Clemente descreve Basilides, o gnóstico, como "um filósofo devotado à contemplação das coisas divinas". Essa muito apropriada expressão poderia ser aplicada a muitos fundadores das seitas mais importantes que mais tarde foram englobadas numa única - esse estupendo composto de dogmas ininteligíveis forjado por Irineu, Tertuliano, e outros, que agora recebe o nome de Cristianismo. Se tais seitas devem ser chamadas de heresias, então o Cristianismo primitivo deve ser incluído entre elas. Basilides e Valentino precederam a Irineu e Tertuliano; e os dois últimos padres tiveram menos fatos do que os dois primeiros gnósticos para mostrar que sua heresia era plausível. Nem o direito divino, nem a verdade asseguraram o triunfo de seu Cristianismo; apenas o destino lhes foi favorável. Podemos afirmar, com toda razão, que não há nenhuma de todas essas seitas - o Cabalismo, o Judaísmo, e inclusive o nosso atual Cristianismo - que não tenha nascido dos dois ramos principais desse tronco-mãe, a outrora religião universal, que precedeu a época védica - falamos do Budismo pré-histórico que se fundiu mais tarde no Bramanismo.
A religião que mais se assemelhou aos ensinamentos dos poucos numerosos apóstolos primitivos - religião pregada pelo próprio Jesus - [e a mais antiga de ambas, o Budismo. Este, tal como foi ensinado em sua pureza primitiva, e levado à perfeição pelo último dos Buddhas, Gautama, baseava sua ética moral em três princípios fundamentais. Ele afirmava: 1º: que todas as coisas existem como resultado de causas naturais; 2º: que a virtude acarreta a sua própria recompensa, e o vício e o pecado sua própria punição, e o 3º: que o estado do homem neste mundo é de provação. Neste três princípio se fundamentam todos os credos religiosos, que podem resumir-se em Deus e a imortalidade individual do espírito. Apesar da confusão dos dogmas teológicos posteriores; apesar da aparente incompreensibilidade das abstrações metafísicas que convulsionam a Teologia de cada uma das grandes religiões da Humanidade, assim que estas forem estabelecidas em base seguras, descobrir-se-á que a religião acima mencionada é a essência de toda filosofia religiosa, com exceção do Cristianismo moderno. Foi ela a religião de Zoroastro, de Pitágoras, de Platão, de Jesus, e mesmo de Moisés, embora os ensinamentos do legislador judeu tenham sofrido piedosas falsificações.
Faremos um breve estudo das numerosas seitas que se reconheceram a si mesma como cristã; quer dizer, que acreditaram num Cristos, ou num UNGIDO. Procuraremos também explicar esta última expressão do ponto de vista cabalístico, mostrando-lhe o reaparecimento em todo sistema religioso. Seria proveitoso, ao mesmo tempo, observar até que ponto os primeiros apóstolos, Paulo e Pedro, concordavam em suas pregações sobre a nova Revelação.
Muitas e boas obras foram escritas recentemente, refutando essa absurda pretensão. Entre outras, assinalamos The Christ of Paul, que a demole de modo muito engenhoso. O autor prova: 1º:que nenhuma Igreja foi estabelecida em Roma antes do reino de Antônio, o Pio; 2º: que, como Eusébio e Irineu concordam em que Lino foi o segundo Bispo de Roma, em cujas mãos "os abençoados apóstolos" depuseram a Igreja após havê-la fundado, isto só pode ter ocorrido entre os anos 64 e 68; 3º: que esse intervalo de anos caiu durante o reino de Nero, pois Eusébio afirma que Lino manteve seu ofício durante doze anos, tendo começado seu episcopado em 69, um ano após a morte de Nero, e vindo a morrer em 81. Em seguida, o autor prova, com argumentos irrefutáveis, que Pedro não poderia estar em Roma no ano 64, uma vez que se encontrava então na Babilônia, de onde escreveu sua primeira epístola, cuja data é fixada, pelo Dr. Lardner e outros críticos, nesse exato ano. Mas acreditamos que o seu melhor argumento consiste na prova de que não estava no caráter do covarde Pedro arriscar-se numa vizinhança tão estreita com Nero, que "alimentava as feras do Anfiteatro com a carne e os ossos dos cristãos" àquela época.
Talvez a Igreja de Roma não tenha estado de acordo ao escolher como seu fundador titular o apóstolo que negou por três vezes o seu Mestre no momento de perigo; e que, além disso, com exceção de Judas, provocou o Cristo de tal modo a ponto de receber o epíteto de "Inimigo". "Afasta-te de mim, SATÃ", exclama Jesus, reprovando o insultuoso apóstolo. (Marcos, VIII, 33).
Existe uma tradição grega que jamais foi aceita no Vaticano. Essa Igreja remonta sua origem a um dos chefes gnósticos - Basilides, talvez -, que viveu sob Trajano e Adriano, ao fim do século I e início do II. No que respeita a essa tradição particular, se o gnóstico é Basilides, então deveremos aceitá-lo como uma
autoridade suficiente, pois ele pretende ter sido discípulo do Apóstolo Mateus, e pupilo de Gláucias, este um discípulo do próprio São Pedro. Se o relato que se lhe atribui é autêntico, o Comitê Londrino para a Revisão da Bíblia faria bem em acrescentar um novo capítulo aos Evangelhos de Mateus, Marcos e João, contando a história da negação de Cristo por Pedro.
A tradição de que estamos falando afirma que, quando, apavorado pela acusação do servidor do sumo-sacerdote, o apóstolo negou por três vezes o seu Mestre, e o galo cantou, Jesus, que então atravessava a galeria sob a guarda dos soldados, virou-se e, encarando a Pedro, disse: “Em verdade, Pedro, eu te digo que me negarás por todos os séculos vindouros, e jamais pararás enquanto não te tornares velho, e estenderás as mãos e um outro te cingirá e te levará para onde não queres” (João XXI, 18.). A última parte desta sentença, dizem os gregos, está relacionada com a Igreja, e profetiza a sua constante apostasia de Cristo, sob a máscara da falsa religião. Mais tarde, a passagem foi inserida no cap. XXI de João, mas todo esse capítulo foi denunciado como falsificação, antes mesmo de se ter descoberto que esse Evangelho jamais foi escrito em suma pelo Apóstolo João.
O simples fato de que Pedro permaneceu até o fim como um "apóstolo da circuncisão" fala por si mesmo. Quem quer que tenha edificado a Igreja de Roma, não foi Pedro. Se fosse esse o caso, os sucessores desse apóstolo deveriam se submeter à circuncisão, ao menos por amor à fidelidade, e para mostrar que as afirmações dos Papas não carecem de fundamento. O Dr. Inman afirma que o relato diz que "em nossos tempos cristãos, os Papas devem ser perfeitos em sua vida privada", mas não sabemos se eles devem se submeter às exigências da lei levítica judaica. Os primeiros quinze bispos cristãos de Jerusalém, a começar de Tiago e incluindo Judas, foram todos judeus circuncidados.