A mediunidade

Submitted by Mauricio Medeiros on Sat, 05/12/2012 - 02:03
mediunidade
Muitos de nós iniciaram sua caminhada dentro do estudo teosófico após algum tempo envolvidos em uma religião ou doutrina. Várias dessas religiões e doutrinas incluem elementos tratados de forma genérica como "mediunidade", ou possuem opiniões formadas a esse respeito, mesmo não utilizando-a em seus rituais ou ensinamentos. Dentro do contexto dessas religiões, temos um relacionamento bastante definido com a mediunidade e com habilidades psíquicas em geral.
 
Isso torna importante nivelar o conhecimento que temos sobre o assunto, evitando confusões que seriam inevitáveis ao tentar transpor a nomenclatura dada e as formas como as diferentes visões tratam o tema para o estudo teosófico. Minha intenção, portanto, não é necessariamente reconciliar as diferentes visões, mas sim estabeler uma base de conhecimento usando como diretriz os ensinamentos teosóficos.
 
Um bom ponto de partida é definirmos o que é mediunidade. E como o nosso "fio condutor" é o conhecimento teosófico, vamos partir das palavras de Leadbeater, retiradas do livro "O que Há Além da Morte":
 
Uma das características do médium é a facilidade com que seus veículos se separam, e por isso ele pode e mesmo deseja assim emprestar seu corpo para o uso temporário por outrém, quando solicitado.
 
É importante notar que não caem nessa classificação de Leadbeater - ao menos não em todos os casos - algumas características que estamos habituados a chamar de mediunidade, como clarividência, clariaudiência e outras formas de percepção extra-sensorial. Vamos, portanto, momentaneamente nos ater às materializações e manifestações físicas. Essas formas de mediunidade não são comum nas grandes religiões ou doutrinas atuais, embora elas tenham sido consideradas características dos grupos espíritas do final do século 19. Porém, mesmo não sendo comuns, elas são importantes para entendermos alguns mecanismos básicos. 
 
Arthur Powell expressa de maneira bastante incisiva e repetitiva no seu livro "O Duplo Etérico" que a mediunidade, assim colocada, é perigosa, e se constitui em um mal funcionamento de nossos corpos sutis:
 
A mediunidade é, em suma, perigosa e, por sorte, relativamente rara; acarreta grande tensão e perturbações no sistema nervoso. Quando o duplo etérico é deslocado, em realidade ele se divide em dois. Não poderia ser inteiramente separado do corpo físico denso, sem disso resultar a morte, porque a força vital, ou prâna, não pode circular sem a presença de matéria etérica. A retirada parcial do duplo é suficiente para deixar o corpo denso em sono letárgico e quase suspender as funções vitais; este perigoso estado é seguido naturalmente de um esgotamento extremo.
 
Um esclarecimento importante para os que não estão familiarizados com as funções do duplo etérico é que através dele é distribuído para o nosso corpo o prâna, ou "energia vital" absorvida do sol. A retirada de matéria etérica de nosso corpo acarreta, portanto, uma diminuição na capacidade de circulação do prâna e da vitalidade disponível para o nosso organismo. Recomendo a leitura do livro "O Duplo Etérico" para um melhor entendimento desse assunto.
 
Powell nos alerta, também, de que o envolvimento em uma sessão dessa natureza não é apenas do médium, mas possivelmente (e inconscientemente) também da audiência:
 
Acontece frequentemente, durante as sessões, que não só é utilizada matéria do duplo etérico do médium, mas também dos assistentes; daí a fadiga muitas vezes sentida pelos frequentadores dessas sessões.
 
Entra as experiências descritas por Leadbeater, vemos casos de materializações onde o médium perdia mais de 10 KG de massa corporal, e a forma materializada alegadamente ganhava um peso equivalente. Isso faz sentido se lembrarmos que matéria etérica é, para todos os fins e efeitos, matéria física, apenas menos densa. A retirada de uma grande parcela de nossa matéria etérica pode ser bastante estressante para nosso organismo.
 
Outro ponto importante é que existe uma íntima relação entre a matéria etérica de nosso corpo e o restante do nosso corpo. Isso está relacionado a outro risco das materializações: os danos causados à forma materializada, quando esta foi constituída com matéria etérica do médium (e não do ambiente, o que exige um nível de controle muito maior), se reflete no corpo do médium. É fácil perceber que, pouco a pouco, essa repercussão no médium se traduzirá em problemas com sua saúde ou mesmo integridade física.
 
