É nos quatro estágio desta divisão do caminho que as dez Samyojana ou peias que prendem o homem ao círculo do renascer e o afastam do Nirvana, devem ser abandonadas. E é aqui que surge a diferença entre este período, em que se é um discípulo juramentado, e a provação anterior. Já não basta um êxito parcial na ruptura destas peias; antes que um candidato possa passar de um destes graus para outro, deve ficar inteiramente livre de determinadas destas peias; e, quando se vir quais elas são, reparar-se-á como esta exigência é grande, e não causará pasmo a declaração, feita nos livros sagrados, de que são às vezes precisas sete encarnações para atravessar esta parte do caminho.
Cada um destes passos ou estágios é, por sua vez, subdividido em quatro, porque cada um tem (l) o seu Maggo, ou estrada, durante a qual o estudante está tentando desfazar-se das peias; (2) o seu Phala (resultado ou fruto), quando vê os resultados da sua ação ao fazê-los revelarem-se mais a mais; (3) o seu Bhavagga ou consumação, o período quando, o resultado uma vez inteiramente obtido, ele pode já cumprir satisfatoriamente o trabalho que pertence ao ponto onde agora se encontra; e (4) o seu Gotrabhu, significando como dantes, a ocasião em que chega a um estado de Adepto a receber a iniciação seguinte. O primeiro estágio é:
I. Sotapati ou Soham. O aluno que chegou a este nível chama-se o Sowani ou Sotapanna — "aquele que entrou para o rio" — porque, deste período em diante, ainda que possa demorar-se, ainda que possa sucumbir a tentações mais sutis e afastar-se um tempo do seu caminho, já não pode inteiramente abandonar a espiritualidade e tornar-se uma criatura deste mundo. Entrou para a corrente da evolução humana decisivamente superior, a que toda a humanidade deve chegar pela altura do meio da ronda seguinte, a não ser que tenham de ser abandonados alguns como falidos temporários pela grande onda vital, para ficar à espera de prosseguir na outra cadeia de mundos.
O aluno que pode receber esta iniciação já avançou portanto para além da maioria da humanidade toda a extensão de uma ronda inteira dos nossos sete planetas, e, ao fazê-lo, escapou, de uma vez para sempre, à possibilidade de sair da corrente na quinte ronda. Por isso às vezes se lhe chama "o salvo*' ou "o seguro." É da má compreensão desta idéia que nasce a curiosa teoria da salvação promulgada por certa secção da comunidade cristã. A "salvação eônica", de que falam alguns dos seus documentos, não é, como blasfemamente o supuseram os ignorantes, uma salvação da tortura eterna, mas simplesmente de perder o resto desse "eon" ou "concessão" desviando-se da sua linha do progresso. É este, também, o verdadeiro sentido da célebre cláusula do credo atanásio. “A quem queira ser salvo, é necessário, antes de tudo, que tenha a fé católica" (v. O Credo Cristão, p. 91). As peias que têm de ser abandonadas antes que ela possa entrar para o estágio seguinte são:
1. Sakkáyaditthi — a ilusão da personalidade.
2. Vichikichchha — dúvida ou incerteza,
3. Silabbataparamasa — superstição.
A primeira destas é a consciência de que "eu sou eu", a qual, em relação à personalidade, não passa de uma ilusão, de que o aluno tem de se desfazer logo ao primeiro passo no caminho ascensional. Mas quebrar este laço completamente envolve muito mais do que isto, porque implica a compreensão do fato de que a individualidade é, na verdade, una com o Todo, que não pode portanto ter interesses que sejam opostos aos interesses dos seus semelhantes, e que só está na verdade progredindo quando auxilia o progresso alheio.
Porque o vero sinal e selo da obtenção do nível de Sottapátti é a primeira entrada do aluno para o plano logo acima do mental — aquele a que em geral chamamos búdico. Pode ser que seja — em verdade, será — apenas um leve contato com o ínfimo subplano daquela condição estupendamente exaltada o que o aluno por enquanto pode sentir, mesmo com o auxílio do seu Mestre; mas mesmo esse contato é coisa que nunca poderá esquecer — é coisa que abre ante ele um novo mundo e totalmente revoluciona os seus sentimentos e idéias. Então, pela primeira vez, por meio da consciência exaltada daquele plano, ele compreende verdadeiramente a profunda unidade de tudo, não apenas como conceito intelectual, mas como fato nítido, patente aos seus olhos desvendados; então, pela primeira vez, ele sabe qualquer coisa do mundo, em que vive — então, pela primeira vez, obtém um vislumbre do que devem ser o amor e a compaixão dos grandes Mestres.
