O que o teósofo não deve fazer

Submitted by Estante Virtual on Sun, 12/02/2012 - 20:58

P:  A Sociedade tem leis ou cláusulas proibitivas aplicáveis aos teósofos?

T: Muitas, mas nenhuma é obrigatória.   Elas expressam o ideal de nossa organização, mas vemo-nos obrigados a confiar sua aplicação prática à discrição dos membros. Desgraçadamente, tal é o estado mental dos homens no presente século que, se não consentíssemos em deixar que estas cláusulas fossem consideradas, por assim dizer, antiquadas, nenhum homem ou mulher se atreveria a entrar na Sociedade Teosófica. Precisamente por essa razão, vejo-me obrigada a insistir tanto sobre a diferença que existe entre a verdadeira Teosofia e seu laborioso veículo — bem intencionado mas indigno: a Sociedade Teosófica.

 

P: Pode me dizer quais são os perigosos escolhos que se encontram no alto mar da Teosofia?

T: Faz bem em chamá-los escolhos, porque mais de um sincero e honrado M. S. T[1]. já viu esfarelar-se neles sua nave! E, no entanto, parece o mais fácil do mundo evitar certas coisas. Exporei uma série de semelhantes deveres teosóficos negativos, que ocultam os positivos. Por exemplo: nenhum teósofo deve permanecer calado quando ouvir falar mal ou caluniar a Sociedade ou a pessoas inocentes, sejam estas colegas ou não.

 

P: Mas suponha que o que ouça seja verdade, ou possa ser certo sem que alguém o saiba.

T: Então deve pedir provas do que se afirma, e ouvir imparcialmente às duas partes, antes de permitir que a acusação fique impune. Não tem direito de acreditar no mal, até que possua uma prova inegável da exatidão do afirmado.

 

P: E o que se deve fazer nesse caso?

T: Ter compaixão e indulgência; a caridade e a magnanimidade sempre devem encontrar-nos dispostos a desculpar nossos irmãos pecadores, e a julgar o mais benevolamente possível aos que erram. Um teósofo jamais deve esquecer as imperfeições e fraquezas da natureza humana.

 

P: Em tais casos deve perdoar inteiramente?

T: Em todos os casos, particularmente quando a vítima é ele.

 

P: Mas se agindo desse modo expõe-se a ofender outras pessoas, ou consente que se as prejudique, que deve fazer então?

T: Cumprir com seu dever; fazer aquilo que sua consciência e natureza superior o sugeriram, mas depois de madura deliberação. A justiça consiste em não ofender a ser vivente algum; mas também nos impõe não permitir jamais que se prejudique a maioria ou a uma pessoa inocente, consentindo na impunidade do culpado.

 

P:  Quais são as outras cláusulas negativas?

T: Nenhum teósofo deve contentar-se com uma vida ociosa ou frívola, que não o conduza a nenhum bem verdadeiro e não o produza aos demais. Deve trabalhar em benefício daqueles poucos que necessitem de sua ajuda, se se sente incapaz de lutar pela humanidade em geral, trabalhando assim pelo progresso da causa teosófica.

 

P: Isto requer uma natureza excepcional e para certas pessoas seria muito difícil.

T: Então, é melhor não fazer parte da Sociedade Teosófica do que navegar sob uma falsa bandeira. A ninguém se exige dar mais do que possa, seja em devoção, tempo, trabalho ou dinheiro.

 

P:  Que mais?

T: Nenhum teósofo deve dar importância demasiada a seus progressos pessoais nos estudos teosóficos, mas deve estar disposto a trabalhar com todas as forças pelos outros. Não deve deixar que uns poucos trabalhadores leais carreguem todo o peso e responsabilidade do movimento teosófico. Cada membro deveria considerar como seu dever o participar como possa da obra comum, e contribuir nela por todos os meios que estejam a seu alcance.

 

P:  Isto é muito justo; e depois?

T: Um teósofo não deve colocar sua vaidade ou sentimentos pessoais acima dos de sua Sociedade como corporação. Ao que sacrifica a reputação desta, ou a de outras pessoas, à sua vaidade, proveito ou orgulho pessoais, não se deveria consentir continuassem na Sociedade. Um membro canceroso adoece o corpo inteiro.

 

P: É dever de todo membro ensinar e pregar a Teosofia aos demais?

T: Seguramente. Nenhum membro tem o direito de permanecer ocioso, com a desculpa de que sabe muito pouco para ensinar. Porque sempre deve estar seguro de que encontrará outros que sabem ainda menos do que ele. Até que um homem não comece a ensinar aos demais, não descobre sua própria ignorância, e é então que se esforça por combatê-la. Mas esta é cláusula secundária.

 

P: Então qual é o mais importante dos deveres teosóficos negativos?

T: Estar sempre disposto a reconhecer e confessar as próprias faltas. Melhor pecar por um exagerado louvor dos esforços do nosso próximo, do que por uma apreciação insuficiente dos mesmos. Não difamar pelas costas ou caluniar pessoa que não está presente. Dizer sempre aberta e diretamente, cara a cara, os motivos de queixa que se tenham. Jamais fazer eco de qualquer coisa que se ouviu contra uma pessoa, nem alimentar sentimento de vingança contra os que nos ofendem.

 

P: Freqüentemente é se expor, dizer a verdade cara a cara, não lhe parece? Conheço um membro da Sociedade Teosófica que se ofendeu muitíssimo e a abandonou, convertendo-se em seu maior inimigo, somente porque lhe disseram algumas verdades desagradáveis cara a cara, e o censuraram.

T: Destes tivemos muitos. Nenhum membro - seja importante ou insignificante - ao separar-se de nós, deixou de converter-se em inimigo declarado.

 

P: Como se explica isso?

T: Muito simplesmente. Na maioria dos casos, tendo-se consagrado à Sociedade com muito ardor no princípio, prodigalizando a ela os mais exagerados elogios, a única desculpa possível a que pode recorrer um apóstata para explicar sua conduta e sua cegueira, é apresentar-se como vítima inocente enganada, voltando assim contra a Sociedade em geral e a seus chefes em particular as censuras de que foi objeto. Essas pessoas parecem-se com, aquele homem da fábula antiga que tendo a cara torta, quebrou o espelho dizendo que refletia imperfeitamente seu semblante.

 

P: Mas por que motivo atacam a Sociedade?

T: Quase sempre por vaidade ofendida de uma forma ou de outra. Geralmente, porque sua opinião e conselhos não foram considerados como decisivos e de peso; ou porque pertencem a essa classe de pessoas que prefeririam reinar no inferno a servir no céu; em uma palavra: porque não podem suportar o não serem os primeiros em tudo. Por exemplo, um membro — um verdadeiro "Dom Oráculo" — criticava e difamava quase a todo membro da Sociedade Teosófica, dirigindo-se tanto aos teósofos como aos de fora sob pretexto de que todos eram anti-teosóficos, censurando-lhes pelo que ele mesmo estava sempre fazendo. Por fim saiu da Sociedade, alegando sua profunda convicção de que éramos todos (especialmente os fundadores) impostores! Outro, depois de haver tentado por todos os meios possíveis que o colocassem à frente de uma importante seção da Sociedade, vendo que os membros se opunham a isso, voltou suas armas contra os fundadores e converteu-se em seu mais encarniçado inimigo, atacando sempre que podia a um daqueles, simplesmente porque não pôde, nem quis impô-lo aos membros.

Era visivelmente um caso violento de vaidade ofendida. Outro queria praticar magia negra e virtualmente assim o fez, isto é, exercer ilicitamente sua influência psicológica pessoal sobre certos membros, pretendendo praticar ao mesmo tempo a devoção e todas as virtudes teosóficas. Tendo encontrado oposição e como pusemos fim a este estado de coisas, rompeu com a Teosofia; e agora calunia aos chefes do modo mais violento, esforçando-se em destruir a Sociedade, manchando a reputação daqueles que não se deixaram enganar por tão "digno" membro.

 

P:  O que se faz com semelhante gente?

T: Abandoná-los a seu Karma. Porque uma pessoa age mal, não é motivo para que os demais façam o mesmo.

 

P: Voltemos à calúnia. Onde fica a linha de demarcação que separa a difamação da crítica justa? Não é nosso dever colocar nossos amigos e próximos em guarda contra os que sabemos serem associados perigosos?

T: Se deixando impunes a estes pode-se prejudicar a outras pessoas, seguramente é nosso dever evitar o perigo, prevenindo-os. Mas, seja exata ou falsa, jamais se deve propagar entre o público uma acusação contra outra pessoa. Se é certa, e quando apenas o pecador resulta prejudicado, abandona-se ao seu próprio Karma. Se é falsa, então não se terá contribuído para aumentar a injustiça do mundo. Portanto, guarde-se silêncio com relação a essas coisas, com toda pessoa que não esteja diretamente interessada nelas. Mas se a discrição e o silêncio podem prejudicar ou pôr em perigo a outros, então fale-se a verdade a qualquer custo; e digo com Annesly: "Consulta o dever, não os acontecimentos". Existem casos em que por força se terá que exclamar: "Pereça a discrição antes de consentir que se anteponha ao dever".

 

P: Parece-me que, se aplicam essas máximas, uma série de desgostos os esperam.

T: Realmente assim sucede. Temos de reconhecer que nos encontramos agora tão expostos aos insultos como os primeiros cristãos. "Veja quanto se querem esses teósofos uns aos outros!", pode-se dizer agora de nós, sem a menor injustiça.

 

P: Já que admite que existem tantas difamações, calúnias e disputas na Sociedade Teosófica quanto nas Igrejas cristãs, sem contar as sociedades científicas, que classe de fraternidade é essa?

T: Em verdade, uma mostra bem pobre, no presente; e enquanto não se a passar por um crivo e se reorganizar, nada melhor do que as demais. Lembre-se de que a natureza é a mesma na Sociedade Teosófica ou fora dela. Seus membros não são santos, são pecadores que tratam de agir melhor e estão expostos a cair por sua debilidade pessoal. Donde se conclui que nossa "irmandade" não é uma corporação reconhecida ou sancionada, e que se encontra, por assim dizer, à margem da ação jurídica. Além disso, encontra-se em um estado caótico, e é mais injustamente impopular que nenhuma outra associação. Portanto, que há de estranho que aqueles membros incapazes de praticar seu ideal vão em busca de proteção simpática entre nossos inimigos, depois de haver abandonado a Sociedade, confiando a seus ouvidos por demais complacentes, seus ódios e rancores! Sabendo que hão de encontrar auxílio, simpatia e uma credulidade pronta a admitir toda classe de acusações, por absurdas que sejam, que lhes convenha lançar contra a Sociedade Teosófica, apressam-se a fazê-lo, e descarregam sua ira contra o inocente espelho que com demasiada fidelidade refletiu suas faces. Uma pessoa jamais perdoa àqueles a quem ofendeu. O sentimento da bondade recebida e paga com ingratidão a conduz a um furor de justificação pessoal ante o mundo e ante sua própria consciência. Ao mundo falta tempo para crer qualquer coisa que se lhes conte contra uma Sociedade que odeia. E, quanto à própria consciência... mas não quero concluir mais, temendo haver falado já em demasia.

 

P:  Não me parece muito invejável sua posição.

T: Efetivamente não é. Mas não acredita que algo muito nobre, muito elevado, muito verdadeiro, há de existir no fundo da Sociedade e de sua filosofia, quando ainda continuam trabalhando por ela com todas as suas forças os chefes e fundadores do movimento? Sacrificam por ela todo bem-estar, toda prosperidade mundana, todo êxito, seu bom nome e reputação, e até sua própria honra, para ser em troca objeto de murmurações incessantes, da perseguição implacável, da calúnia obstinada, da ingratidão constante; para ver que seus mais nobres esforços são mal interpretados, e para receber ofensas de toda parte; quando abandonando sua obra se livrariam imediatamente de toda responsabilidade e se veriam escudados contra todo novo ataque.

 

P: Confesso que me parece assombrosa tanta perseverança e não compreendo a razão de tantos sacrifícios.

T: Acredite: não será por benefício pessoal; unicamente pela esperança de ensinar a uns poucos indivíduos a trabalhar em nossa obra pela humanidade, conforme o plano original, no dia em que estiverem mortos os fundadores. Estes já encontraram umas poucas almas nobres e leais para preencher seus postos. Graças a estes poucos, as gerações vindouras encontrarão o caminho que conduz à paz, algo mais livre de espinhos e abrolhos; o caminho mais aberto; e assim tantos sofrimentos terão produzido bons resultados, e seu próprio sacrifício não terá sido em vão. Agora, o objetivo principal, fundamental da Sociedade, é espalhar sementes nos corações dos homens, sementes que podem germinar a seu tempo, e, sob circunstâncias mais propícias, levar-nos a uma reforma saudável, capaz de oferecer às massas maior felicidade que a que até agora conheceram.



[1] Membro da Sociedade Teosófica.

 

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