Os primeiros séculos cristãos e os primeiros evangelhos

Enviado por Estante Virtual em sab, 24/11/2012 - 00:43

Relatada a biografia do Diabo desde seu primeiro acidente na Índia e na Pérsia, seu progresso entre os judeus e na teologia cristã antiga e recente até as últimas fases da sua manifestação, examinemos agora algumas opiniões dominantes nos primeiros séculos cristãos.

Avatares ou encarnações eram comuns às velhas religiões. Na Índia, os Avatares chegaram a constituir um sistema. Os persas esperavam Saoshyant e os escritores judaicos aguardavam um libertador. Tácito e Suetônio relatam que o Oriente, na época de Agusto, ardia de expectativa por uma Grande Personagem. "Assim, doutrinas tão óbvias para os cristãos eram os arcanos supremos do Paganismo". O Maneros de Plutarco era um menino de Palaestinus; seu mediador Mithras, o Salvador Osíris, é o Messias. Nas nossas "Escrituras canónicas" atuais descobrem-se os vestígios das adorações antigas; e nos ritos e nas cerimônias da Igreja Católica Romana encontramos as formas da adoração budista, suas cerimônias e sua hierarquia. Os primeiros Evangelhos, que já foram tão canónicos quanto os quatro atuais, contêm páginas tomadas quase integralmente das narrativas budistas, como podemos mostrar. Após as provas fornecidas por Burnouf, Cosma de Körös, Beal, Hardy, Schmidt e as traduções do Tripitaka, é impossível duvidar que todo o esquema cristão não emanasse de um outro. Os milagres da "Concepção Milagrosa" e outros incidentes se deixam ver claramente no A Manual of Buddhism, de Hardy [p. 141 e seguintes]. Compreendemos prontamente por que a Igreja Católica Romana está ansiosa para manter o vulgo na ignorância mais completa da Bíblia hebraica e da literatura grega. A Filosofia e Teologia comparada são seus inimigos mais mortais. As falsidades deliberadas de Irineu, Epifânio, Eusébio e Tertuliano tornaram-se uma necessidade.

Naquele tempo, parece que os Livros sibilinos gozavam de muita consideração. Pode-se perceber facilmente que eles foram inspirados na mesma fonte de onde brotaram as obras gentias.

Eis uma página de Gallaeus:

"Uma Nova Luz surgiu

Que, descendo do Céu, assumiu forma mortal.

Primeiro Gabriel apresentou sua poderosa pessoa sagrada,

Depois, dando a mensagem, dirigiu-se com palavras à Virgem:

Virgem, recebe Deus em teu peito puro. (...)

E a coragem voltou a ela e a PALAVRA entrou em seu útero.

Tornando-se encarnado e animado por seu corpo,

Formou-se uma imagem mortal e um MENINO foi criado

Por um parto da Virgem. (...)

A nova estrela enviada por Deus foi adorada pelos Magos.

A criança envolta em panos foi mostrada numa manjedoura ao obediente a Deus

E Belém foi chamada `terra divina' da Palavra".

À primeira vista, essa passagem parece uma profecia do nascimento de Jesus. Mas não poderia ela referir-se a algum outro Deus criador? Temos expressões análogas relativas a Baco e a Mithras.

"Eu, filho de Zeus, vim ao país dos tebanos. Sou Baco, a quem partiu Semelê [a virgem], filha de Cadmo [o homem do Oriente], e, engendrado pela chama portadora do raio, assumi forma em vez de divina."

As Dionisíacas, escritas no século V, são úteis para tornar essa matéria mais clara e até mesmo para pôr em relevo sua conexão estreita com a lenda cristã do nascimento de Jesus:

"Perséfone-Vrigem, não escapaste do casamento

E foste esposada nos epitalâmios do Dragão

Quando Zeus, todo enrolado e de aparência modificada,

Um Dragão-noivo transbordante de amor,

Deslizou para teu leito virginal

Agitando a barbas ásperas. (...) Pelos esponsais dracontianos etéreos,

O útero de Perséfone foi agitado por um jovem frutuoso.

E nasceu Zagreus, o Menino coroado de chifres."

Temos aqui o segredo da adoração ofita e a origem da fábula cristã posteriormente revisada da concepção imaculada. Os gnósticos foram os primeiros cristãos a possuir algo como um sistema teológico regular e é bastante evidente que Jesus é que foi adaptado para Cristos em sua teologia, e não foi a sua teologia que se desenvolveu a partir dos seus ditos e das suas ações. Seus ancestrais afirmam, antes da era cristã, que a Grande Serpente - Júpiter, o Dragão da Vida, o Pai e a "Divindade do Bem" - deslizara para o leito de Semelê e os gnósticos pré-cristãos, com uma modificação muito insignificante, aplicaram a mesma fábula ao homem Jesus e afirmaram que a mesma "Divindade do Bem", Saturno (Ialdabaôth), na forma do Dragão da Vida, deslizou por sobre o leito da menina Maria. A seus olhos, a Serpente era o Logos - Cristos, a encarnação da Sabedoria Divina, por meio de seu Pai Ennoia e sua Mãe Sophia.

"Agora minha mãe o Espírito Santo me tomou", diz Jesus no Evangelho dos Hebreus, assumindo seu papel de Cristos - o Filho de Sophia, o Espírito Santo.

"O Espírito Santo descerá sobre ti e o PODER do Supremo te cobrirá da sua sombra; e por isso mesmo a coisa santa que há de nascer de ti será chamada de Filho de Deus", diz o anjo (Lucas, I, 35).

"Deus (...) nos falou nestes dias por seu Filho, ao qual apontou como herdeiro de todas as coisas, e por quem fez os Aeons. (Emanações)."

Todas essas expressões são variações cristãs do versículo de Nonnus "(...) por meio do dracônteo etéreo", pois Éter é o Espírito Santo ou a terceira pessoa da Trindade - a Serpente com cabeça de falcão, o Kneph egípcio, emblema da Mente Divina, e a alma universal de Platão.

"Eu (Sabedoria) saí da boca do Altíssimo e cobri com nuvem toda a terra."

Poimandres, o Logos, surge da Escuridão Infinita e cobre a terra com nuvens que, em forma de serpente, se espalham por sobre toda a Terra. O Logos é a mais velha imagem de Deus e é o Logos ativo, diz Filo. O Pai é o Pensamento Latente.

Sendo esta idéia universal, encontramos uma fraseologia idêntica para expressa-la entre os pagãos, os judeus e os cristãos primitivos. O Logos caldaico - persa é o Primogênito do Pai na cosmogonia babilônica de Eudemus. O "Hino a Eli, filho de Deus", inicia um hino homérico ao Sol. Sôl-Mithra é uma "imagem do Pai", com o cabalístico Zeir-Anpîn.

Parece impossível, e todavia esta é a triste realidade, que, entre todas as várias nações da Antigüidade, não houve uma só que acreditasse num diabo pessoal mais do que os cristãos liberais do século XIX. Nem os egípcios, que Porfírio chama de "a mais erudita nação do mundo, nem os gregos, seus fiéis imitadores, caíram em absurdo tão grande. Podemos acrescentar que nenhum deles, nem mesmo ou judeus antigos, acreditou no inferno ou numa condenação eterna mais do que no Diabo, embora nossas igrejas cristãs atribuam ao demônio tudo quanto se relacione com os gentios. Em todo lugar em que a palavra "inferno" ocorre nas traduções dos textos sagrados hebraicos, ela está distorcida. Os hebreus ignoravam essa idéia, mas os Evangelhos contêm exemplos freqüentes de compressões erradas. Assim, quando Jesus diz (Mateus, XVI, 18) "(...) e as portas do Hades não prevalecerão contra ela", o texto original apresenta "as portas da morte". Em nenhum lugar aparece a palavra "inferno" - aplicada com o significado de condenação, seja temporária ou eterna - utilizada no Velho Testamento com o sentido que lhe deram os forjadores desse dogma. "Tophet", ou "o Vale do Hinnom" não tem esse significado. O termo grego "Gehenna" tem um sentido bastante diferente e equivalente, na opinião de escritores competentes, ao Tártaro homérico.

