Um dos muitos males que têm origem nos ensinamentos absolutamente errôneos, com respeito às condições depois da morte, infelizmente corrente no nosso mundo ocidental, é que aqueles que acabam de despir este traje mortal ficam, em geral, extremamente perplexos e, por vezes, muito assustados ao encontrar ali tudo tão diferente de quanto a sua religião os levou a esperar. A atitude mental de um grande número dessa gente foi concisamente expressa há pouco por um general inglês, que, três dias depois da morte, encontrou um do grupo dos auxiliares que o tinha conhecido na vida física. Depois de exprimir a sua satisfação por encontrar enfim alguém com quem pudesse comunicar-se, a sua primeira observação foi: "Mas se eu estou morto, onde é que estou? Se isto é o céu, não me parece grande coisa; e, se é o inferno, é melhor do que eu esperava!"
Mas, infelizmente, um grande número de pessoas recebem tudo isto de um modo bem menos filosófico. Ensinaram-lhes que todos os homens são destinados às chamas eternas exceto uns poucos favorecidos, que são sobre-humanamente bons; e, visto que basta uma pequena auto-análise para eles se persuadirem de que não pertencem a essa categoria, acontece que muitas vezes se encontram num estado de grande terror, temendo a todo o momento que o novo mundo em que se acham se dissolva e os deixe cair nas garras daquele domínio em que tão insidiosamente foram levados a crer. Em muitos casos passam grandes períodos de intenso sofrimento mental antes que se possam libertar da influência fatal dessa doutrina blasfema das penas eternas — antes que consigam compreender que o mundo é regido, não segundo o capricho de um diabo hediondo, que se deita com a angústia humana, mas por uma benéfica e extraordinariamente paciente lei de evolução, que é, na verdade, absolutamente justa, mas que repetidas vezes oferece aos indivíduos oportunidades de progresso, se eles as quiserem aproveitar, em todos os estágios da sua evolução.
Deve, de resto e para fazer justiça, ser mencionado que é só nos povos chamados protestantes que este terrível mal assume as suas maiores proporções. A grande Igreja Católica Romana, com a sua doutrina de purgatório, aproxima-se muito mais de uma certa noção do plano astral, e os seus membros, crentes pelo menos, compreendem que o estado em que se encontram pouco depois da morte é apenas um estado temporário, e que é sua tarefa tentarem erguer-se acima dele o mais depressa possível por uma intensa aspiração espiritual, ao passo que aceitam qualquer sofrimento que lhes surja como sendo necessário para destruir as imperfeições do seu caráter antes que possam subir às regiões mais altas e mais brilhantes.
Por isso se verá que há bastante trabalho para os auxiliares entre os recém-mortos, pois que, na maioria dos casos, estes precisam ser acalmados e animados, confortados e instruídos. No mundo astral, como no físico, há muita gente pouco disposta a receber conselhos daqueles que sabem mais do que eles; mas a própria estranheza das condições que os cercam torna muitos dos mortos desejosos de aceitar a guia daqueles a quem essas condições são conhecidas; e a estada de muitos indivíduos sobre esse plano tem sido bastante encurtada pelos esforços dedicados desse grupo de auxiliares enérgicos.
Entenda-se bem: não é que o carma do morto possa de modo algum ser alterado; durante a vida, ele construiu-se um corpo astral de um certo grau de densidade, e, enquanto esse corpo não estiver suficientemente dissolvido, não poderá ele passar para o mundo celestial que se segue; mas o que é excusado é que ele alongue o período necessário para esse processo pela adoção de uma atitude imprópria.
Todos os estudiosos devem compreender claramente a verdade de que a duração da vida astral de um indivíduo depois que abandonar o seu corpo físico depende sobretudo de dois fatores — a natureza da sua vida física passada e a atitude do seu espírito depois daquilo a que chamamos morte. Durante a sua vida terrena ela está constantemente a influenciar a organização da matéria no seu corpo astral. Afeta-a diretamente pelas paixões, emoções e desejos que deixa que o dominem; afeta-a indiretamente pela açâo que sobre elas têm os seus pensamentos de cima, assim como os detalhes da sua vida quotidiana — a sua continência ou depravação, a sua limpeza de vida, ou o contrário, o que come e o que bebe — aqui embaixo.
