíssimo sem deixar de estar desperto no seu corpo físico — em outras palavras, a sua consciência terá de se centralizar no próprio Eu reencarnante, e já não na personalidade inferior. Nesse caso, a memória do Eu uma vez despertada, as suas próprias encarnações passadas estarão ante ele abertas como um livro, e ser-lhe-á possível, se quiser, examinar as condições de um outro Eu nesse nível e segui-lo para trás, através das vidas mental inferior e astral, que até ali o conduziram, até chegar à última morte física do Eu e, assim, à sua vida anterior. 

E esta a única maneira pela qual a cadeia de vidas pode ser seguida com uma certeza absoluta; e podemos por conseguinte imediatamente pôr de lado, como impostores conscientes ou inconscientes, aqueles indivíduos que anunciam que podem encontrar as encarnações passadas de qualquer pessoa, a uns tantos shülings por cabeça. Escusado é dizer que o verdadeiro ocultista não põe anúncios, e nunca, em circunstância alguma, aceita dinheiro em troco de qualquer demonstração dos seus poderes. 

Não há dúvida que o estudioso que quiser adquirir o poder de seguir uma linha de reencarnações o pode fazer apenas aprendendo, com um professor competente, como é que esse trabalho se faz. Há quem tenha asseverado que basta que um indivíduo se sinta bom, "fraternal" e cheio de devoção para que toda a sabedoria das eras imediatamente vá ter com ele; mas um pouco de bom senso não tardará em revelar como essa teoria é absurda. Por boa que uma crença seja, se quiser aprender a tabuada, tem de a estudar; e o caso é precisamente idêntico quando se trata da capacidade de usar as faculdades espirituais. Essas faculdades sem dúvida que se manifestarão à medida que o indivíduo evolucione, mas só por um trabalho constante e um esforço paciente é que ele pode conseguir usá-las com segurança e vantagem. 

Consideremos o caso daqueles que querem auxiliar outros quando no plano astral, durante o sono; é claro que quanto mais conhecimentos aqui possuam, mais valiosos serão os seus serviços nesse plano superior. Por exemplo: o conhecimento de várias línguas ser-lhes-á muito útil, porque, conquanto no plano mental os indivíduos possam comunicar diretamente por transferência de pensamento, sejam quais forem as línguas que falam, no plano astral não é assim, e um pensamento tem de ser formulado em palavras para que se possa compreender. Se, portanto, quiserdes auxiliar um indivíduo nesse plano, tendes que ter qualquer língua, que ambos saibam, pela qual com ele possais comunicar; e por isso quanto mais línguas souberdes, mais úteis sereis. A verdade é que não há espécie nenhuma de conhecimento que não tenha utilidade no trabalho do ocultista.

Seria bom que todos os estudiosos nunca esquecessem que o ocultismo é a apoteose do senso comum, e que qualquer visão que lhes aconteça não é necessariamente uma cena dos registros akáshicos, nem qualquer experiência uma revelação vinda de cima. E muito melhor errar no sentido de um cepticismo equilibrado do que no de uma credulidade excessiva; e é uma regra admirável a de não procurar uma explicação oculta para qualquer cousa, quando para a explicar baste uma causa física simples e evidente. O nosso dever é tentar sempre conservar o nosso equilíbrio de espírito, nunca perder o nosso domínio de nós próprios, tomando sempre uma opinião razoável e cheia de bom senso a propósito de qualquer cousa que nos aconteça; assim seremos melhores teosofistas, ocultistas mais prudentes, e auxiliares mais úteis do que antes havíamos sido. 

Como de costume, encontramos casos de todos os graus deste poder de ler na memória da natureza, desde o do homem instruído que pode, sempre que quiser, consultar sozinho o registro ao do indivíduo que não obtém senão vagos vislumbres casuais, ou que não teve, talvez, senão um só desses vislumbres em toda a vida. Mas mesmo o indivíduo que possua esta faculdade apenas parcial e ocasionalmente, a acha profundamente interessante. O psicometrista, que precisa de um objeto fisicamente relacionado com o passado para o poder tornar a erguer todo em seu torno, e o cristalo-vidente que pode por vezes apontar o seu, menos certo, telescópio astral para qualquer cena do passado, podem ambos encontrar um grande prazer no exercício dos seus dotes respectivos, ainda que nem sempre compreendam bem como esses resultados se produzem, nem tenham sempre domínio sobre eles. 

Em muitos casos das manifestações inferiores destes poderes, vemos que elas são exercidas inconscientemente; há muito cristalovidente que observa cenas do passado sem que as possa distinguir de cenas do presente, e há muita pessoa vagamente "psíquica" que vê quadros vários erguerem-se constantemente ante os seus olhos, sem nunca lhe passar pela cabeça que está, de fato, psicometrizando os vários objetos próximos à medida que acontece tocar-lhes ou passar por eles. 

