O homem físico e o espiritual

Submitted by Estante Virtual on Sun, 12/02/2012 - 20:04

P: Gostei de saber que acreditam na imortalidade da alma.

T: Não "da alma", mas sim do Espírito divino; ou melhor, na imortalidade do Ego que se reencarna.

 

P: Qual é a diferença?

T: Na nossa filosofia é enorme; mas esta é uma questão por demais abstrata e difícil para ser tratada pouco detidamente, ou de passagem. Precisamos analisá-la primeiro separadamente, para só depois examiná-la em conjunto. Podemos começar pelo Espírito.

Dizemos que o Espírito (o "Pai Secreto" de Jesus), ou Atmã, não é propriedade individual do homem e sim a essência divina que precisa de corpo e forma, que é imponderável, invisível e indivisível, aquilo que não existe e no entanto é, como os buddhistas dizem do Nirvana. Somente ampara ao mortal, pois o que penetra nele e preenche seu corpo inteiro são apenas seus raios de luz projetados por meio de Buddhi, seu veículo e emanação direta. Esta é a razão secreta das afirmações de quase todos os antigos filósofos, quando diziam que "a parte racional da alma do homem[1] nunca entrava completamente nele, mas que só o amparava por meio da alma irracional, espiritual, ou Buddhi[2]".

 

P: Sempre tive idéia de que só a "alma animal" era irracional, nunca a divina.

T: É preciso aprender a diferença que existe entre o que é "irracional" negativa, ou passivamente, porque não está diferenciado, e o que é irracional por ser demasiado ativo e positivo. O homem é uma correlação de poderes espirituais, bem como uma correlação de forças químicas e físicas, postos a funcionar pelo que chamamos "princípios".

 

P: Tenho lido muito sobre este assunto, e parece-me que as noções dos antigos filósofos diferiam muito das dos cabalistas da Idade Média, embora tenham pontos comuns.

T: A diferença mais substancial entre eles e nós é que enquanto nós cremos — como os neoplatônicos e as doutrinas orientais - - que jamais o Espírito (Atmã) desce hipoteticamente no homem vivo, mas apenas dá o seu resplendor mais ou menos intenso ao homem interno (o composto psíquico e espiritual dos princípios astrais). Os cabalistas sustentam que o espírito humano, separando-se do oceano de luz e do Espírito Universal, penetra na alma do homem, onde permanece durante a vida, prisioneiro na cápsula astral. Os cabalistas cristãos também acreditam nisto porque não são capazes de romper totalmente com suas doutrinas antropomórficas e bíblicas.

 

P: E vocês o que dizem?

T: Dizemos que só admitimos a presença da irradiação do Espírito (ou Atmã), na cápsula astral; e somente no que se refere a esse resplendor espiritual. Dizemos que o homem e a alma terão que conquistar sua imortalidade por meio da ascensão até a unidade; que se tiverem êxito ficarão unidas no fim, e nelas serão finalmente absorvidas. A individualização do homem depois da morte depende do espírito, e não de sua alma e corpo. No sentido em que se entende usualmente, a palavra "personalidade" é um absurdo se for aplicada literalmente a nossa essência imortal, pois sem dúvida que ela é, como Ego individual, uma entidade diferente, imortal e eterna per si.

Apenas os magos negros e os criminosos cuja redenção não é possível; criminosos que o foram durante uma longa série de vidas - é quando o fio brilhante, que une o espírito à alma pessoal desde o momento do nascimento da criatura, foi violentamente partido, e a entidade desencarnada se encontra divorciada da alma pessoal; e esta última será aniquilada sem deixar a menor impressão ou rastro de si mesma, na primeira. Se esta união entre o manas inferior ou pessoal, e o Ego individual que se reencarna não foi efetuada durante a vida, então, o destino do primeiro será como o dos animais inferiores que gradualmente se dissolvem no éter e cuja personalidade é aniquilada; mas ainda assim é o Ego um ser individual. Nesse caso apenas perde um estado devakhânico (depois desta vida, o que por certo é inútil), como personalidade idealizada; e se reencarna quase imediatamente, depois de haver desfrutado um curto espaço de tempo de sua liberdade, como espírito planetário.

 

P: Em seu livro Isis Sem Véu está dito que esses espíritos planetários ou anjos, "os deuses dos pagãos ou os arcanjos dos cristãos", jamais serão homens de nosso planeta.