Quanto à segunda peia; é preciso uma palavra de advertência. Nós, educados nos hábitos europeus de pensamento, estamos, infelizmente, tão familiarizados com a idéia de que uma adesão irracional e cega a certos dogmas deve ser exigida a um discípulo, que ao lermos que o ocultismo considera*a dúvida como um obstáculo ao progresso, iremos naturalmente supor que ele exige dos seus crentes a mesma cega fé que as modernas superstições exigem. Esta idéia não poderia ser mais errônea.
É certo que a dúvida (ou antes a incerteza) em certos assuntos é um obstáculo ao progresso espiritual, mas o antídoto para essa dúvida não é uma fé cega (que, como adiante se verá, é, por sinal, considerada também um dos obstáculos) mas a certeza da convicção baseada sobre uma experiência individual ou um raciocínio matemático. Enquanto uma criança duvidasse da certeza da tabuada, mal poderia tornar-se proficiente nas matemáticas superiores, mas as suas dúvidas só podem ser desvanecidas adquirindo ela a compreensão, baseada no raciocínio ou na experiência, de que o que a tabuada diz é verdade. Ela acredita que duas vezes dois são quatro, não simplesmente porque lho disseram, mas porque isso é para ela um fato evidente. Ora é este o método, e o único método, de desvanecer a dúvida que o ocultismo conhece.
Vichikichchha tem sido definido como sendo a dúvida a respeito das doutrinas do carma e da reencarnação, e da eficácia do método de obter o máximo de bem por este caminho de santidade; e a rejeição deste Samyojana é a obtenção da certeza absoluta, baseada quer sobre o conhecimento direto e individual, quer sobre a razão, de que os ensinamentos ocultos relativos a estes assuntos são verdadeiros.
A terceira peia a abandonar abrange todas as espécies de crença irracional ou errônea, toda a dependência sobre a eficácia de ritos externos e de cerimónias para purificar o coração. Aquele que a queira abandonar deve aprender a depender de si próprio e não das formas externas de qualquer religião.
As primeiras três peias estão em uma série coerente. A diferença entre a individualidade e a personalidade, uma vez inteiramente compreendida, é então possível, até certo ponto, apreciar o curso real da reencarnação, e, assim, desfazer todas as dúvidas a esse respeito. Uma vez feito isto, o conhecimento da permanência espiritual do verdadeiro Eu dá a confiança na força espiritual própria, e, assim, desfaz a superstição.
II. Sakadagamin. Do aluno que entrou para este segundo estágio se diz que é um Sakadagamin — "o homem que só volta uma vez" — e significa que um indivíduo que chegou a este nível não deve precisar senão de mais uma encarnação para atingir o grau de Arhat. Neste estágio não se quebram mais peias, mas o aluno ocupa-se em reduzir a um mínimo aquelas que ainda o prendem. É porém, em geral, um período de considerável avanço intelectual e "psíquico."
Se aquelas faculdades a que vulgarmente se chamam "psíquicas" se não adquiriram ainda, é nesta altura que têm de ser desenvolvidas, visto que sem elas seria impossível assimilar os conhecimentos que vão agora ser dados, ou executar o trabalho superior, em favor da humanidade, em que o aluno tem agora o privilégio de tomar parte. Deve ter a consciência astral em plena posse durante a sua vida física de vigília e, durante o sono, o mundo auxiliar estará' patente aos seus olhos — porque a consciência de um indivíduo, quando fora do seu corpo físico, está sempre um estágio acima de onde está quando ainda presa na sua prisão da carne.
III. Anagamin. O Anagamin (aquele que não regressa) tem este nome porque, tendo chegado a este estágio, deve poder atingir o estágio seguinte na vida que está então vivendo. Goza, ao ir tratando da sua vida quotidiana, de todas as esplêndidas possibilidades de progresso dadas pela plena posse das preciosas faculdades do mundo celestial, e, quando à noite abandona o seu corpo físico, torna a entrar para a consciência espantosamente ampla que pertence ao buddhi. Neste estágio ele acaba de se libertar de quaisquer restos dos dois laços de:
4. Kamaraga — ligação ao prazer das sensações, tipificado pelo amor terreno, e
5. Patigha — toda possibilidade da cólera ou de ódio.
O aluno que quebrou estas peias já não pode ser dominado pela influência dos sentidos quer na direção do amor, quer na do ódio, e está livre de qualquer amor ou impaciência por todas as condições do plano físico.