Uma curiosa variante desta classe de "psíquicos" é o homem que é capaz de psicometrizar só pessoas e não, como é mais vulgar, só objetos. Na maioria dos casos esta faculdade revela-se irregularmente, de modo que um "psíquico" desses, quando apresentado a um estranho, muitas vezes verá, num relâmpago, qualquer cena importante na vida passada desse indivíduo, podendo, porém, outras vezes não receber impressão nenhuma. Mais raramente encontramos indivíduos que têm visões detalhadas da vida passada de toda a gente que encontram. Talvez um dos melhores exemplos desta classe seja o escritor alemão Zschokke, que descreve na sua autobiografia esta estranha faculdade de que se encontrou possuidor. Diz ele: 

"Por vezes me tem acontecido, ao falar a primeira vez com um estranho, e ao escutar silenciosamente a sua conversa, que a sua vida passada, até ao momento presente, com muitas pequenas circunstâncias relacionadas com uma ou outra cena dela, me tem atravessado o espírito como um sonho, mas nitidamente, de modo inteiramente involuntário e sem que eu o desejasse, levando nisso apenas uns minutos. 

"Durante muito tempo tive estas visões passageiras por uma ilusão da minha fantasia — tanto mais que a minha visão de sonho me revelava o vestuário e os movimentos dos atores, o aspecto do quarto, a mobília, e outros detalhes da cena; até que, numa ocasião, estando disposto a brincar, narrei à minha família a história secreta de uma costureira que acabava de sair do quarto onde estávamos. Nunca tinha visto, antes disso, essa criatura. Os ouvintes, porém, admiraram-se, riram e não foi possível persuadi-los de que eu não tinha prévio conhecimento da sua vida anterior, visto que o que eu lhes contara era perfeitamente exato. 

"Eu, por minha parte, não fiquei menos admirado de verificar que a minha visão de sonho correspondia à realidade. Passei então a dar mais atenção ao assunto, e, tantas vezes quanto a correção o permitia, narrava às pessoas, cujas vidas assim o haviam passado diante de mim, a essência da minha visão de sonho, para que elas ma negassem ou confirmassem. Em todos os casos ma confirmaram imediatamente, não sem pasmo, como é de calcular. 

"Certo dia de feira fui à cidade de Waldshut acompanhado por dois jovens, que ainda vivem. Era noite, e nós, cansados do passeio, entramos para uma estalagem, denominada "da Vinha". Ceiamos a uma mesa onde estava muita gente, e aconteceu que entraram de se divertir com as peculiaridades dos suíços, e com a sua credulidade em relação à sua crença no mesmerismo, no sistema fisionômico de Lavater, e cousas análogas. Um dos meus companheiros, cujo orgulho nacional se sentiu ferido por esta troça, pediu-me que respondesse qualquer cousa, sobretudo a um rapaz novo, com ares de importância, que estava sentado em nossa frente, e era dos que mais despejadamente troçavam. 

"Calhou que os acontecimentos da vida desse indivíduo acabavam de me passar pelo espírito. Dirigindo-me a ele, perguntei-lhe se me responderia francamente se eu lhe narrasse os mais secretos incidentes da sua vida, sendo ele, aliás, tão pouco meu conhecido como eu dele. Isso seria, disse-lhe mais, qualquer cousa de mais curioso mesmo que a habilidade fisiognomística de Lavater. Prometeu-me que, se eu dissesse a verdade, ele o declararia francamente. Narrei-lhe então os acontecimentos que a minha visão de sonho me revelara, e toda a assembléia ficou sabendo a história da vida do jovem comerciante, dos seus anos de colégio, das suas pândegas, e, por fim, de um pequeno ato menos honesto praticado por ele sobre o cofre-forte do patrão. Descrevi-lhe o quarto deserto, com as suas paredes brancas, onde, à direita da porta escura tinha estado, em cima da mesa, o pequeno cofre-forte preto, etc. O homem, impressionadíssimo, admitiu a exatidão de cada circunstância — mesmo (o que eu mal esperava) da última." 

E contudo, depois de narrar este incidente, o nosso Zschokke passa a perguntar-se se afinal todo esse maravilhoso poder, que tantas vezes ele tinha mostrado, não poderia ter sido sempre um caso de simples coincidência! 

Poucos casos de indivíduos com esta faculdade de ver o passado se encontram nos livros sobre estes assuntos, e pode por isso supor-se que tal poder é mais raro que o de previsão. Parece-me, porém, que a verdade é que esse poder é, afinal, muito menos reconhecido. Como já disse, pode muito bem acontecer que um indivíduo veja um quadro do passado sem o reconhecer como tal, a não ser que qualquer detalhe o leve a formular essa suspeita — como, por exemplo, uma figura de armadura, ou num qualquer traje antigo. Também uma previsão não seria, ao dar-se, reconhecida como tal; mas a realização do acontecimento previsto trá-la imediatamente à memória, ao mesmo tempo que revela que foi uma previsão. De modo que um caso desses poucas vezes deixará de ser notado. E provável, portanto, que vislumbres ocasionais desses reflexos astrais dos registros akáshicos sejam mais vulgares do que seríamos levados a crer pelas publicações sobre o assunto.

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