T: Perfeitamente. Mas não são estes de que agora falamos, mas sim algumas classes de Espíritos Planetários mais elevados, que jamais serão homens neste planeta, porque são Espíritos libertos de um mundo primitivo anterior, e assim sendo, não podem voltar a ser homens nesta terra. Sem dúvida, eles viverão de novo no próximo e muito mais elevado Mahamanvantara, depois que esta "Grande Idade" e sua "pralaya brâhmica" (um pequeno período de 16 algarismos de anos mais ou menos), tiver passado. Pois a filosofia oriental nos ensina que a humanidade compõe-se de tais "Espíritos", prisioneiros em corpos humanos. A diferença que existe entre os animais e os homens é que os primeiros são animados potencialmente pelos "princípios", e os segundos o são influenciadamente[3]. Agora deu para perceber a diferença?

 

P: Sim, mas esta especialização tem sido o grande obstáculo dos metafísicos de todos os tempos.

T: Assim tem sido. Todo o esoterismo da filosofia buddhista é baseado sobre esta doutrina misteriosa, compreendida por tão poucas pessoas e falseada tão completamente por muitos dos mais profundos eruditos modernos. Até os metafísicos tendem a confundir o efeito com a causa. Um Ego que ganhou sua vida imortal como espírito continuará sendo o mesmo eu interno em todos os seus renascimentos na terra; mas isto não quer dizer necessariamente que tenha de continuar sendo o sr. Smith ou Brown que foi, e que ao contrário, perca sua individualidade. Em conseqüência, a alma astral e o corpo terrestre do homem podem ser absorvidos na escuridão além no oceano cósmico dos elementos sublimados; o homem chega a deixar de sentir seu último ego pessoal (se não mereceu se elevar mais); e continuar ainda o Ego divino sendo a mesma entidade inalterável, embora aquela experiência terrestre de sua emancipação possa ser totalmente esquecida, no momento em que se separa do veículo indigno.

 

P: Conforme Orígenes, Sinésio e outros filósofos semicristãos e semiplatônicos ensinaram, se o "espírito" ou a porção divina da alma é ser determinado em toda eternidade preexistente; e se é a mesma alma, metafisicamente objetiva e mais nada, como pode ser de outra maneira mais que eterna? E o que importa neste caso que um homem leve uma vida pura ou animal, se, jaca o que quiser, nunca pode perder sua individualidade?

T: Esta doutrina é tão perniciosa em suas conseqüências, como o é a reparação das faltas por meio da intervenção de um intermediário. Se este último dogma aliado com a falsa idéia de que todos somos imortais, tivesse sido demonstrado ao mundo sob seu verdadeiro aspecto, sua propagação teria melhorado a humanidade.

Volto a repetir Pitágoras, Platão, Timeu e Locres e a antiga Escola Alexandrina, emanavam a alma do homem (ou seus princípios e atributos mais elevados), da Alma Universal do mundo, sendo esta última Aether (Pater-Zeus). Portanto, nenhum desses "princípios" pode ser a essência pura, sem mistura, do Monas pitagórico ou do nosso Atma-Buddhi; porque a Anima Mundi apenas é o efeito, a emanação subjetiva, ou, dizendo melhor, a radiação de Monas. O espírito humano (a individualidade), o Ego espiritual que se reencarna, e Buddhi, a alma espiritual, são preexistentes. Mas enquanto o primeiro existe como entidade distinta ou individualização, a alma existe como alento que preexiste e é parte inconsciente de um todo inteligente. Na sua origem ambos foram formados do Oceano Eterno de Luz. Mas conforme se expressaram os filósofos do fogo (os teósofos da Idade Média), há no fogo um espírito visível e outro invisível. Estabeleciam uma diferença entre a anima bruta e a anima divina. Empédocles acreditou firmemente que todos os homens e animais possuíam duas almas; e vemos que Aristóteles chama a uma a alma que raciocina,nouz, e a outra a alma animal, Yuch. Conforme esses filósofos a alma que raciocina vem de dentro da Alma Universal, e a outra de fora.

 

P: Vocês chamariam de matéria à alma, isto é, a alma humana que pensa, ou aquilo que chama de Ego?

T: De matéria não, mas seguramente é substância; também não rejeitaremos a palavra "matéria", desde que venha unida ao adjetivo primordial. Dizemos que essa matéria é coeterna com o Espírito, e que não é nossa matéria visível, tangível e divisível, mas sim, sua extrema sublimação. O Puro Espírito não é senão uma mudança do não-espírito ou o Todo Absoluto.

A menos que se admita que o homem evoluiu deste Espírito-Matéria primordial, e representa uma escala regular progressiva de "princípios" desde a meta espírito até a matéria mais grosseira, como poderemos considerar o homem interno como imortal e, ao mesmo tempo considerá-lo como entidade espiritual e homem mortal?

 

P: Por que, então, não acreditam em Deus como tal entidade?

T: Porque o que é infinito e incondicionado não pode ter forma alguma nem existir, como ser, pelo menos em nenhuma filosofia oriental digna desse nome. Uma "entidade" é imortal, mas só em sua essência última, não em sua forma individual. Nesse último ponto de seu ciclo, é absorvida em sua natureza primordial, e volta a ser espírito, quando então perde o seu nome de entidade.