Falamos da utilização de matéria etérica, sua importância para nosso organismo, e da repercussão. Com isso temos os principais fatores na envolvidos nas materializações. Outros fenômenos (como produção de sons, movimentação de objetos, etc) são provocados pela materialização de uma forma (que não necessariamente é visível), e pela produção de efeitos físicos através dela, e portanto possuem uma mecânica muito semelhante. Não vou entrar em maiores detalhes a respeito desses fenômenos; o livro citado acima pode ser usado como referência para os que se interessarem. Em lugar disso vou usar uma outra passagem desse livro para chegar a um assunto com um grande apelo para muitos de nós:
 
A maior parte dos "espíritos-guias" sabem muito bem os perigos que correm os médiuns e, para protegê-los, tomam todas as precauções possíveis.
 
Nesse momento é bom fazer uma pausa, respirar, e nos preparar para o que eu acho que é o assunto mais polêmico dentro desse tema: quem são, e como se relacionam conosco, estes "espíritos-guias"? Vejamos inicialmente o que Blavatsky nos diz a respeito do que ocorre após a nossa morte física ("A Chave para a Teosofia"):
 
Quando o homem morre, seus três princípios inferiores - o corpo, a vida e o veículo desta, isto é, o corpo astral ou duplo do homem vivente - deixam-no para sempre. E então, seus quatro princípios - o princípio central ou do meio, a alma animal ou kama-rupa juntamente com aquilo que assimilou de Manas inferior, e a tríade superior - acham-se no kama-loka. Este último é uma localidade astral, o limbo da teologia escolástica, o Hades dos antigos e, estritamente falando, uma localidade apenas em um sentido relativo. Ele nem tem uma área nem limites definidos, mas existe dentro do espaço subjetivo, isto é, está além das nossas percepções sensoriais. Ainda assim existe, e é lá que os eidolons astrais de todos os seres que viveram, animais inclusive, esperam por sua segunda morte. Para os animais, esta vem com a desintegração e o completo desaparecimento até da última de suas partículas astrais. Para o eidolon humano, ela começa quando a tríade Atma-Buddhi-Manas "separa-se", como se diz, de seus princípios inferiores, ou do reflexo de sua ex-personalidade, caindo no estado "devachânico".
 
Depois disso o fantasma kama-rúpico entra em colapso, pois é despojado do princípio pensante que lhe dá forma, Manas superior, e porque o aspecto inferior deste - a inteligência animal - não mais recebe luz da mente superior, e não mais possui um cérebro físico através do qual possa atuar.
 
Segundo Blavatsky, é essa "não-entidade" (no que diz respeito aos poderes de racionalização e pensamento) que se materializa nas sessões mediúnicas anteriormente citadas. Além disso, atraída magneticamente por algum médium, pode ser temporariamente reanimada, raciocinando e falando através do cérebro do médium ou das pessoas presentes. Porém notem que o Ego já separou-se dessa entidade, e portanto tudo que nos indivualiza não está mais associado a ela.
 
Mas Blavatsky cita duas situações onde podemos ter contato com a personalidade que partiu, ainda em contato com o Ego, e portanto, ainda a entidade que conhecemos enquanto encarnada:
 
Sim, há um caso, e mesmo duas exceções a essa regra. A primeira é durante os poucos dias que se seguem imediatamente à morte de uma pessoa, e antes que o Ego passe para o estado "devachânico". Mas se qualquer mortal vivo foi muito beneficiado pelo retorno do espírito ao plano objetivo, é uma outra questão. Salvo alguns casos excepcionais em que a intensidade do desejo daquele que morreu de retornar para algum propósito específico, forçou a consciência superior a permanecer desperta e, portanto, o "espírito" que se comunicou foi de fato a individualidade. O espírito fica atordoado após a morte, e cai muito cedo naquilo que chamamos "inconsciência pré-devachânica". A segunda exceção é encontrada nos Nirmanakayas.
 
Uma observação: Blavatsky se referiu como "corpo astral" ao que hoje chamamos de duplo etérico. No parágrafo acima, "o corpo" é o corpo físico, "a vida" é o prana e o "corpo astral" é nosso duplo etérico. Vários termos "modernos" da teosofia foram definidos por Annie Besant; é importante ter essas diferenças em mente ao ler textos mais antigos.
 
No texo acima, Blavatsky confirma a crença de que um espírito recém desencarnado pode entrar em contato com seus familiares, por exemplo. Porém - idealmente - em pouco tempo esse espírito cai em um estado de inconsciência, até que penetra no devachan, que é o "paraíso" católico. 
 
Quando chega ao devachan, o espírito não mais se comunica com quem está encarnado. O estado devachânico para o ser humano comum basicamente é um estado de sonho. Aquele que está no devachan vive o ciclo intermediário entre duas encarnações rodeado de tudo que havia desejado, e de todos que amou na Terra. O estado devachânico é um esquecimento absoluto de tudo que provocou dor ou tristeza na encarnação anterior.
 
Nirmanakayas são aqueles que, embora tenham obtido o direito ao ao Nirvana e ao descanso cíclico (não o devachan, pois este é puramente uma ilusão) renunciaram ao estado nirvânico. Tal Adepto, acreditando ser um ato egoista abandonar a Terra, onde outros ainda padecem do sofrimento causado pela ignorância, permanece aqui em espírito. Estes seres podem comunicar-se, e o fazem, porém certamente não com médiuns comuns.
 
Leadbeater assumiu uma posição bastante diferente de Blavatsky no que diz respeito a esse assunto. Durante anos, investigou os fenômenos mediúnicos, e segundo relatou, teve uma experiência muito mais positiva.
 
Ele ensina, por exemplo, que é possível aprender muito, após a morte física, com as experiências do plano astral - Blavatsky, nesse ponto, defende que o ideal é que a "segunda morte" ocorra o quanto antes. Além disso, Leadbeater afirma ser possível a comunicação com uma entidade que está no devachan. Nesse caso, o médium é que se eleva ao devachan, e ali se comunica com a entidade, e ao retornar, traz consigo a lembrança dessa comunicação. É desnecessário dizer o quão difícil isso é na prática; para ter consciência completa no plano mental, e para conseguir trazer a lembrança até o plano físico, o médium precisaria ser um Adepto ou estar próximo disso. Em verdade, Blavatsky também diz ser possível a um ser humano encarnado elevar sua consciência até o devachan e ali entrar em contato com uma entidade. Porém, ela nos lembra que devido ao estado de consciência de uma entidade no devachan, não se pode confiar plenamente nas experiências obtidas dessa forma; podemos no máximo entendê-las como aquilo que a entidade pensa, vê e sente - essencialmente, uma ilusão.
 
De forma geral, Leadbeater nos diz que individualidades no plano astral ou mental podem ser contactadas, e que as entidades no plano astral podem inclusive tentar iniciar esses contatos. Por entidades, aqui, falo tanto de humanos desencarnados como de elementais e outros habitantes do plano astral.
 
Um alerta deve ser dado no que diz respeito a essas comunicações: é praticamente impossível distinguir que tipo de entidade está se manifestando - e existe uma pletora de entidades no plano astral. Existe o risco, por exemplo, de estarmos em contato com o que Leadbeater chamou de um "cascão", que não passa de um cadáver astral, ou pior, um "cascão vitalizado", que é esse cadáver astral animado por algum elemental, e que sempre possui uma influência maléfica.
 
Leadbeater coloca esse alerta de maneira muito clara no livro "O Plano Astral":
 
Frequentemente é o "espírito" manifestante exatamente aquilo que ele se declara, mas é também frequente não ser nada daquilo, e o assistente comum não dispõe, absolutamente, de meios para distinguir o verdadeiro do falso. Por outro lado, a extensão dos recursos do plano astral que a entidade tem ao seu dispor para enganar uma pessoa do plano físico é tão vasta, que nenhuma confiança se pode depositar mesmo no que se afigura a prova mais convincente.
 
Se o manifestante se apresenta como o irmão há muito tempo perdido de alguém, este não pode ter nenhuma certeza da exatidão dessa apresentação. Se o manifestante lhe conta algum fato conhecido só dele e de seu irmão, continuará não convencido, pois sabe que o comunicante poderia ter lido a informação em sua própria mente ou na luz astral circundante. Mesmo que o manifestante avance mais e lhe conte algo ligado a seu irmão mas ignorado por ele, que depois o constata, ainda subsiste a dúvida, pois compreende que mesmo isso poderia ter sido lido nos arquivos astrais, que o que o comunicante vê seja apenas a sombra ou despojo de seu irmão, cuja memória possui porém sem ser o mesmo.
 
Para compreender melhor os tipos de entidades existentes nesse plano, recomendo a leitura do livro "O Corpo Astral", de Arthur Powell. Ele sintetiza uma grande quantidade de informações, e portanto é ótimo para ter uma visão ampla do assunto.
 
Vamos falar agora de uma prática muito comum em doutrinas espíritas, certamente vivenciada por várias pessoas lendo esse artigo: o desenvolvimento do médium. Para isso, precisamos saber o que é a "tela atômica", descrita por Powell no livro "O Duplo Etérico".
 
Como já vimos, a relação entre os chakras do corpo astral e os do duplo etérico é muito estreita. Entre estas duas séries de chakras e interpenetrando-os de maneira muito difícil de descrever, existe uma tela ou filtro de textura muito cerrada, formada de uma só camada de átomos físicos muito comprimidos e permeados de uma variedade especial de prâna.
 
O prâna que passa normalmente do astral ao físico, é tal que pode, com toda a facilidade, atravessar o filtro atômico, porém este opõe uma barreira absoluta a qualquer outra força incapaz de empregar a matéria atômica dos dois planos.
 
