O significado do Deus encarnado

Enviado por Estante Virtual em sex, 23/11/2012 - 00:53
Tudo isso aponta inegavelmente para o fato de que, com exceção de alguns raros autodenominados cristãos que posteriormente triunfaram, toda a porção civilizada dos pagãos que conheciam Jesus honrava-o como um filósofo, um adepto a quem colocavam no mesmo nível de Pitágoras e Apolônio. Donde então essa veneração de sua parte por um homem simples, tal como o representam os sinóticos, um carpinteiro judeu pobre e desconhecido de Nazaré? Enquanto Deus encarnado, tudo o que se diz a seu respeito não resiste ao exame crítico da ciência; enquanto um dos maiores reformadores, inimigo inveterado de todo dogmatismo religioso, perseguidor do fanatismo, mestre de um dos mais sublimes códigos de ética, Jesus é uma das maiores e mais bem-definidas figuras no panorama da história humana. Sua época se perde, gradualmente, nas nuvens do passado; sua teologia, baseada na fantasia humana e sustentada por dogmas indefensáveis, pode, ou melhor, deve perder a cada dia um pouco mais de seu imerecido prestígio; só a grande figura do reformador moral e do filósofo, longe de empalidecer, se torna a cada século mais pronunciada e mais bem-definida. Ela reinará suprema e universal até o dia em que toda a Humanidade reconhecer apenas um pai - o DESCONHECIDO, no alto - e apenas um irmão - toda a Humanidade, embaixo.
 
Numa carta atribuída a Lêntulo, senador e conhecido historiador, endereçada ao senado romano, acha-se uma descrição da aparência pessoal de Jesus. A carta em si, escrita em péssimo latim, passa por ser uma evidente falsificação, mas nela encontramos uma expressão que sugere muitos pensamentos. Embora falsa, é evidente que aquele que a inventou procurou não obstante seguir estritamente uma tradição. Assim, os cabelos de Jesus são representados como "ondulados e crespos" (...) caindo-lhe sobre os ombros, e "separados ao meio segundo o costume dos nazarenos". Esta última frase mostra: 1º: Que havia uma tradição, baseada na descrição bíblica de João Batista, o nazaria, e dos costumes dessa seita. 2º: Se Lêntulo tivesse sido o autor dessa carta, é difícil acreditar que Paulo nunca tivesse ouvido qualquer menção a ela; e se este tivesse conhecimento de seu conteúdo, ele jamais teria afirmado que é uma vergonha para os homens ter os cabelos longos, infamando assim ao seu Senhor e Deus Cristo. 3º: Se Jesus tivesse os cabelos longos e "separados ao meio, segundo o costume dos nazarenos" (assim como João, o único de seus apóstolos que seguia tal costume), então teríamos mais uma boa razão para dizer que Jesus deve ter pertencido à seita dos nazarenos, motivo pela qual foi chamado de NAZARIA e não por que era habitante de Nazaré, pois aqueles nunca tinham os cabelos longos. O nazireu que se consagrava ao Senhor "não permitirá que a navalha lhe passe pela cabeça". "Ele será sagrado e deixará crescer livremente os cabelos", diz Números (VI,5). Sansão era um nazireu, e.i., consagrado ao serviço de Deus e nos cabelos estava a sua força. "Sobre a sua cabeça não passará navalha, porque o menino será nazireu de Deus desde o ventre da mãe" (Juizes, XIII, 5). Mas a conclusão final a inferir disso é a de que Jesus, que tanto se opôs a todas as práticas judias, não deixaria o cabelo crescer se não pertencesse a essa seita, que nos dias de João Batista já se havia tornado uma heresia aos olhos do Sanhedrin. O Talmude, ao falar dos nazareus ou nazarenos (que abandonavam o mundo, como os iogues e os eremitas hindus), chama-os de seita de médicos, de exorcistas errantes; o mesmo faz Jervis. "Eles percorriam o país, vivendo de esmolas e realizando curas." Epifânio diz que os nazarenos se aproximavam tanto quanto à heresia dos Coríntios, pois, embora possam ter existido "antes ou depois destes, eles são não obstante sincrônicos"; e acrescenta: "todos os cristãos naqueles tempos eram igualmente chamados nazarenos"!

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