Que é Karma?

Enviado por Estante Virtual em dom, 02/12/2012 - 20:46

P:  Mas o que é Karma?

T: Como já disse, consideramo-lo como a Lei última do universo, a fonte e a origem de todas as demais leis que existem na natureza. Karma é a Lei infalível que ajusta o efeito à causa, nos planos físico, mental e espiritual do ser. Como nenhuma causa deixa de produzir seu devido efeito — desde a maior até a menor - - desde a perturbação cósmica até o movimento de nossas mãos, e, como o semelhante produz o semelhante, Karma é aquela lei invisível e desconhecida que ajusta sábia, inteligente e eqüitativamente cada efeito a sua causa, fazendo esta remontar até seu produtor. Embora incognoscível sua ação é perceptível.

 

P: Neste caso nos encontramos com o "absoluto", o "incognoscível", e não tem grande valor como explicação dos problemas da vida?

T: Ao contrário. Porque se ignoramos o que Karma é per si, e qual é sua essência, sabemos como age, e podemos definir com exatidão sua forma de ação. Somente ignoramos sua causa última, exatamente como a filosofia moderna que admite que a causa última das coisas é "incognoscível".

 

P: O que pode nos dizer a Teosofía com relação à solução das necessidades mais práticas da humanidade? Que explicação oferece sobre os espantosos sofrimentos e a terrível miséria que prevalecem entre as chamadas "classes inferiores"?

T: Segundo nossa doutrina, todos esses males sociais, a distinção de classes na sociedade e a dos sexos nos assuntos da vida, a distribuição desigual do capital e do trabalho etc., são devidas ao que chamamos Karma.

 

P: Mas, seguramente, todas essas calamidades que parecem cair indistintamente sobre as massas, não serão Karma realmente merecido e individual?

T: Não; seus efeitos não podem ser definidos tão estritamente que nos permita demonstrar que cada meio ambiente individual e as condições particulares de vida em que cada pessoa se encontra, não sejam outra coisa senão Karma retributivo, gerado pelo indivíduo em uma vida anterior. Não se pode perder de vista o fato de que cada átomo está sujeito à lei geral que rege todo o corpo de que faz parte; e aqui entramos mais de cheio na lei kármica.

Não vê que o agregado de Karma individual converte-se no da nação a que esses indivíduos pertencem, e a soma total de Karma nacional é o Karma do mundo? Os males que você citou não são peculiares ao indivíduo ou à nação, são mais ou menos universais, e sobre esta larga base da independência humana, a Lei de Karma encontra sua aplicação legítima e uniforme.

 

P: Isto quer dizer que a Lei de Karma não é necessariamente uma lei individual?

T: Isto é o que digo. Se Karma não tivesse uma esfera de ação ampla e geral, seria impossível que pudesse equilibrar a balança do poder na vida e no progresso do mundo. Entre os teósofos considera-se uma verdade, que a solidariedade e mútua dependência da humanidade é a causa do que se chama Karma distributivo; e esta Lei é a que oferece a solução da grande questão do sofrimento coletivo e de seu alívio. Além disso, uma lei oculta ensina que nenhum homem pode sobrepor-se a seus defeitos individuais, sem elevar, por pouco que seja, à toda a corporação de que faz parte integrante. Da mesma forma como ninguém pode pecar e sofrer sozinho os efeitos do pecado. A separação não existe em realidade; e a maior proximidade a esse estado egoísta, que as leis da vida permitem, está na intenção ou motivo.

 

P: E não existem meios através dos quais se possa concentrar ou reunir, por assim dizer, o Karma distribuüvo ou nacional, e levá-lo à sua realização natural e legítima, sem tanto sofrimento prolongado?