O filtro é assim uma proteção, proporcionada pela natureza, a fim de impedir a abertura prematura da comunicação entre os planos astral e físico.
Sem esta sábia previsão, todas as espécies de experiências astrais invadiriam a consciência física, o que para a maioria dos homens só seria prejudicial.
 
Possuimos, portanto, uma proteção natural contra influências indesejadas do plano astral. Porém essa mesma proteção impede ou dificulta a livre comunicação, no homem comum, com as "entidades espirituais". O que se busca, nas sessões de desenvolvimento, é diminuir a eficácia dessa tela atômica, muitas vezes de forma localizada em alguns chakras (plexo solar ou frontal, por exemplo). Embora isso de fato permita uma comunicação mais livre com os "mentores", os danos causados são inegáveis. Além disso, passamos a conviver com diversos riscos, entre eles a influência de outras entidades que não nossos mentores. O enfraquecimento da tela atômica não é seletivo, ele não ocorre apenas para um determinado tipo de entidade. A comunicação é facilitada igualmente para nossos mentores e para nossos obssessores.
 
Os mentores conhecem esses riscos, e em círculos "sérios", de fato tomam diversas precauções para contê-los. Mas não importa que medidas sejam tomadas, a realidade é que são introduzidas falhas em um mecanismo natural, que passam a depender de assistência (dos mentores) ou vigilância (do médium) constante para que não causem danos.
 
Existe uma alternativa para obter esse mesmo resultado, baseada na manutenção da consciência nos diferentes planos, obtida unicamente através do progressivo controle e purificação de nossos corpos. Voltando às palavras de Powell:
 
Como a consciência do homem comum não pode empregar normalmente a matéria atômica pura, tanto física quanto astral, não há possibilidade de comunicação consciente entre os dois planos. No entanto, à medida que ele purifica os seus veículos, capacita-se para atuar na matéria atômica e então estará apto para transportar sua consciência diretamente de um nível atômico a outro. Neste caso, a tela atômica se mantém em uma posição e atividade, permitindo que a consciência passe de um plano a outro, e ao mesmo tempo preenchendo sua finalidade de impedir contatos íntimos com os subplanos inferiores, donde podem advir muitas influências indesejáveis.
 
Dentro do estudo teosófico, portanto, não se assume outra possibilidade senão o desenvolvimento progressivo de nossos corpos e nossa evolução como seres humanos. Não se deve buscar o aumento de sensibilidade ou a manutenção da consciência como metas, mas sim aguardar que essas coisas se manifestem naturalmente, e utilizá-las como ferramentas em nosso trabalho pela humanidade.
 
O que fazer, porém, quando já estamos em uma situação onde nossa tela atômica está enfraquecida?
 
A principal recomendação sem dúvida é se manter vigilante e procurar conhecer técnicas de proteção. Uma bastante simples é imaginar uma luz, fulgurante, verde e rósea, originando-se no plexo solar e espalhando-se como uma capa protetora por todo o corpo. Podemos também construir conchas e escudos protetores, como descrito no livro "O Duplo Etérico".
 
Existem ainda diversos aspectos da mediunidade que são característicos de cada religião, e para os quais não é simples traçar um paralelo com o ensinamento teosófico. Nesses casos, a melhor recomendação é buscar solidificar o conhecimento através do estudo e aplicá-lo através da intuição onde não for possível a análise puramente racional. Também não falamos com mais detalhes das habilidades psíquicas; trataremos esse assunto em outro artigo.
 
O assunto é extenso, e aqui foi dado apenas um panorâma do que a teosofia tem a dizer. Apenas a leitura cuidadosa dos livros citados e a observação diária podem nos dar uma dimensão melhor desse tema. 
 

 

Outras páginas interessantes:

Member for

11 years 7 months

Esoestudos

Sun, 03/24/2013 - 18:18

O intercâmbio entre o plano das formas e o extrafísico imediato, qual seja, o plano etérico inferior, dá-se vulgarmente através da mediunidade em atividades desenvolvidas em centros espíritas e seus assemelhados, notadamente os terreiros de umbanda e candomblé, além de outros. Mesmo no âmbito do Espiritismo é de se destacar que em O Livro dos Médiuns Kardec alardeia que aos médiuns é (ou deveria ser) imprescindível o estudo e o domínio integral de si mesmo em termos de conduta física e mental.

De fato a mediunidade é um perigo, mas o é fatalmente a quem dela se serve sem a correspondente preparação em termos de conduta e de elevação de si perante o Cosmos. Infelizmente as práticas tornaram-se massivas e sem a educação necessária.

De qualquer modo, os Mestres vêm canalizando informações preciosas desde sempre. Separemos o joio do trigo, portanto, bem delineando que a prática vulgar não invalida o fenômeno. Ademais, conquanto não seja propriamente um fenômeno mediúnico, a simples inspiração (bastas vezes sob o vel de uma mera intuição) comumente se dá tanto para uma boa como para uma má realização.