A gênese da bíblia judaica, as tentativas de criação do mundo

Enviado por Estante Virtual em sex, 23/11/2012 - 19:05

Os capítulos introdutórios do Gênese nunca pretenderam apresentar sequer uma remota alegoria da criação de nossa terra. Eles consistem (capítulo I) numa concepção metafísica de algum período indefinido na eternidade, quando tentativas sucessivas estavam sendo feitas pela lei de evolução para a formação de universos. Essa idéia consta com clareza do Zohar: "Houve mundos que pereceram assim que vieram à existência; eram informes e chamavam-se chispas. Assim, o ferreiro, quando amolga o ferro, deixa que as chispas voem em todas as direções. As chispas são os mundos primordiais que não podem continuar, porque o Ancião Sagrado [Sephirah] ainda não assumira a sua forma [de sexos opostos ou andróginos] de rei e rainha [Sephirah e Cadmo] e o Mestre não se tinha ainda posto a trabalho".

Os seis períodos, ou "dias" do Gênese referem-se à mesma crença metafísica. Cinco de tais infrutíferas tentativas foram feitas pelos Elohim, mas a sexta resultou em mundo como o nosso (i.e., todos os planetas e muitas estrelas são mundos, e habitados, embora não como nossa Terra). Tendo formado este mundo por fim no sexto período, os Elohim descansaram no sétimo. Assim, o "Sagrado", quando criou o

presente mundo, disse: "Este me agrada; os anteriores não me agradavam". E os Elohim "viram tudo que ele havia feito, e consideraram que era bom. E a tarde e a manhã foram o sexto dia". - Gênese, I, 31.

O leitor deverá lembrar-se de que no Capítulo IV se explicou o sentido do "dia" e da "noite" de Brahmâ. O primeiro representa um certo período de atividade cósmica; a segunda. um período igual de repouso cósmico. Num, os mundos estão em evolução, e passam pelas quatro idades de existência; noutro, a "inspiração" de Brahmâ reverte a tendência das forças naturais; o visível dispersa-se gradualmente; instala-se o caos; e uma longa noite de repouso revigora o cosmo para o seu termo seguinte de evolução. Na manhã de um desses "dias", os processos formativos atingem gradualmente o seu clímax de atividade; à tarde, os mesmos processos diminuem imperceptivelmente, até que chega o pralaya (período de repouso), e, com ele, a "noite". Uma manhã e uma tarde constituem de fato um dia cósmico; e era num "dia de Brahmâ" que pensava o autor cabalista do Gênese quando dizia: "E a tarde e a manhã foram o primeiro (ou quinto, ou sexto, ou qualquer outro) dia". Seis dias de evolução gradual, um de repouso, e então - a tarde! Desde a primeira aparição do homem sobre a nossa terra, tem sido o tempo um Sabbath eterno de repouso para o Demiurgo.

As especulações cosmogônicas dos primeiros seis capítulos do Gênese se demonstram nas raças dos "filhos de Deus", "gigantes", etc., do capítulo VI. Propriamente falando, a história da formação de nossa Terra, de nossa "criação", como a chamam de forma assaz inadequada, começa com o resgate de Noé das águas do dilúvio. As tábuas caldaico-babilônicas recentemente traduzidas por George Smith não deixam nenhuma dúvida do que passava pela mente daqueles que liam esotericamente as inscrições. Ishtar, a grande deusa, fala na coluna III da destruição do sexto mundo, e do surgimento do sétimo, nos seguintes termos:

"Por seis dias e noites, dominaram o vento, o dilúvio e a tempestade.

“No sétimo dia, a tempestade se acalmou, e cessou o dilúvio,

"que a tudo havia destruído como um terremoto,

"Ele fez o oceano secar-se, e pôs fim ao vento e ao dilúvio. (...)

"Eu percebi a costa no limite do mar. (...)

"Ao país de Nizir veio a nau [argha, a Lua].

"a montanha de Nizir deteve a nau. (...)

"O primeiro dia, e o segundo dia, a montanha de Nizir fez o mesmo. (...)

"O quinto, o sexto, a montanha de Nizir fez o mesmo.

"No curso do sétimo dia

"Enviei uma pomba e ela foi. A pomba foi e voltou, e (...) o corvo foi (...) e não voltou. (...)

"Ergui um altar no topo da montanha.

"cortei sete ervas, e em sua base depus bambus, pinhos e especiarias. (...)

"os deuses acudiram como moscas para o sacrifício.

"Da antigüidade também o grande Deus em seu curso.

"o grande fulgor [o Sol] de Anu criou. Quando a glória desses deuses sobre o amuleto em torno do meu pescoço eu não deixaria (...), etc.

Tudo isso tem uma relação puramente astronômica, mágica e esotérica. Quem quer que leia essas tábuas reconhecerá de pronto o conteúdo bíblico, e julgará, ao mesmo tempo, quando foi desfigurado o grande poema babilônico por personagens eveméricas - degradadas de suas elevadas posições de deuses em simples patriarcas. O espaço nos impede de entrar profundamente nessa caricatura bíblica das alegorias caldaicas. Lembraremos apenas ao leitor que pela confissão das testemunhas mais insuspeitas - como Lenormant, primeiro o inventor e depois o campeão dos acádios - a tríada caldaixo-babilônica colocada sob Ibon, a divindade não revelada, é composta de Anu, Nuab e Bel. Anu é o caos primordial, o deus, simultaneamente, do tempo e do mundo, a matéria incriada do princípio fundamental de todas as coisas. Quando a Nuah, ele é, de acordo com o mesmo orientalista:

"(...) a inteligência, diremos de bom grado o verbum, que anima e fecunda a matéria, que penetra o universo, que o dirige e o faz viver; e Nuah é ao mesmo tempo o rei do princípio úmido; o Espírito que se move sobre as águas".

Não é isto evidente? Nuah é Noé, que flutua sobre as águas, em sua arca, sendo esta o emblema de argha, a Luz, o princípio feminino; Noé é o "espírito" que cai na matéria. Assim que desce à Terra, ele planta uma vinha, bebe do vinho e se embebeda; i. e., o espírito puro fica intoxicado na medida em que é finalmente aprisionado na matéria. O sétimo capítulo do Gênese não passa de outra versão do primeiro. Assim, enquanto este diz: "(...) e as trevas cobriam o abismo. E o espírito de Deus pairava sobre as águas", no sétimo capítulo lê-se : "(...) e as águas subiram (...) e a arca [com Noé - o espírito] flutuava sobre as águas". Assim, Noé, se

[identificado com] o Nuah caldeu, é o espírito que vivifica a matéria, que ademais é o caos representado pelo Abismo ou as Águas do Dilúvio. Na lenda babilônica, é Ishtar (Astoreth, a Luz) que é encerrada na arca e que envia uma pomba (emblema de Vênus e de outras deusas lunares) em busca de terra seca. E enquanto nas tábuas semitias é Xisuthros ou Hasisadra que é "levado à companhia dos deuses por sua piedade", na Bíblia é Enoch que caminha com os deuses e é por eles levado "para sempre".

A existência sucessiva de um incalculável número antes da subseqüente evolução do nosso próprio planeta, constitui uma crença de todos os povos antigos. A punição dos cristãos, por terem despojado os judeus de seus registros e recusado a verdadeira chave para a sua interpretação, teve início nos primeiros séculos. E assim é que encontramos os santos padres da Igreja trabalhando com uma cronologia impossível e com os absurdos da interpretação literal, ao passo que os rabinos eruditos estavam a par do significado real de suas alegorias. Não apenas no Zohar, mas também em muitas outras obras cabalísticas aceitas pelos talmudistas, tal como Midrash Berêhîth Rabbah, ou o Gênese universal, que, com o Merkabah (o carro de Ezequiel), compõem a Cabala, pode-se encontrar a doutrina segundo a qual toda uma série de mundos evolui do caos, e é sucessivamente destruída.

 

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