T: Por regra geral, e dentro de certos limites que marcam a época a que pertencemos, não se pode precipitar nem conter a Lei de Karma. Mas tenho certeza de que nunca se cogitou da possibilidade de levá-lo ao fim em nenhum dos dois sentidos. Atente para a seguinte relação sobre uma fase de sofrimento nacional, e diga você mesmo se admitindo o poder ativo do Karma individual, relativo e distributivo, não se pode modificar extensamente e aliviar-se esses males em geral. O que vou ler foi escrito por um salvador nacional; de uma pessoa que, tendo vencido ao eu e livre para eleger, escolheu servir à humanidade carregando todo o peso do Karma nacional, na medida em que são capazes as forças de uma mulher. Eis o que disse:

"Sim, sempre fala a natureza, não acreditam? Só que às vezes fazemos tanto ruído que sufocamos sua voz. Eis por que repousa tanto fugir da cidade e descansar um pouco entre os braços da Mãe. Penso na tarde que, em Hampstead Heath, contemplávamos o pôr-do-sol; mas, ai, entre quanto sofrimento e miséria havia-se posto aquele sol! Ontem uma senhora trouxe-me uma grande cesta de flores silvestres. Pensei que alguma pessoa de minha família do East-End teria mais direito a elas do que eu, e, por isso, levei-as esta manhã a uma escola muito pobre de Whitechapel. Queria que tivessem visto alegrar-se aqueles jovens e pálidos semblantes! Depois fui a uma taberna para pagar um jantar para umas crianças. Estava situada numa ruazinha estreita, cheia de gente irrequieta; havia um, mau-cheiro indescritível que exalavam os peixes, a carne e outros alimentos requentados por um sol que, em Whitechapel, em vez de purificar, corrompe. A taberna era a quintessência de todos os odores. Pastéis de carne inverossímeis a um penny cada, alimentos repugnantes e enxames de moscas; um verdadeiro templo de belzebu! Por toda parte crianças colocavam restos de comida em caçarolas; uma delas, com uma cara parecida à de um anjo, recolhia caroços de cerejas como alimento ligeiro e nutritivo. Voltei para o oeste presa de um forte estremecimento de todos os nervos do corpo, perguntando-me se existe a possibilidade de fazer algo em favor de alguns bairros de Londres, que não seja o afundá-los em um terremoto, salvando a seus habitantes e submergindo-os em algum Leteu purificador, de onde nenhuma recordação pudesse surgir. E então pensei em Hampstead Heath, e meditei. Se por algum sacrifício alguém pudesse adquirir o poder de salvar a essa gente, não valeria a pena reparar no gasto. Mas como compreendem, é necessário que mudem: e como se poderia alcançar isto? Nas condições em que se encontram agora, não se beneficiariam de qualquer ambiente em que se lhes colocasse; e, sem dúvida, em suas atuais circunstâncias continuariam por força se corrompendo. Esta miséria infinita e desesperada e a degradação brutal, que é a um tempo seu resultado e sua causa, partem-me o coração. Sucede como com o plátano: cada galho estende por si mesmo raízes e produz novos ramos. Que diferença entre esses sentimentos e a tranqüila cena de Hampstead! E, sem dúvida, nós que somos irmãos e irmãs destas pobres criaturas, só temos o direito de nos servir dos Hampstead Heaths a fim de adquirir a força necessária para salvar aos Whitechapels". (Assinado com um nome por demais respeitado e conhecido para expô-lo às brincadeiras e ao escárnio.)

 

P: Esta é uma carta bem, triste, embora bonita, e creio que apresenta com dolorosa clareza a ação terrível do que chamam "Karma relativo e distributivo". Mas não vemos nenhuma esperança imediata de alívio fora dê algum terremoto, ou de alguma catástrofe geral?

T: Que direito temos de pensar dessa forma, quando metade da humanidade está em situação de poder aliviar imediatamente as provações que sofrem seus semelhantes? Quando cada indivíduo haja contribuído com tudo o que possa para o bem geral, com seu dinheiro, seu trabalho e seus nobres pensamentos, então, e só então, se modificará a balança do Karma nacional; e até então não temos o direito, nem razão alguma, para dizer que há mais vidas sobre a terra do que as que a natureza pode manter. Às almas heróicas, aos salvadores de nossa raça e nação, está reservada encontrar a causa dessa carga desigual do Karma retributivo; e por meio de um supremo esforço, reajustar a balança do poder, salvando as pessoas de um afundamento moral mil vezes mais desastroso e funesto que a mesma catástrofe física em que você parece ver a única saída possível para tanta miséria acumulada.

 

P: Pois bem: diga-me em termos gerais como vocês descrevem esta Lei de Karma.

T: Nós a descrevemos como uma Lei de ajuste, que tende sempre a restabelecer o equilíbrio no mundo físico e a turbada harmonia no mundo moral. Dizemos que Karma não age sempre neste ou naquele sentido particular, mas sim que sempre o faz de maneira que restabeleça a harmonia e o equilíbrio da balança em virtude da qual existe o universo.