Sua imortalidade como forma fica limitada unicamente a seu ciclo de vida, ou ao Mahamanvantara; depois do qual é una e idêntica com o Espírito Universal, e não mais uma entidade separada. Quanto à alma pessoal (o que entendemos como a chama de consciência que conserva no Ego Espiritual a idéia do "eu" pessoal da última encarnação), subexiste como recordação distinta separada unicamente durante o período devakhânico; depois do qual é agregada à série de outras inumeráveis encarnações do Ego, como a recordação em nossa memória, de um dia em uma série de dias, ao fim de um ano. Como vocês podem limitar a infinidade que reclamam para seu Deus a condições finitas? Somente aquilo que está indissoluvelmente alicerçado por Alma (isto é, Buddhi-Manas), é imortal. A alma do homem (isto é, da personalidade), não é imortal per si, nem eterna nem divina. Diz o Zohar: "A alma, quando é enviada a esta terra, reveste-se de uma vestimenta terrena para se preservar aqui embaixo; e do mesmo modo recebe em cima uma brilhante vestimenta que a torna capaz de olhar sem danos no espelho cuja luz procede do Senhor da Luz". Além disso, o Zohar ensina que a alma não pode alcançar a mansão da glória antes de ter recebido o "santo ósculo", ou reunião da alma com a substância da qual emanou (o espírito). Todas as almas são duais, e são um princípio feminino, enquanto que o espírito é masculino. Encarcerado no corpo, o homem é uma trindade, a não ser que a sua corrupção seja tão grande, que cause seu divórcio com o espírito. "Desgraçada a alma que prefere o himeneu sensual com seu corpo terrestre, a seu divino esposo (o espírito)", diz o texto de uma obra hermética, o Livro das Chaves. Pobre dela! porque nenhuma recordação daquela personalidade ficará registrada na imorredoura memória do Ego!

 

P:  Mas como aquilo que foi dado por Deus ao homem — conforme sua própria confissão -- é de substância idêntica ao divino, pode deixar de ser imortal?

T: Cada átomo e pedaço de matéria, bem como de substância, é imorredouro em sua essência, mas não em sua consciência individual. A imortalidade é apenas a própria consciência não interrompida; e dificilmente a consciência pessoal pode durar mais tempo que a própria personalidade. Esta consciência, como já disse, sobrevive tão-somente durante o período devakhânico, após o qual é reabsorvida primeiro na consciência individual, e depois na universal.

 

Perguntem a seus teólogos por que alteraram tão profundamente as escrituras judaicas. Leiam a Bíblia se quiserem ter uma boa prova de que os escritores do Pentateuco e do Gênesis, principalmente, jamais consideraram a nephesh, o sopro com que Deus dotou a Adão como alma imortal (Gên. II, 7).

Eis aqui alguns exemplos: "E Deus criou. . . a cada nephesh (vida) que se move" (Gên. I, 21) referindo-se aos animais; e diz (Gên. II, 7) "E o homem foi feito uma nephesh (alma viva)", o que demonstra que a palavra nephesh era aplicada indiferentemente ao homem imortal, assim como ao animal mortal. "E certamente requererei o sangue de vossa nepheshim (vidas); requererei a cada animal e ao homem" (Gên. IX, 5). "Escapa-te por tua nephesh" (Gên. XIX, 17). "Não a matemos", diz a versão inglesa (XXXVII, 21). "Não matemos a sua nephesh", diz o texto hebraico. "Nephesh por nephesh" diz o Levítico. "Aquele que mata a qualquer homem, seguramente será morto", literalmente: "Aquele que mata a nephesh de um homem" (Lev. XXIV, 17). "E o que mata a um animal (nephesh) tem que pagá-lo. . . animal por animal", ao invés do texto que diz: "nephesh por nephesh". Como poderia o homem matar o que é imortal? E isto também explica por que os saduceus negavam a imortalidade da alma; como também prova que, muito provavelmente, os judeus mosaicos (pelo menos os não-iniciados), jamais acreditaram na sobrevivência da alma.



[1] A palavra "racional", em seu sentido genérico, significando algo que emana da Sabedoria Eterna.

[2] Irracional no sentido de que, como pura encarnação da Mente Universal, não pode ter, neste plano de matéria, nenhuma razão individual própria; mas como a lua, que recebe sua luz do sol e sua vida da terra, assim também Buddhi, recebendo sua luz de sabedoria de Atma, alcança sua qualidades, racionais de manas. Carece de qualquer atributo, como coisa homogênea per si.

[3] Veja Doutrina Secreta, vol. II (Comentários) .

 

Outras páginas interessantes: