Todo estudo frutífero sobre a Existência Divina deve iniciar da afirmação de que ela é Única. Todos os sábios assim a proclamaram; todas as religiões assim a afirmaram; todas as filosofias assim a estabelecem - "Uma, sem outra" (Chhândogyopanishat, VI, II, 17). "Ouve, oh Israel!" gritou Moisés, "O Senhor nosso Deus é Um só" (Deuteronômio, VI, 4). "Para nós só existe um Deus" (I Coríntios, VIII, 6), declara São Paulo. "Não existe outro Deus além de Deus", afirma o fundador do Islã, e faz desta frase o símbolo de sua fé. Uma única Existência ilimitada, conhecida em sua completude apenas por Si mesma [deste ponto em diante a autora faz uso da designação It para Deus, o pronome pessoal neutro do inglês, que não tem correspondente em português, onde só temos Ele ou Ela. Por isso continuamos a usar Ele ou Ela, conforme a frase se construa empregando o masculino Deus ou o feminino Divindade ou Deidade - NT]. Ela é a Treva Eterna, de onde nasce a Luz.
Mas como Deus Manifesto, o Uno aparece como Trino. Uma Trindade de Seres Divinos, Unos como Deus, Três como Poderes manifestos. Isto também sempre foi declarado, e esta verdade é tão vital em sua relação com o homem e sua evolução que ele sempre forma uma parte essencial nos Mistérios Menores.
Entre os Hebreus, em conseqüência de suas tendências antropomorfizantes, a doutrina foi mantida em segredo, mas os Rabbis estudavam e adoravam o Ancião dos Dias, de quem veio a Sabedoria, de quem veio o Entendimento - Kether, Chokmah, Binah, estes três formavam a Suprema Trindade, o raio do Uno fora do tempo. O Livro da Sabedoria de Salomão se refere a este ensinamento, fazendo da Sabedoria um Ser. "De acordo com Maurice, 'O primeiro Sephira, denominado Kether, a Coroa, Kadmon, a Pura Luz, e En Soph, o Infinito, é o Pai onipotente do universo [um erro: En ou Ain Soph não faz parte da Trindade, mas é a Existência Una, manifesta nos Três; tampouco Kadmon, ou Adam Kadmon, é um dos Sephira, mas sim sua totalidade]... O segundo é Chokmah, a quem já provamos suficientemente, tanto com os escritos sacros como com os Rabínicos, ser a Sabedoria criativa. O terceiro é Binah, ou Inteligência celeste, de onde os Egípcios têm seu Cneph, e Platão seu Nous Demiurgos. Ele é o Espírito Santo que... penetra, anima e governa este Universo ilimitado" (Citado em Williamson, The Great Law, pp. 201-202).
A continuidade desta doutrina no ensinamento Cristão é indicada pelo Deão Milman em sua History of Christianity. Ele diz: "Este Ser (a Palavra, o Verbo ou a Sabedoria) era mais ou menos enfaticamente personalizado, de acordo com as noções mais populares ou mais filosóficas, mais materiais ou mais abstratas prevalecentes na época ou povo em questão. Este era a doutrina desde o Ganges, ou mesmo as margens do Rio Amarelo, até o Ilissus; foi o princípio fundamental da religião e filosofia Indianas; foi a base do Zoroastrianismo; era puro Platonismo; foi o Judaísmo Platônico da Escola de Alexandria. Muitas passagens excelentes podem ser retiradas de Filóstrato sobre a impossibilidade de o Ser auto-existente antes de todos possa ser conhecido pelos sentidos humanos; e mesmo na Palestina, sem dúvida, João Batista e o próprio Nosso Senhor não propagaram nenhuma doutrina nova, mas antes o sentimento comum dos mais iluminados, quando declararam 'que nenhum homem jamais viu a Deus'. Em conformidade com este princípio, os Judeus, na interpretação das antigas Escrituras, em vez de uma comunicação direta e sensível com a grande Deidade única, interpuseram um ou mais seres intermediários como canais de comunicação. De acordo com uma tradição acreditada, citada por Santo Estêvão, a lei era dada 'através dos anjos'; de acordo com outra, este ofício era delegado a um único anjo, algumas vezes chamado de Anjo da Lei (Gálatas, III, 19); em outras, de Metatron. Mas o representante mais comum de Deus ante os sentidos e mente humanos era Memra, ou a Palavra Divina; e é notável que o mesmo vocativo seja encontrado nos sistemas Indiano, Persa, Platônico e Alexandrino. Este termo já havia sido aplicado ao Messias pelos Targumistas, os primeiros comentadores Judeus das Escrituras; nem é preciso observar o modo como foi santificado pela sua introdução no esquema Cristão" (H.H.Milman, The History os Christianity, 1867, pp. 10-12).
Como disse o erudito Deão, a idéia da Palavra era universal, e formava parte da idéia de uma Trindade. Entre os Hindus, os filósofos falam do Brahma manifesto como Sat-Chit-Ananda - Existência-Inteligência e Beatitude.
Popularmente, Deus é uma Trindade: Shiva, o Início e o Fim; Vishnu, o Preservador; e Brahmâ, o Criador do Universo. A fé Zoroastriana apresenta uma Trindade semelhante: Ahuramazdao, o Grande Ser, o Primeiro; depois os "gêmeos", a Segunda Pessoa dual - pois a Segunda Pessoa numa Trindade sempre é dual, degradada em nossos dias em uma oposição entre Deus e Diabo - e a Sabedoria Universal, Armaiti. No Budismo do Norte encontramos Amitabhâ, a Luz ilimitada; Avalokiteshvara, a fonte das encarnações, e a Mente Universal, Mandjusri. No Budismo do Sul a idéia de Deus se desvaneceu, mas com significativa tenacidade a triplicidade reaparece como aquilo onde os Budistas procuram seu refúgio - o Buddha, o Dharma (a Doutrina) e o Sangha (a Ordem). Mas mesmo o Buda ás vezes é adorado como uma Trindade; em uma pedra em Buddha Gaya está inscrita uma saudação a Ele como sendo uma encarnação do Um Eterno, e é dito: "Om! Tu és Brahma, Vishnu e Mahesha (Shiva)... Eu Te adoro, Tu que és celebrado com milhares de nomes e sob várias formas, como Buda, o Deus da Misericórdia" (Asiatic Researches, I, 285).
Em religiões extintas é encontrada a mesma idéia de uma Trindade. No Egito ela dominava todo o culto religioso. "Temos uma inscrição hieroglífica no Museu Britânico tão antiga como o reino de Senechus do século VIII aC, mostrando que a doutrina da Trindade na Unidade já formava parte de sua religião" (S.Sharpe, Egyptian Mythology and Egyptian Christology, p. 14). Ela é verdadeira mesmo para uma data mais antiga. Rá, Osíris e Hórus formavam uma Trindade largamente cultuada; Osíris, Ísis e Hórus eram adorados em Abydos; outros nomes foram dados em cidades diferentes, e o triângulo é freqüentemente usado como símbolo do Deus Triuno. A idéia que subjaz a estas Trindades, seja o nome que tiverem, é demonstrada em uma passagem citada de Marutho, na qual um oráculo, censurando o orgulho de Alexandre o Grande, fala: "Primeiro Deus, depois a Palavra, e com Eles o Espírito" (Williamson, The Great Law, p. 196).
Na Caldéia, Anu, Ea e Bel eram a Trindade Suprema, sendo Anu a Origem de tudo, Ea a sabedoria, e Bel o Espírito criativo. Sobre a China, Williamson assinala: "Na antiga China os imperadores costumavam sacrificar cada terceiro ano 'Àquele que é um em três'. Existe um ditado chinês que diz: 'Pois é uma pessoa mas tem três formas'... No elevado sistema conhecido na China como Taoísmo, também figura uma Trindade: "A Razão Eterna produziu o Um, o Um produziu o Dois, o Dois produziu o Três, e o Três produziu todas as coisas', o que, como Le Compte se adianta para dizer, parece mostrar que eles tinham alguma conhecimento da 'Trindade' " (loc. cit., pp. 208-209).
Na doutrina Cristã sobre a Trindade encontramos uma completa concordância com outros credos sobre as funções das três Pessoas Divinas, derivando o termo Pessoa de Persona, máscara, aquilo que encobre algo, a máscara da Existência Única, Sua Auto-revelação sob uma forma. O Pai é a Origem e Fim de tudo; o Filho é dual em Sua natureza, e é o Verbo, ou Sabedoria; o Espírito Santo é a inteligência criativa, aquele que velando sobre o caos de matéria primordial a organiza em materiais dos quais as formas podem ser construídas.
É esta identidade de funções sob tão variados nomes que demonstra que aqui temos não uma mera semelhança externa, mas a expressão de uma verdade interna. Existe alguma coisa da qual esta triplicidade é uma manifestação, alguma coisa que pode ser detectada na natureza e na evolução, e a qual, sendo reconhecida, torna inteligível o crescimento do homem, os estágios de sua vida em evolução. Além disso, descobrimos que na linguagem universal do simbolismo as Pessoas são distinguidas por certos emblemas, e podem ser reconhecidas por eles sob diversas formas e nomes.
Mas existe um outro ponto que deve ser lembrado antes que deixemos as declarações exotéricas sobre a Trindade - que em conexão com todas estas Trindades há uma quarta manifestação fundamental, o Poder de Deus, e isto tem sempre uma forma feminina. No Hinduísmo cada Pessoa na Trindade tem Seu Poder manifesto, o Um e os seis aspectos constituindo o Sete sagrado.
Em muitas das Trindades aparece uma forma feminina, sempre então ligada à Segunda Pessoa, e então temos o sagrado Quaternário.
Vejamos agora a verdade interna.
O Um se torna manifesto como o Primeiro Ser, o Senhor Auto-existente, a Raiz de tudo, o Pai Supremo; a palavra Vontade, ou Poder, parece melhor expressar esta Auto-revelação primária, pois antes que haja uma Vontade de manifestar não pode haver manifestação alguma, e antes que esta Vontade se manifeste o impulso carece de desdobramento posterior. Pode-se dizer do universo que está enraizado na Vontade divina. Então segue-se o segundo aspecto do Um - a Sabedoria; o Poder é guiado pela Sabedoria, e daí é que está escrito que "sem Ela nada do que existe poderia existir" (João, I, 3). A Sabedoria é dual em sua natureza, como logo veremos. Quando os aspectos de Vontade e Sabedoria são desvelados, deve seguir-se um terceiro aspecto para torná-los efetivos - a Inteligência Criativa, a mente divina em Ação. Um profeta Judeu escreve: "Ele fez a Terra por Seu poder, Ele estabeleceu o mundo por Sua Sabedoria, e estendeu os Céus por Seu Entendimento" (Jeremias, II, 15), sendo bem clara a referência às três funções. Estes Três são inseparáveis, indivisíveis, três aspectos do Uno. Suas funções podem ser analisadas em separado, a bem da clareza, mas não podem ser desvinculadas entre si. Cada uma é necessária às outras, e cada uma está presente nas outras. No Primeiro Ser, a Vontade, Poder, é vista como predominante, como característica, mas a Sabedoria e Ação Criativa também estão presentes; no Segundo Ser, a Sabedoria é vista predominar, mas o Poder e a Ação Criativa não obstante lhe são inerentes; no Terceiro Ser, a Ação criativa é vista como predominante, mas o Poder e a Sabedoria também serão vistos. E embora estas palavras Primeiro, Segundo e Terceiro sejam usadas porque os Seres se manifestam no Tempo, a fim de Se autodesdobrarem, mesmo assim na Eternidade elas são vistas como interdependentes e co-iguais, "Nenhuma é maior ou menor que Outra" (Credo de Atanásio).
Esta Trindade é o Eu divino, o Espírito divino, o deus manifesto, Ele que "era, é e será" (Apocalipse, IV, 8), e Ela é a raiz da triplicidade fundamental na vida, na consciência.
Mas vimos que há uma Quarta Pessoa, ou em algumas religiões uma segunda Trindade, feminina, a Mãe. É Aquela que torna a manifestação possível, Aquela que eternamente no Uno é a raiz da limitação e da divisão, e que, quando manifesta, é chamada de Matéria. Ela é o Não-Eu divino, a Matéria divina, a natureza manifesta. Considerada no Uno, Ela é o Quarto, que torna possível a atividade dos Três, como Campo para Suas atuações por virtude de Sua infinita divisibilidade, ao mesmo tempo a "Donzela do Senhor" (Lucas, I, 38) e Sua Mãe, dando de Sua substância para formar Seu Corpo, o universo, quando infusa de Seu poder (Ibid., 35). Considerada cuidadosamente Ela também é vista como uma triplicidade, existindo em três aspectos separados, sem os quais Ela não poderia existir. São eles: Estabilidade (inércia ou resistência), Movimento, e Ritmo; estas são chamadas as qualidades fundamentais da matéria. Só elas tornam efetivo o Espírito, e portanto têm sido consideradas como um reflexo dos Poderes da Trindade. A Estabilidade ou Inércia provê uma base, um fulcro para a alavanca; o Movimento então se torna manifesto, mas só poderia produzir caos; então é imposto o Ritmo, e eis a Matéria em vibração, capaz de ser modelada e conformada. Quando as três qualidades estão em equilíbrio existe a Una, a Matéria Virgem, improdutiva. Quando o Poder do Altíssimo Se Lhe infunde, e o alento do Espírito paira sobre Ela, as qualidades são postas fora do equilíbrio e Ela se torna a divina Mãe dos mundos.
A primeira interação é entre Ela e a Terceira Pessoa da Trindade; por Sua ação Ela se torna capaz de dar nascimento à forma. Então se desvela a Segunda Pessoa, que Se reveste dos materiais assim disponíveis, e se torna o Mediador, unindo em Sua própria Pessoa o Espírito e a Matéria, o Arquétipo de todas as formas. Só através d'Ele a Primeira Pessoa se desvela, como o Pai de todos os Espíritos.
Agora é possível ver o porquê da Segunda Pessoa da Trindade ser sempre dual; Ela é o Uno que Se reveste na Matéria, onde as duas metades da Deidade aparecem juntas, mas não como unidade. Daí que Ela também é Sabedoria, pois a Sabedoria do lado do Espírito é a Razão Pura que se conhece como Um Eu e conhece todas as coisas neste Eu, e do lado da Matéria é o Amor, agregando a infinita diversidade de formas, e fazendo de cada forma uma unidade e não um mero amontoado de partículas - o princípio da atração que mantém os mundos e tudo neles em uma ordem e equilíbrio perfeitos. Esta é a Sabedoria dita como "poderosa e gentilmente ordenando todas as coisas" (Sabedoria, VIII, 1), que sustenta e preserva o universo.
Nos símbolos mundiais, encontrados em todas as religiões, o Ponto – aquilo que só possui posição - tem sido tomado como um símbolo da Primeira pessoa da Trindade. Sobre este símbolo São Clemente de Alexandria assinala que se abstrairmos as propriedades de um corpo, depois sua profundidade, depois sua largura, depois sua altura, "o ponto que restar é uma unidade, por assim dizer, tendo só posição, e se dele abstrairmos sua posição, termos uma concepção de unidade" (Clement of Alexandria, Stromata, livro V, cap. II - A.-N.C.Libr., vol. IV). O Ponto como que se irradia da Escuridão infinita como um Ponto de Luz, o centro de um futuro universo, uma Unidade, onde tudo existe não-separado; a matéria da qual será formado o universo, o campo de Sua obra, é marcado pela vibração para cá e para lá do Ponto em todas as direções, formando uma vasta esfera, limitada pela Sua Vontade, Seu Poder. Esta é a criação "da Terra pelo Seu Poder", mencionada por Jeremias (Vide ante, p.226). Assim o símbolo pleno é o Ponto dentro de uma esfera, representado usualmente como um Ponto dentro de um círculo. A Segunda Pessoa é representada por uma Linha, o diâmetro deste círculo, uma única vibração completa do Ponto, e esta Linha está igualmente em todas as direções dentro da esfera; esta Linha dividindo o círculo em duas metades significa ainda Sua dualidade; aquilo que n'Ele é Espírito e Matéria - uma unidade na Primeira Pessoa - aqui se torna visivelmente um par, embora em estado de união. A Terceira Pessoa é representada por uma Cruz formada por dois diâmetros dentro do círculo em ângulo reto entre si. Esta é a Cruz Grega (vide ante, pp. 177-178).