O próprio Pedro nos dá prova desse fato. Em sua segunda Epístola (II, 4), o Apóstolo, no texto original, diz sobre os anjos pecadores, que Deus "os lançou ao Tártaro". Essa expressão, que lembra muito inconvenientemente a guerra entre Júpiter e os Titãs, foi alterada e agora, na versão do rei James, apresenta "os lançou no inferno".

No Velho Testamento as expressões "portas da morte" e "câmaras da morte" aludem simplesmente às "portas do túmulo", mencionadas especificamente nos Salmos e nos Provérbios. O inferno e seu soberano são ambos invenções do Cristianismo, contemporâneos do seu poder e do recurso à tirania. São alucinações nascidas dos pesadelos dos Antônios do deserto. Antes da nossa era, os sábios antigos conheciam o "Pai do Mal" e não o tratavam senão como asno, o símbolo escolhido de Typhon, "o Diabo". Triste degeneração de cérebros humanos!

Assim como Typhon era a sombra escura de seu irmão Osíris, Python é o lado mau de Apolo, o brilhante deus das visões, o vidente e adivinho. É o morto por Python, mas mata-o por sua vez, redimindo a Humanidade do pecado. Foi em memória dessa façanha que as sacerdotisas do deus-Sol se vestiam com peles de serpente, típicas do fabuloso monstro. Sob sua poderosa influência - a pele da serpente era considerada magnética -, as sacerdotisas caiam em transes magnéticos e "recebiam de Apolo as suas vozes", tornavam-se proféticas e proferiam oráculos.

Além disso, Apolo e Python são apenas um, e moralmente andróginos. As idéias do deus-Sol são todas duais, sem exceção. O Calor benéfico do Sol traz o germe à existência, mas o calor excessivo mata a planta. Quando toca a lira planetária de sete cordas, Apolo produz a harmonia; mas, como outros deuses-sóis, sob seu aspecto sombrio ele se torna o destruidor, Python.

Sabe-se que São João viajou pela Ásia, uma região governada pelos magos e imbuída de idéias zoroastrinas e, naqueles dias, repleta de missionários budistas. Se ele não tivesse visitado esses lugares e entrando em contato com os budistas, seria duvidoso acreditar que o Apocalipse pudesse ter sido escrito. Além das suas idéias do dragão, dá narrativas proféticas inteiramente desconhecidas dos outros apóstolos e que, relativas ao segundo advento, fazem de Cristo uma cópia fiel de Vishnu.

Assim, Ophios e Ophiomorphos, Apolo e Pyton, Osíris e Typhon e Cristos e a Serpente são termos equivalentes. Todos eles são Logos e um é ininteligível sem o outro, como não se poderia saber o que é dia, se não se conhecesse a noite. Todos são regeneradores e salvadores, um num sentido espiritual, o outro num sentido físico. Um assegura a imortalidade para o Espírito Divino; o outro a concede através da regeneração da semente. O Salvador da Humanidade tem de morrer, porque ele oculta à Humanidade o grande segredo do ego imortal; a serpente do Gênese é amaldiçoada porque disse à matéria "não morrerás". [III, 4]. No mundo do Paganismo, a contrapartida da "serpente" é o segundo Hermes, a reencarnação de Hermes Trismegistro.

Hermes é o companheiro constante e o instrutor de Osíris e Ísis. É a sabedoria personificada; como Caim, o filho do "senhor". Ambos construíram cidades, civilizaram e instruíram a Humanidade nas artes.

 

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