Se, pela persistência na perversidade em qualquer destes gêneros, ele tem a estupidez de se fabricar um instrumento astral grosseiro e denso, habituado a responder só às vibrações inferiores desse plano, encontrar-se-á depois da morte ligado a esse plano durante o longo e lento processo da desintegração desse corpo. Se, por outra, uma vida cuidadosa e decente lhe dá um instrumento composto da mais sutil matéria, terá muito menos atrapalhação e desconforto port-mortem, e a sua evolução prosseguirá com muito maior rapidez e facilidade.
Em geral, isto é compreendido, mas o segundo grande fator — a atitude do seu espírito depois da morte — parece muitas vezes não lembrar. O que é essencial é que ele compreenda a sua situação neste pequeno trecho da sua evolução — que saiba que neste estágio se está retirando seguramente para dentro, para o plano do verdadeiro Eu, e que, por conseguinte, é sua tarefa tirar o seu pensamento, quanto possível, das coisas físicas, fixando a sua atenção cada vez mais sobre aquelas coisas espirituais que a ocuparão durante a sua vida no mundo celeste. Fazendo isto, facilitará muito a desintegração astral natural, e evitará o erro infelizmente vulgar de se demorar nos níveis inferiores mais do que deve ser uma residência tão temporária.
Muitos mortos, porém, atrasam consideravelmente o processo de dissolução pelo apego que têm à terra que deixaram; recusam-se a dirigir para o alto os seus pensamentos e desejos, e gastam o tempo lutando com toda a sua força por se conservarem em pleno contato com o plano físico, causando assim um grande trabalho a quem pretenda auxiliá-los. As coisas terrenas são as únicas por que se interessaram verdadeiramente, e a elas se apegam com uma tenacidade desesperada mesmo após a morte. Como é natural, à medida que o tempo vai passando, vão achando cada vez mais difícil segurar-se às coisas deste mundo, mas, em vez de apreciar e ajudar este processo de afinamento e de espiritualização, resistem a ele vigorosamente por quantos meios têm ao seu alcance.
Está claro que a grande força da evolução vem, por fim, a ser forte demais para eles, e acabam por ser arrastados pela sua corrente benéfica, mas lutam a cada passo, e assim não só se causam uma grande quantidade de dor e tristeza absolutamente excusadas, mas também seriamente atrasam o seu progresso ascensional, prolongando demasiado a sua estada nas regiões astrais. Convencê-los de que essa oposição ignorante e desastrosa à vontade cósmica é contrária às leis da natureza, e persuadi-los a que adotem uma atitude de espírito que seja exatamente o contrário, forma grande parte do trabalho daqueles que desejam auxiliar.
Acontece ocasionalmente que os mortos são ligados à terra pela ansiedade — ansiedade, às vezes, por causa de deveres não cumpridos ou de dívidas morais a pagar, mas, mais vulgarmente, por causa de mulher e filhos que ficaram desamparados. Em casos destes, mais de uma vez foi preciso antes que o morto, já tranquilizado se dispusesse a seguir o seu caminho ascensional, que o auxiliar agisse de certo modo como o seu representante no plano físico, atendendo em seu lugar aos negócios que deixou de fazer. Talvez isto se revele mais claro com um exemplo tirado da nossa experiência recente.
Um membro do grupo de auxiliares estava tentando ajudar um pobre homem que tinha morrido em uma das cidades ocidentais da Inglaterra, mas viu que era impossível desviar-lhe o pensamento das coisas terrenas, por causa da sua preocupação pelos seus dois filhos pequeninos que a sua morte deixara ao desamparo. Tinha sido operário e a pequenez dos seus ganhos não lhe havia permitido juntar dinheiro para eles; a mulher tinha-lhe morrido havia dois anos e a senhoria da casa onde morava, ainda que extremamente bondosa e pronta a fazer qualquer coisa que pudesse, era pobre demais para poder adotar as crianças, e por isso chegara, malgrado seu, à conclusão de que se veria obrigada a entregá-las à assistência paroquial. Isto causava um grande sofrimento ao pobre pai morto, ainda que; é claro, não pudesse censurar a senhoria, nem mesmo se pudesse lembrar de outro caminho a seguir.
O nosso amigo perguntou-lhe se não tinha parente nenhum a quem as pudesse entregar, mas o pai não sabia de nenhum. Tinha, disse, um irmão mais novo, que com certeza faria qualquer coisa nesta conjuntura, mas havia quinze anos que o perdera de vista, e nem sabia se ele estava vivo ou morto. Quando pela última vez tivera notícias dele, soubera que era aprendiz de carpinteiro no Norte, e então o informaram de que era um rapaz trabalhador e sério que, se vivesse, com certeza abriria caminho.
Estes dados eram por certo escassos, mas visto que não havia outra possibilidade de auxiliar as crianças, o nosso amigo achou que valeria a pena fazer um esforço especial para encontrar o irmão, servindo-se mesmo desses dados. Levando consigo o morto, começou, na cidade indicada, a procurar cuidadosamente o irmão; depois de muito trabalho, tiveram a sorte de o encontrar. Era agora dono de uma oficina de carpintaria, e fazia um razoável negócio; além disso, era casado, mas não tinha filhos, conquanto desejasse tê-los. Era, pois, ao que parecia, exatamente a criatura que convinha.
O ponto agora era como é que esta informação lhe podia ser dada. Felizmente, descobriu-se que ele era bastante impressionável para que as circunstâncias da morte do seu irmão e o desamparo dos seus sobrinhos lhe pudessem ser vividamente expostos num sonho; este sonho foi três vezes repetido, sendo-lhe claramente indicado o lugar e até o nome da senhoria. Esta visão repetida impressionou-o muito e ele discutiu-a com a mulher, que o aconselhou a escrever para o endereço dado. Isto não gostava ele de fazer, mas sentia-se disposto a uma pequena viagem para aqueles lados, para investigar se existia uma casa como a que tinha visto em sonho e, se assim fosse, ir lá bater à porta com uma desculpa qualquer. Era, porém, um homem cheio de afazeres e acabou por decidir que não valia a pena perder um dia de trabalho por causa do que, afinal, naturalmente não passava de um sonho.
Esta tentativa tendo, pois, aparentemente falhado, decidiu-se tentar um outro processo; e assim um dos auxiliares escreveu uma carta ao homem, detalhando as circunstâncias da morte do seu irmão e a condição atual dos filhos, em exata coincidência com o que ele tinha visto no seu sonho. Ao receber esta informação, ele já não hesitou, e logo no dia seguinte partiu para a cidade indicada, sendo recebido de braços abertos pela bondosa senhoria. Não fora difícil aos auxiliares persuadi-la, dada a sua bondade, a conservar as crianças em sua casa durante ainda alguns dias para ver se sempre aparecia alguém que as viesse buscar, e muito se congratula ela sempre com o ter feito isso. É claro que o carpinteiro levou as crianças consigo e lhes deu uma casa feliz, e o pai morto, já despreocupado, seguiu, contente, o seu caminho ascensional.
Visto que alguns escritores teosóficos têm sentido ser seu dever insistir vigorosamente sobre os males que freqüentes vezes provêm da realização de sessões espíritas, é de justiça confessar que por vezes trabalho bem útil, semelhante ao do auxiliar no caso já citado, tem sido feito por intermédio de um médium ou de alguém presente numa sessão. Assim conquanto o Espiritismo tenha muitas vezes retardado almas que, se não fosse ele, mais depressa se teriam libertado tem de ser levado a crédito da sua conta o fato de que ele também tem dado a outros os meios de se libertar, abrindo-lhes o caminho do progresso. Tem havido casos em que o defunto pode, sem auxílio, aparecer aos seus parentes ou amigos e explicar-lhes os seus desejos; mas estes são, é claro, raros, e a maioria das almas, que estão ligadas à terra por preocupações do gênero indicado, podem satisfazer-se apenas por meio dos serviços do médium ou do auxiliar consciente.
Outro caso que freqüentemente se encontra no plano astral é o do indivíduo que não pode crer que está morto. É certo que a maioria das pessoas consideram o fato de continuarem estando conscientes como prova absoluta de que ainda não passaram as portas da morte; o que não deixa de ser, se nisto refletirmos, uma curiosa sátira ao valor prático da nossa tão apregoada crença na imortalidade da alma! Qualquer que seja a crença que tenham dito ter em vida, a grande maioria dos que morrem, pelo menos neste país, mostra pela sua atitude subseqüente que foram realmente, para todos os fins possíveis, puros materialistas; e aqueles que no mundo honestamente se deram como tais, muitas vezes não oferecem mais dificuldade para serem auxiliados do que outros que se indignariam se tal designação se lhe aplicasse.
Um caso muito recente foi o de um homem de ciência que, encontrando-se plenamente consciente, e contudo em condições divergindo radicalmente de quaisquer outras que antes conhecera, se persuadiu que ainda vivia e era apenas vítima de um sonho prolongado e desagradável. Felizmente para ele havia entre o grupo daqueles capazes de funcionar sobre o plano astral, o filho de um velho amigo seu, cujo pai o tinha encarregado de procurar o cientista morto e de tentar prestar-lhe algum auxílio. Quando, depois de algum esforço, o rapaz o achou e se lhe dirigiu, o cientista admitiu que estava numa condição de grande perplexidade e desconforto, mas não abandonara ainda a sua hipótese, sobre aquilo ser tudo um sonho, como sendo a mais provável das explicações para o que estava vendo, e chegou mesmo a aventar a idéia de que o seu visitante também não passasse de uma figura de sonho!
Por fim, porém, cedeu ao ponto de propor uma espécie de prova e disse ao jovem: "Se és, como dizes, uma criatura viva e o filho do meu velho amigo, traz--me qualquer comunicação dele que me prove a tua existência objetiva." Ora, conquanto, em todas as condições usuais do plano físico, dar qualquer espécie de prova fenomênica é estritamente proibido aos alunos dos Mestres, parecia que um caso desta espécie não infringia as regras; e por isso, quando se tinha averiguado que nenhuma objeção havia da parte de autoridades superiores, foi feita aplicação ao pai, que ime-diatamente mandou comunicação referente a coisa que se tinha passado antes de o filho nascer. Isto convenceu o morto da existência real do seu jovem amigo, e portanto do plano sobre que estavam ambos funcionando; e logo que isto se lhe estabeleceu no espírito, a sua educação científica se manifestou, tornando-se ele imediatamente ansioso para obter informa-ção a propósito desta nova região.
Está claro que a mensagem, que ele tão prontamente aceitou como prova, não constituiu na realidade prova nenhuma, visto que os fatos a que ela se referia podiam ter sido lidos, do seu próprio espírito ou dos registros acásicos, por qualquer criatura possuidora de sentidos astrais; mas a sua ignorância destas possibilidades fez com que ele pudesse receber essa impressão definida e a instrução teosófica que o seu jovem amigo agora todas as noites lhe ministra, terá sem dúvida uma influência estupenda sobre o seu futuro, pois não pode deixar de modificar muito, não só o estado celestial que o espera, mas também a sua encarnação seguinte sobre a terra.
O trabalho principal, pois, que os nossos auxiliares têm de fazer para com os recém-mortos é o de os confortar e animar — de os livrar, quando possível, do medo terrível, mas irracional que muitas vezes os avassala e que não só lhes causa muito sofrimento desnecessário, mas também lhes atrasa o progresso para as esferas superiores — e de os habilitar, tanto quanto possam, a compreender o futuro que está adiante deles.
Outros, que já estão há mais tempo no plano astral, também podem receber muito auxílio, caso o queiram aceitar, por explicações e conselhos com referência ao seu curso através dos seus estágios diversos. Podem, por exemplo, ser avisados do perigo e da demora causados por tentarem comunicar-se com os vivos através de um médium, e às vezes (ainda que raramente uma entidade já atraída para um círculo espírita, pode ser guiada para uma vida mais alta e mais sã. Os ensinamentos assim prestados a indivíduos neste plano não se perdem nunca porque, conquanto a memória deles (é claro) não possa passar para a encarnação seguinte, fica sempre o verdadeiro conhecimento íntimo, e portanto a forte predisposição para o aceitar, quando se torna a ouvi-lo na nova vida.