Quando a Trindade é representada como uma Unidade é usado o Triângulo, seja inscrito em um círculo, seja livre. O universo é simbolizado por dois triângulos entrelaçados, a Trindade do Espírito com seu triângulo apontando para cima, a Trindade da Matéria com sua ponta virada para baixo, e se se empregam cores, o primeiro é branco, amarelo, dourado ou da cor da chama, e o segundo é negro, ou em algum tom escuro.
O processo cósmico agora pode ser acompanhado prontamente. O Um se tornou Dois, e o Dois, Três, e a Trindade se desvela. A Matéria do universo é selecionada e espera a ação do Espírito. Isto se dá "no início" do Gênesis, quando "Deus criou o Céu e a Terra" (Gênesis, I, 1), uma declaração elucidada mais adiante pelas frases repetidas de que Ele "lançou as fundações da Terra" (Jó, XXXVIII, 4; Zacarias, XI, 1; etc). Temos aqui a delimitação do material, mas ainda um mero caos, "sem forma e vazio" (Gênesis, I, 2).
Nisto inicia a ação da Inteligência Criativa, o Espírito Santo, que "se movia sobre a face das águas" (Gênesis, I, 2), o vasto oceano da matéria. Assim esta foi Sua primeira atividade, embora ocorresse através da Terceira Pessoa – um ponto de grande importância.
Nos Mistérios esta atividade era demonstrada em seus detalhes como a preparação da matéria do universo, a formação dos átomos, a reunião deles em agregados, e o agrupamento destes em elementos, e estes ainda em compostos gasosos, líquidos e sólidos. Esta atividade inclui não só o tipo de matéria chamada física, mas também os estados sutis de matéria nos mundos invisíveis. Depois, como "Espírito do Entendimento", Ele concebeu as formas em que a matéria preparada haveria de ser moldada, não construindo as formas, mas, pela ação da Inteligência Criativa, produzindo as idéias delas, seus protótipos celestes, como são muitas vezes chamadas. Esta é a atividade descrita quando se diz que Ele "estendeu os Céus através de Seu Entendimento" (vide ante, p. 226).
A atividade da Segunda Pessoa segue à da Terceira. Por virtude de Sua sabedoria, Ele "estabeleceu o mundo" (Ibid.), construindo todos os globos e todas as coisas sobre eles, "todas as coisas foram feitas por Ele" (João, I, 3).
Ele é a Vida organizadora dos mundos, e todos os seres têm sua raiz n'Ele (Bhagavad-Gita, IX, 4). A vida do Filho assim manifesta na matéria preparada pelo Espírito Santo - novamente o grande "Mito" da encarnação - é a vida que constrói, preserva e mantém todas as formas, pois Ele é o Amor, o poder de atração, que dá coesão às formas, possibilitando-lhes crescer sem desorganizar-se, é o Preservador, o Sustentador, o Salvador. Este é o motivo de tudo dever estar sujeito ao Filho (I Coríntios, XV, 27-28), tudo deve se reunir n'Ele, e o motivo de nenhum homem vir ao Pai senão através d'Ele (João, XIV, 6).
Pois o trabalho da Primeira Pessoa segue o da Segunda, assim como o da Segunda segue o da Terceira. Ele é chamado de "Pai dos Espíritos" (Hebreus, XII, 9), de "Deus dos Espíritos de toda carne" (Números, XVI, 22), e d'Ele é o dom do Espírito divino, do verdadeiro Eu no homem. O Espírito humano é a Vida derramada do Pai num vaso preparado pelo Filho, a partir de materiais vivificados pelo Espírito. E este Espírito no homem, provindo do Pai - de onde veio o Filho e o Espírito Santo - é uma Unidade como Ele mesmo, com os três aspectos em Um, e o homem é verdadeiramente assim feito "à nossa imagem e semelhança" (Gênesis, I, 26), e é capaz de se tornar "perfeito como vosso Pai no céu é prefeito" (Mateus, V, 48).
Este é o processo cósmico, e na evolução humana ele é reprisado: "assim em cima como embaixo".
