A expressão "Sois deuses", que, para os nossos estudiosos bíblicos é uma mera abstração, tem para os cabalistas um significado vital. Todo espirito imortal que se irradia sobre um ser humano é um Deus - o Microcosmo do Macrocosmo, parte e parcela do Deus Desconhecido, a Causa Primária de que ele é uma emanação direta. Possui todos os atributos de sua fonte original. Entre esses atributos estão a onisciência e a onipotência. Dotado de tais atributos, mas incapaz de manifestá-los enquanto está no corpo, durante cujo período são obscurecidos, velados e limitados pelas faculdades da natureza física, o homem habitado pela divindade pode elevar-se muito acima de seus semelhantes, pôr em evidência seus conhecimentos divinos e fazer prova de poderes deificos; pois, enquanto o resto dos mortais ao seu redor são ensombrecidos por seu EU divino, com todas as possibilidades de se tornarem imortais durante sua estada aqui, mas sem outra certeza do que seus esforços pessoais para conquistar o reino dos céus, o homem assim eleito já se tornou imortal enquanto está na Terra. Seu prêmio está assegurado. Doravante, ele viverá para sempre na vida eterna. Não apenas ele pode ter "domínio" sobre todas as obras da criação empregando a "excelência" do NOME (o inefável), mas será nesta vida, não, como Paulo afirma, "abaixo dos anjos". (Essa contradição, que é atribuída a Paulo em Hebreus, fazendo-o dizer a propósito de Jesus no cap. I, 4: "Sendo tão superior aos anjos", para afirmar imediatamente a seguir, no cap. II, 9: "Vemos a Jesus, que fora feito, um pouco menor que os anjos", mostra a forma pouco escrupulosa com que os escritos dos Apóstolos foram tratados, se é que estes jamais escreveram o que quer que fosse.)
Os antigos jamais sustentaram o pensamento sacrílego de que tais entidades perfeitas eram encarnações do Supremo, do Deus para sempre invisível. Nenhuma profanação da terrível Majestade ocupava qualquer lugar em suas concepções. Moisés e seus protótipos e tipos eram para eles apenas homens completos, deuses sobre a Terra, pois seus deuses (espíritos divinos) haviam penetrado seus tabernáculos santificados, os corpos físicos purificados. Os antigos chamavam deuses aos espíritos desencarnados dos sábios e heróis. Daí a acusação de politeísmo e de idolatria por parte daqueles que foram os primeiros a antropomorfizar as abstrações mais sagradas e mais puras de seus ancestrais.
O sentido real e oculto dessa doutrina era conhecido por todos os iniciados. Os tannaim o comunicaram aos seus eleitos, os ozarim, nas solenes solidões das criptas e dos lugares desertos. Essa doutrina era esotérica e zelosamente guardada, pois a natureza humana era então igual à que é hoje, e a casta sacerdotal confiava tanto como hoje na supremacia de seu conhecimento, ambicionando a ascendência sobre as massas ignorantes; com a diferença, talvez, de que seus hierofantes podiam provar a legitimidade de suas afirmações e a plausibilidade de suas doutrinas, ao passo que hoje os fiéis devem se contentar com a fé cega.
Enquanto os cabalistas chamavam a essa misteriosa e rara ocorrência da união do espírito com o ônus mortal confiado ao seu cuidado, de "descida do Anjo Gabriel" (sendo este um nome genérico), o Mensageiro da Vida, e o anjo Metatron, e enquanto os nazarenos chamavam de Hibil-Ziwa o Legatus enviado pelo Senhor Excelso, ele era universalmente conhecido como o "Espírito Ungido".
Foi, portanto, a aceitação dessa doutrina que levou os gnósticos a firmarem que Jesus era um homem ensombrecido pelo Cristos, ou Mensageiro da Vida, e que seu lancinante grito na cruz, "Eloi, Eloi, lama shâbahthani", lhe foi arrancado no instante em que sentiu que essa inspiradora Presença o havia finalmente abandonado, pois - como alguns o afirmaram - sua fé também o abandonara quando estava na cruz.
Os primeiros nazarenos, que devem ser alinhados entre as seitas gnósticas, embora acreditando que Jesus era um profeta, sustentavam a seu respeito a mesma doutrina do "ensombrecimento" divino de certos "homens de Deus", enviados para a salvação das nações, e para chamá-las ao caminho do bem. "A mente divina é eterna, e é para luz, disseminada através de esplêndido e imenso espaço (pleroma). É a Geradora dos Aeons. Mas um destes se transforma em Matéria [Caos] produzindo movimento confusos (turbulentos); e por meio de uma parte da luz celeste ele a conformou numa boa constituição para o uso, mas foi o começo de todo o mal. O Demiurgo [da matéria] reclamou as honras divinas. Por conseguinte, Cristo ("o ungido"), o príncipe dos Aeôns [poderes] (expeditus), e, tomando a forma de um devoto judeu (Iesu), deveria conquistá-lo, mas, pondo-o [o corpo] de lado, partiu para as alturas". ("Segundo os nazarenos e os gnósticos, o Demiurgo, o criador do mundo material, não é o Deus supremo", (ver Dunlap, Sõd, tehn Son of the Man.) Explicaremos mais adiante o pleno significado do nome Cristos e o seu sentido místico.