Devemos, nesta altura, outra vez prevenir-nos contra um mal-entendido possível, e que é freqüente encontrar, O amor humano mais puro e nobre nunca morre — nunca de modo algum diminui com a instrução oculta; pelo contrário é aumentado e ampliado até que abrange a todos com o mesmo fervor que a princípio era dado apenas a uma ou a duas pessoas. Mas o estudante chega realmente a elevar-se por fim acima de todas as considerações relacionadas com a mera personalidade daqueles que o cercam, e assim fica livre de toda a injustiça e parcialidade que o amor vulgar tantas vezes acarreta.
Não se deve, nem por um momento, supor que, ao adquirir esta afeição por todos, ele perde o seu amor especial pelos seus íntimos amigos. O laço desusadamente perfeito entre Ananda e o Buda, como entre S. João e Jesus, serve para provar que, ao contrário, ele se intensifica extraordinariamente; e o laço que liga um Mestre aos seus discípulos é mais forte do que qualquer ligação terrena, porque a afeição que medra no caminho da santidade é uma afeição entre Egos, e não apenas entre personalidades, por isso é forte e permanente, sem risco de que diminua ou flutue, porque é aquele "perfeito amor que expulsa o receio."
IV. Arhat (o venerável, o perfeito.) Ao chegar a este nível o aspirante goza constantemente da consciência do plano búdico, e pode empregar os seus pó-, deres e faculdades sem sair do corpo físico; e quando abandona esse corpo, em sono ou transe, passa imediatamente para a glória inexprimível do plano nirvânico. Neste estágio deve o ocultista abandonar os últimos restos das cinco peias restantes, que são;
6. Ruparaga — o desejo da beleza da forma ou da existência física em uma forma qualquer, mesmo a do mundo celestial.
7. Aruparaga — desejo de uma vida sem forma.
8. Mano — orgulho.
9. Uddhachcha — agitação ou irritabilidade.
10. Avijja — ignorância.
Sobre isto temos a observar que o afastamento do Ruparaga implica não só o do desejo de uma vida terrena, por grande ou nobre que seja, e de uma vida astral ou devacânica, por gloriosa que seja, mas também de toda a tendência a ser indevidamente influenciado ou repelido pela beleza ou fealdade externa de qualquer pessoa ou coisa.
Aruparaga — o desejo de vida nos mais altos e informes planos do mundo celestial ou no ainda superior plano búdico — seria simplesmente uma for-ma superior e menos sensual do egoísmo, e tem de ser portanto abandonada, do mesmo modo que a inferior. Uddhachcha significa realmente "a tendência para ser mentalmente perturbado", e um indivíduo que tivesse enfim deposto esta peia, ficaria absolutamente calmo ante tudo o que lhe pudesse acontecer — inteiramente insensível a qualquer espécie de ataque à sua serena dignidade.
A rejeição da ignorância implica, é claro, a aquisição do perfeito conhecimento — a onisciência pelo que respeita à nossa cadeia planetária.
Quando todas as peias se quebraram, o Eu progressivo atinge enfim o quinto estágio — o pleno estágio de Adepto — e torna-se.
V. Asekha, "aquele que já não tem que aprender", sempre, é claro, em referência à nossa cadeia planetária. É-nos atualmente de todo impossível compreender o que isto significa. Todo o esplendor do plano nirvânico está aberto aos olhos de vigília do Adepto, e sempre que queira sair do seu corpo, tem o poder de entrar para qualquer coisa ainda mais alta — um plano que para nós não passa de um mero nome. Como explica o Prof. Rhys Davids: "Ele está agora liberto de todo o pecado; vê e avalia todas as coisas desta vida no seu verdadeiro valor; todo o mal estando já extirpado da sua mente só sente desejos puros para si próprio, compaixão terna, consideração e alto amor pelos outros."
Para mostrar quão pouco ele perdeu o sentimento do amor, lemos no Metta Sutiã a respeito do estado de espírito de quem está neste nível: "Como a mãe que ama, mesmo com o risco de sua vida protege o filho único, assim sente Ele amor para com todas as coisas.
Que o amor e a bondade prevaleçam em todo o mundo, em cima, embaixo, em torno, sem mistura nem medida, sem que se lhe ligue qualquer sentimento de interesses que se entrechocam ou divergem. Quando um homem permanece sempre e firmemente neste estado de espírito, quer ele esteja de pé ou sentado, passeando ou deitado, então se realizam aquelas palavras que estão escritas: "Mesmo nesta vida se encontrou a santidade."