A Trindade do espírito no homem, sendo à semelhança divina, deve mostrar as características divinas, e assim encontramos nela o Poder, o qual, seja em sua forma superior de Vontade ou em sua forma inferior de Desejo, dá o impulso a esta evolução. Encontramos também nela a Sabedoria, a Razão Pura que tem o Amor como sua expressão no mundo das formas, e enfim a Inteligência, ou Mente, a energia formadora ativa. E no homem também vemos que a manifestação delas em sua evolução é da terceira para a segunda, e da segunda para a primeira. A massa da humanidade esta desenvolvendo a mente, evoluindo a inteligência, e podemos ver sua ação separativa em toda parte, como que isolando os átomos humanos e desenvolvendo cada um diversamente, de modo que eles possam ser materiais adequados para a formação de uma Humanidade divina. A raça só chegou até este ponto, e ainda estamos trabalhando nele.
Quando estudamos uma pequena minoria de nossa raça, vemos que o segundo aspecto do Espírito divino no homem está aparecendo, e falamos dele na Cristandade como sendo o Cristo no homem. Sua evolução está, como já vimos, além da primeira das Grandes Iniciações, e Sabedoria e Amor são as marcas do Iniciado, fulgindo mais e mais à medida em que ele desenvolve este aspecto do Espírito. Aqui também é verdade que "nenhum homem vem ao Pai senão através de Mim", pois somente quando a vida do Filho está chegando à completude ele pode orar: "Agora, oh Pai, glorifica-me Tu com Teu próprio Eu, com a glória que eu tinha conTigo antes que o mundo existisse" (João, XVII, 5).
Então o Filho ascende para o Pai e se torna uno com Ele na glória divina; Ele manifesta a auto-existência, a existência inerente em sua natureza divina, desabrochada de sua semente, pois "assim como o Pai tem vida em Si mesmo, também deu ao Filho ter vida em Si mesmo" (Ibid., V, 26). Ele se torna um Centro de autoconsciência vivente dentro da Vida de Deus, um centro capaz de existir como tal, já não limitado pelas estreitezas de sua vida anterior, expandindo-se até a consciência divina, embora ainda mantendo a identidade de sua vida intacta, um Centro vivo e ígneo dentro da Chama divina.
Nesta evolução agora jaz a possibilidade de encarnações divinas no futuro, assim como sua evolução no passado tornou possíveis encarnações divinas neste nosso próprio mundo. Estes Centros viventes não perdem Sua identidade, nem a memória de Seu passado, nem nada do que tenham experimentado na longa escalada para cima; e um tal Ser Autoconsciente pode vir do Seio do Pai e revelar-Se para o auxílio do mundo. Ele manteve em Si mesmo a união do Espírito e da Matéria, a dualidade da Segunda Pessoa - todas as encarnações divinas em todas as religiões são portanto relacionadas à Segunda Pessoa da Trindade - e deste modo pode rapidamente revestir-Se (de matéria) para manifestação física, e tornar-Se novamente Homem. Ele manteve esta natureza de Mediador, e assim ele é um elo entre as Trindades Celeste e Terrestre; Ele tem sido sempre chamado de "Deus conosco" (Mateus, I, 22).
Um tal Ser, o fruto glorioso de um universo passado, pode vira o mundo presente com toda a perfeição de Sua Sabedoria e Amor Divinos, com toda a memória de Seu passado, capaz em virtude desta memória de ser o perfeito Auxiliar de todos os Seres vivos, conhecendo cada estágio porque Ele o viveu, capaz de ajudar em todos os locais porque já experimentou tudo. "Quem sofreu Ele mesmo a tentação, é capaz de socorrer os que são tentados" (Hebreus, II, 18).
É na humanidade por trás d'Ele que reside esta possibilidade da encarnação divina; Ele desce, tendo antes subido, a fim de ajudar os outros a subir a escadaria. E à medida em que entendemos estas verdades, e algo do significado da Trindade, acima e abaixo, o que antes era só um dogma tosco e obscuro se torna uma verdade viva e vivificante. Só através da existência da Trindade no homem é que se torna inteligível a evolução humana, e vemos agora como o homem evolui a vida do intelecto e depois a vida do Cristo. O misticismo está baseado neste fato e em nossa esperança certa de havemos de conhecer Deus. Os Sábios ensinaram assim, e à medida que trilhamos a senda que eles indicam, podemos verificar que seu testemunho é verdadeiro.