O que é a memória, conforme a doutrina teosófica?

Enviado por Estante Virtual em dom, 02/12/2012 - 20:09

P: Explicar semelhante crença, apoiando-a em princípios racionais, será o mais difícil para vocês. Até agora nenhum teósofo conseguiu apresentar-me uma prova capaz de quebrar meu ceticismo. Antes de tudo, têm contra essa teoria da reencarnação o jato de que não se encontrou ainda nenhum homem que se lembrasse de haver vivido antes, e muito menos de quem era durante sua vida anterior.

T: Seu argumento tem a antiga objeção de costume: a perda da memória em cada um de nós, com relação à nossa encarnação precedente. Acredita que isto tira o valor de nossa doutrina? A isso respondo que não, e de qualquer forma, objeção semelhante não pode ser concludente.

 

P:  Quero ouvir seus argumentos.

T: São poucos e curtos. Sem dúvida, quando se leva em consideração a absoluta incapacidade dos melhores psicólogos modernos para explicar ao mundo a natureza da mente, e sua completa ignorância sobre as potencialidades e estados, superiores dela, você deve reconhecer que aquela objeção está baseada numa conclusão a priori, tirada de uma evidência de prima facie e circunstancial, mais que de qualquer outra coisa. Responda-me: qual o seu conceito de "memória"?

 

P: O que geralmente se entende por ela: a faculdade de nossa mente de recordar e conservar o conhecimento dos pensamentos, atos e. acontecimentos anteriores.

T: Se gostar, some a isto, que existe uma grande diferença entre as três formas aceitas da memória. Além da memória em geral, temos a recordação, a reprodução e a reminiscência. Alguma vez você já notou a diferença que há entre elas? Lembre-se de que memória é um nome genérico.

 

P: Apesar disso todos esses são sinônimos.

T: Seguramente não o são, ao menos em filosofia. A memória é simplesmente um poder inato nos seres racionais, e até nos animais, para reproduzir impressões passadas por meio de uma associação de idéias, sugeridas principalmente por coisas objetivas ou por alguma impressão sobre nossos órgãos sensoriais externos. A memória é uma faculdade que depende inteiramente do funcionamento mais ou menos sadio e normal de nosso cérebro físico; a recordação e a reprodução são os atributos e os servidores dessa memória. Mas a reminiscência é uma coisa inteiramente diferente. O psicólogo moderno define a reminiscência como algo intermediário entre a recordação e a reprodução; um processo consciente pelo qual recordam-se os fatos passados, mas sem aquela referência completa e variada de objetos determinados, que caracteriza a reprodução.

Locke, falando da reprodução e da recordação, diz: "Quando uma idéia se apresenta de novo à memória, sem a influência do mesmo objeto sobre o sensorial externo, isto se chama recordação; se a mente encontra uma idéia que buscou com trabalho e esforço, isto é reprodução". Mas o próprio Locke deixa de nos dar uma definição clara da reminiscência, porque não é uma faculdade ou atributo de nossa memória física, mas sim uma percepção intuída à parte e fora de nosso cérebro físico; uma percepção que, ao ser posta em ação pelo conhecimento sempre presente de nosso Ego espiritual, abrange aquelas visões consideradas anormais no homem (desde as pinturas inspiradas pelo gênio, até o delírio e devaneios da febre e da própria loucura), classificadas pela ciência como não existentes, exceto em nossa imaginação.

O Ocultismo e a Teosofia consideram a reminiscência sob um ponto de vista completamente diferente. Para nós, a memória é física e passageira, e depende das condições fisiológicas do cérebro, proposição fundamental entre todos os professores de mnemotecnia, apoiada pelas investigações dos psicólogos modernos; mas a reminiscência é a memória da alma. É a que dá a quase todos os seres humanos, compreendendo ou não, a certeza de haver vivido anteriormente e de ter que viver de novo. Como muito bem disse Wordesvorth:

"Nosso nascimento é somente um sonho e um esquecimento; a alma que em nós surge, a estrela de nossa vida, em outra parte teve seu ponto de partida, e vem de longe".

 

P: Se sua doutrina está baseada nessa classe de memória (poesia e fantasias imaginárias, segundo sua própria confissão), neste caso acredito que não vai conseguir convencer a muitos.

T: Não confessei que fosse uma fantasia. Simplesmente disse que os fisiólogos e cientistas consideram tais reminiscências como alucinações e fantasias, e é muito bem recebida tão "sábia" conclusão. Não nego que essas visões do passado, esses rastros de luz passageira dos tempos que foram, sejam anormais se comparados com nossa experiência de vida diária e a memória física. Mas concordamos com o professor W. Knight: "a ausência de memória de qualquer ato executado em um prévio estado, não pode ser argumento concludente contra a possibilidade de haver vivido nele". E todo bom adversário deverá convir com o que diz Butler em suas Leituras Sobre a Filosofia Platônica: "que a idéia de extravagância que isto (a preexistência) produz, tem sua origem secreta nos prejulgamentos materialistas ou semi-materialistas". E também afirmamos que a memória, como a chamou Olimpiodoro, é simplesmente uma fantasia, e a mais insegura entre tudo o que há em nós[1]. Amônio Sakas assegurava que a única faculdade do homem, diretamente oposta à profecia ou visão do futuro, é a memória. Atente também para o fato de que uma coisa é a memória, e outra, a mente ou pensamento; uma, é a máquina de arquivar, um registro que facilmente se decompõe; os pensamentos são eternos e imorredouros. Você se negaria a crer na existência de certas coisas ou homens, só porque não os viu com seus olhos físicos? O testemunho coletivo de gerações passadas que o viram não é garantia suficiente de haver existido Júlio César? Por que não se deve levar em consideração o mesmo testemunho dos sentidos psíquicos das massas?

 

P: Mas estas não são distinções por demais sutis para que possam ser aceitas pela maioria dos mortais?

T: Melhor dizendo: pela maioria dos materialistas. A eles dizemos: olhe que até no curto espaço da existência comum, a memória é demasiado débil para registrar todos os acontecimentos de uma vida. Com que freqüência permanecem adormecidos em nossa memória os fatos mais importantes, até que são despertados por alguma associação de idéias, ou postos em movimento por algum laço de união! Isto acontece principalmente com as pessoas de idade avançada, cuja memória sempre se debilita. Portanto, levando-se em conta o que sabemos sobre os princípios físicos e espirituais do homem, o fato de que a memória não registre nossas vidas anteriores não deveria nos surpreender, mas, ao contrário, se assim sucedesse.



[1] Diz Olimpiodoro (In Platonis Phoedo): "A fantasia é um impedimento para nossos conceitos intelectuais, e, portanto, quando estamos agitados pela influência inspiradora da Divindade, se a fantasia intervém, cessa a energia entusiasta; porque o entusiasmo e o êxtase são contrários um ao outro. Se se pergunta se a alma é capaz de produzir energia sem a fantasia, respondemos que sua percepção dos universais prova que é capaz disso. Em conseqüência, tem percepções independentes da fantasia; ao mesmo tempo, sem dúvida, a fantasia ajuda suas energias, da mesma forma que a tempestade persegue o navegante".

 

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