Tudo o que há de organizado neste mundo, as coisas visíveis como as invisíveis, tem um elemento que lhe é próprio. O peixe vive e respira na água; a planta consome o gás carbónico, que nos animais e nos homens produz a morte; alguns seres foram feitos para viver em camadas rarefeitas de ar, outros existem apenas nas mais densas. A vida, para alguns, depende da luz do Sol; para outros, da escuridão; e é assim que a sábia economia da Natureza adapta uma forma viva a cada condição de existência. Essas analogias permitem concluir não só que não existe uma porção desocupada na Natureza universal, mas também que para cada coisa que tem vida são fornecidas condições especiais, e, tendo sido fornecidas, elas são necessárias. Assim, admitindo-se que há um lado invisível, as condições fixas da Natureza autorizam a conclusão de que essa metade está ocupada, como também a outra; e de que cada grupo de seus ocupantes está provido das condições indispensáveis de existência. O fato de que há espíritos implica que haja uma diversidade de espíritos; pois os homens diferem, e os espíritos humanos são apenas homens desencarnados.
Dizer que todos os espíritos são semelhantes, ou foram feitos para viver na mesma atmosfera, ou que possuem poderes iguais, ou são governados pelas mesmas atrações - elétricas, magnéticas, ódicas, astrais, não importa quais -, é tão absurdo quanto dizer que todos os planetas têm a mesma natureza, ou que todos os animais são anfíbios, ou que todos os homens podem ser alimentados com a mesma comida. Muitíssimo mais razoável é supor que, dentre os espíritos, as naturezas mais grosseiras descerão às alturas mais profundas da atmosfera espiritual - em outras palavras, estarão mais próximas da Terra. Ao contrário, as mais puras estarão mais longe.
Porfírio apresenta-nos alguns fatos repugnantes cuja veracidade está consubstanciada na experiência de todo estudioso de Magia. "Tendo a alma", diz ele, "mesmo após a morte, uma certa afeição pelo seu corpo, uma afinidade proporcional à violência com que a sua união foi rompida, vemos muitos espíritos errando em desespero em torno dos seus restos terrestres; vemo-los até mesmo procurando ansiosamente os restos pútridos de outros cadáveres e se recreiam no sangue recentemente vertido que parece infundir-lhes, por um momento, vida material.
"Os deuses e os anjos", diz Jâmblico, "aparecem-nos na paz e na harmonia; os demônios maus fazem com que tudo se agite em confusão. (...) Quando às almas comuns, nos aparecem mais raramente, etc."
"A alma humana (o corpo astral) é um demônio que a nossa linguagem pode chamar gênio", diz Apuleio. "E um deus imortal, embora, em certo sentido, tenha nascido ao mesmo tempo que o corpo em que ela se encontra. Em conseqüência, podemos dizer que morre no mesmo sentido que dizemos que nasce".
"A alma nasce neste mundo depois de deixar outro mundo (anima mundi), em que a sua existência precede aquela que conhecemos (na Terra). Assim, os deuses que consideram a sua conduta em todas as fases das várias existências e em seu conjunto punem-na às vezes por pecados cometidos durante uma vida anterior. Ela morre quando se separa de um corpo em que atravessou a sua vida como num barco frágil. E este é, se não me engano, o significado secreto da inscrição tumular, tão simples para o iniciado: `Aos deuses manes que viveram'. Mas essa espécie de morte não aniquila a alma; apenas a transforma num lêmure. Os lêmures são os manes ou fantasmas, que conhecemos sob o nome de lares. Quando eles se distanciam e nos propiciam uma proteção benéfica, nós honramos nelas as divindades protetoras do fogo doméstico; mas, se os seus crimes as sentenciam a errar, chamamo-los estão larvas. Eles se tornam uma praga para o perverso e o vão terror dos bons."
Seria difícil tachar de ambigüidade essa linguagem, e, apesar disso, os reencarnacionistas citam Apuleio em apoio de sua teoria de que o homem passa por uma sucessão de nascimentos humanos físicos nesse planeta até que finalmente seja purgado das impurezas da sua natureza. Mas Apuleio diz muito claramente que chegamos a este mundo vindo de um outro, onde tivemos uma existência cuja lembrança perdemos. Da mesma maneira que um relógio passa de mão em mão e de sala em sala da fábrica, uma parte sendo acrescentada aqui e outra ali, até que a delicada máquina esteja perfeita, de acordo com o plano concebido na mente do mestre antes que a obra fosse iniciada - assim também, de acordo com a Filosofia antiga, a primeira concepção divina do homem toma forma pouco a pouco, nos muitos departamentos do ateliê universal, e o ser humano perfeito finalmente aparece em nossa paisagem.
Esta filosofia ensina a Natureza nunca deixa inacabada a sua obra; se frustra na primeira tentativa, ela tenta novamente. Quando ela faz evoluir um embrião humano, a intenção é que o homem se torne perfeito - física, intelectual e espiritualmente. O seu corpo deve crescer, amadurecer, desgastar-se e morrer; a sua mente deve expandir-se, amadurecer e ser harmoniosamente equilibrada; o seu espírito divino deve iluminar e confundir-se facilmente com o homem interior. Nenhum ser humano completa o seu grande círculo, ou o "círculo da necessidade", até que tudo isso não tenha sido feito. Assim como os retardatários de uma corrida lutam e se fatigam logo no início enquanto o vitorioso atinge o seu objetivo, assim também, na corrida da imortalidade, algumas almas ultrapassam em velocidade todas as outras e chegam ao fim, enquanto as miríades de seus competidores lutam sob o fardo da matéria, próximo da reta de partida. Algumas, desafortunadas, caem, abandonam a corrida e perdem toda oportunidade de ganhar o prêmio; outras levantam-se e empenham-se de novo na corrida. É isso o que o hindu teme sobre todas as coisas - a transmigração e a reencarnação em formas inferiores, mas contra esta contingência lhes deu Buddha remédio no menosprezo dos bens terrenos, a restrição dos sentidos, o domínio das paixões e a contemplação espiritual ou freqüente comunhão com Âtman ou a alma.