 

P:  Dê-me um exemplo.

T: Darei um completo, mais adiante. Pense em um lago. Cai uma pedra na água e produz ondas que perturbam sua tranqüilidade. Essas ondas oscilam para trás e para frente até que ao fim, graças à operação que os físicos chamam de lei de dissipação da energia, acalmam-se e voltam as águas a seu estado de tranqüilidade. De maneira idêntica procede toda ação em cada plano: uma perturbação na harmonia do universo; e as vibrações produzidas deste modo continuarão oscilando para trás e para frente, se sua área é limitada, até que se restabeleça o equilíbrio. Mas como cada uma dessas perturbações parte de um ponto determinado, está claro que somente se pode restabelecer o equilíbrio e a harmonia, voltando a convergir até àquele mesmo ponto todas as forças postas em movimento a partir dele. Esta é a prova de que as conseqüências dos atos de um homem, assim como as de seus pensamentos, devem reagir todas sobre ele mesmo com a mesma força com que foram postos em ação.

 

P: Mas não encontro nessa Lei nenhum caráter moral. Parece-me igual à simples lei física de que a ação e a, reação são iguais e opostas.

T: Não me surpreende ouvir você dizer isto. Como está gravado nos europeus o costume de considerar a razão e a não-razão, o bem e o mal, como questões, que dependem de um código de lei arbitrário fixado pelos homens ou imposto por um Deus pessoal! Mas nós, os teósofos, dizemos que "bem" e "harmonia" (assim como "mal" e "falta de harmonia"), são sinônimos. Além disso, afirmamos que toda dor e sofrimento são resultado da falta de harmonia, e que a perturbação desta é causa terrível e única do egoísmo, de uma forma ou de outra. Por conseguinte, Karma devolve a cada homem as conseqüências precisas de seus próprios atos, sem levar em conta para nada seu caráter moral; mas uma vez que recebe o que lhe é devido por tudo, é evidente que terá que expiar todos os sofrimentos que haja causado, exatamente da mesma forma que recolherá com júbilo os frutos de felicidade e harmonia que contribuiu para produzir. O melhor benefício que posso fazer para vocês é citar trechos de livros e escritos de alguns teósofos que têm uma idéia correta de Karma.

 

P: Muito bem lembrado, uma vez que sua literatura com relação a este ponto parece-me muito escassa.

T: Em virtude deste ser o ponto mais difícil de nossa doutrina. Há algum tempo escritora cristã nos fez a seguinte objeção:

"Admitindo-se que a doutrina da Teosofia seja correta e que o “homem deva ser seu próprio salvador, deva vencer-se a si mesmo e dominar o mal que existe em sua dupla natureza para conseguir a emancipação de sua alma”; que fará o homem depois de haver abandonado até certo ponto o mal e haver se convertido a uma vida melhor? Como alcançará a emancipação, o perdão ou a anulação do mal que já haja cometido?"

A isto responde, muito oportunamente, o sr. J. H. Conelly, que nada pode fazer com "que a máquina teosófica siga o mesmo rumo que a teológica". Diz assim:

"Que seja possível evitar a responsabilidade individual, não faz parte dos conceitos da Teosofia. Nesta crença não existe o perdão nem a 'supressão do mal já cometido', exceto por meio do castigo adequado a quem faltou, e o restabelecimento da harmonia do universo, turbada pela sua má ação. O mal foi feito e enquanto outros têm que sofrer suas conseqüências, a expiação corresponde ao que o produziu".

"O suposto caso... de que um homem haja abandonado até certo ponto o mal, é o de quem compreendeu que suas ações eram más, e que merecem castigo. Em semelhante reconhecimento é inevitável um sentimento de responsabilidade pessoal, e o sentimento desta responsabilidade terrível, deve estar em proporção exata ao grau de sua 'conversão'. E esta pesa com maior força sobre ele, quando se insiste em que aceite a doutrina da expiação por procuração. Dizem-lhe também que deve se arrepender mas nada é tão fácil como isto. É uma agradável debilidade da natureza humana, a que nos faz arrepender muito facilmente do mal que temos feito, quando nos chamam a atenção sobre ele e depois que sofremos ou desfrutamos de seus resultados. Uma minuciosa análise do sentimento em questão, possivelmente nos demonstrará que nos arrependemos mais da necessidade que pareceu exigir o mal como meio de conseguir nossos fins egoístas, que do próprio mal.

Por atrativa que seja para a inteligência comum a idéia de descarregarmos o peso de nossos pecados 'ao pé da cruz', para o teósofo não tem nenhum valor. Não pode conceber por que o pecador que chegou ao conhecimento de suas culpas, há de merecer por este motivo algum perdão por sua passada perversidade, ou pelo esquecimento da mesma; nem compreende por que o arrependimento, e uma vida justa e honrada daí para frente, lhe darão direito a uma suspensão, em seu favor, da lei universal de relação entre causa e efeito. Os resultados de suas más ações continuam existindo; o sofrimento ocasionado aos demais por sua iniqüidade, não se apagou. O teósofo considera como parte integrante de sua equação, o resultado de sua perversidade sobre o inocente. Analisa não apenas a pessoa culpável como também suas vítimas.

O mal é uma infração das leis de harmonia que regem o universo e sua penalidade deve recair sobre o violador daquelas leis. Jesus Cristo disse: 'Não peques mais, para não suceder-te uma coisa pior'. E disse São Paulo: 'Trabalhai em vossa própria salvação. O que um homem semeia, aquilo colherá'. Isto, diga-se de passagem, é uma bela metáfora da sentença dos Puranas, muito anteriores àquele apóstolo, que diz que 'todo homem colhe as conseqüências de suas próprias ações'.

Este é o princípio da Lei de Karma, ensinado pela Teo-sofia. Em seu Buddhismo Esotérico, Sinnett interpretou Karma como 'a Lei de causação ética'. Mais exata é a versão de madame Blavatsky: 'a Lei de retribuição'. É o poder que:

Justo embora misterioso nos conduz de modo infalível

por caminhos ocultos, desde a falta até o castigo.

Mas ainda é mais. Tão infalível e amplamente recompensa o mérito, como castiga o demérito. É o resultado de cada ato, pensamento e palavra, e por eles moldam os homens sua vida e acontecimentos. A filosofia oriental repele a idéia da criação de uma nova alma para cada criatura que nasce. Acreditam em um número limitado de Mônadas que evoluem e se aperfeiçoam por meio da assimilação de várias personalidades sucessivas. Estas personalidades são produto de Karma; e é através de Karma e reencarnação que a Mônada humana volta - em seu devido tempo - à sua origem, a Deidade absoluta."

E. D. Walker, em sua obra Reencarnação, nos oferece a seguinte explicação:

"Em poucas palavras, a doutrina de Karma explica que nós mesmos nos fizemos o que somos, por atos anteriores, e que formamos nossa eternidade futura com as ações presentes. Não existe outro destino além daquele que nós mesmos determinamos. Não há nenhuma salvação nem condenação, exceto a que nós mesmos nos originamos... Como Karma não oferece nenhum amparo aos atos culpáveis e requer muito valor, não encontra boa acolhida entre as naturezas débeis, que preferem as fáceis doutrinas religiosas da remissão dos pecados, da intercessão, do perdão e das conversões de última hora... No domínio da eterna justiça, a ofensa e o castigo estão inseparavelmente unidos como um só fato, porque não existe diferença real entre a ação e sua conseqüência... Karma - ou nossos antigos atos - são os que nos trazem de volta à vida terrestre. A residência do espírito muda segundo seu Karma, e Karma não permite uma longa permanência em uma mesma condição, porque sempre se está modificando. Enquanto a ação estiver governada por motivos materiais egoístas, seus efeitos deverão se manifestar em renascimentos físicos. Somente o homem per feitamente desinteressado pode evitar o peso da vida material. Poucos o conseguiram, mas é a meta a que tende a humanidade".

Aqui o autor cita o seguinte, da Doutrina Secreta:

"Os que acreditam em Karma têm que crer no destino que cada homem — desde o nascimento até a morte — está tecendo ao seu redor, fio por fio como a aranha em sua teia; e este destino é guiado, seja pela voz celeste do protótipo invisível fora de nós, ou por nosso homem astral íntimo e interno, que freqüentemente é o gênio do mal da entidade encarnada chamada homem. Ambos guiam o homem externo, mas um deles há de prevalecer; e, desde o próprio princípio da contenda, a implacável lei de compensação intervém, seguindo seu curso e suas flutuações. Quando tece a última linha, o homem fica envolto na rede de sua própria composição, e encontra-se, então, absolutamente em poder desse destino criado por ele mesmo... Um ocultista ou um filósofo não falarão da bondade ou crueldade da Providência, pois, identificando-a com Karma-Némesis, ensinará que protege aos bons e vela por eles nesta vida e nas futuras, e que castiga ao que faz o mal - ainda que até seu sétimo renascimento; em uma palavra:  enquanto o efeito que produziu a perturbação até no menor átomo, no mundo infinito da harmonia, não tenha sido finalmente corrigido.   O único decreto de Karma - decreto eterno e imutável - é a harmonia absoluta no mundo da matéria e no do espírito.  Portanto, não é Karma quem dá prêmio ou castigo, mas sim nós quem nos recompensamos ou castigamos, conforme trabalhemos com e pela natureza, obedecendo às leis das quais depende aquela harmonia, ou as violemos.   Tampouco os desígnios de Karma seriam inescrutáveis, se os homens agissem em união e harmonia, ao invés de na desunião e na guerra.   Porque nossa ignorância desses desígnios — que uma parte da humanidade chama desígnios da Providência, obscuros e intrincados, enquanto outra vê neles a ação de um fatalismo cego, e, outra ainda, simples casualidade sem deuses ou demônios que os dirijam - - seguramente desapareceriam se quiséssemos  atribuí-los  todos  a sua verdadeira causa... Ficamos perturbados e surpreendidos ante o mistério de nossa própria obra e dos enigmas da vida que não queremos resolver, e acusamos à grande esfinge de nos devorar.   Mas, verdadeiramente, não há um acidente em nossas vidas, um só dia desgraçado, ou um só percalço cuja causa não se possa fazer remontar a nossos próprios atos nesta ou em outra vida... A Lei de Karma está inextricavelmente ligada com a da reencarnação... Somente esta doutrina pode nos explicar o misterioso problema do bem e do mal e reconciliar o homem com a terrível e aparente injustiça da vida. Somente essa certeza é capaz de acalmar nosso sublevado sentimento de justiça. Porque quem quer que ignore essa nobre doutrina, olhando em seu redor e observando as desigualdades de nascimento e de fortuna, da inteligência e capacidade, e contempla nas mãos de loucos e libertinos as honras e as riquezas, devidas unicamente a seu nascimento, enquanto que os seus próximos, com toda sua inteligência e nobres virtudes, perecem na miséria, carentes de todo apoio e simpatia, quando vê tudo isto e, despedaçado o coração, encontra-se impossibilitado de aliviar tanto sofrimento imerecido, somente o conhecimento bendito da Lei de Karma poderia impedi-lo de maldizer a vida e os homens, assim como do seu suposto Criador...

Seja consciente ou inconscientemente, essa Lei a ninguém nem a nada predestina. Verdadeiramente existe desde e na eternidade, por que é a própria eternidade; e, como tal, posto que nenhum ato pode ser co-igual com a eternidade, não se pode dizer que age, porque é a própria ação. Não é a onda que afoga um homem, mas sim o ato pessoal do infeliz que deliberadamente coloca a si mesmo sob a ação impessoal das leis que regem o movimento do oceano. Karma não cria nem prejulga coisa alguma. O homem é quem projeta e cria as causas, e a lei kármica ajusta os efeitos. Essa concordância não é um ato, mas sim a harmonia universal que sempre tende a recuperar sua posição original, do mesmo modo que um galho dobrado violentamente para baixo, rebate com uma força correspondente. Se acontece de quebrar o braço de quem tentou dar-lhe uma direção diferente de sua posição natural, diremos que o galho foi quem quebrou o braço, ou que a ignorância foi a causa do dano sofrido? Karma jamais tentou anular a liberdade intelectual e individual, como sucede com o deus inventado pelos monoteístas. Não ocultou seus decretos na escuridão, com a finalidade de confundir e perturbai-os homens, nem também castigará àquele que se atrever a investigar seus mistérios. Ao contrário: aquele que por meio do estudo e da meditação descobre seus intrincados caminhos e derrama a luz sobre essas escuras sendas, em cujas sinuosidades tantos homens perecem devido à sua ignorância do labirinto da vida, trabalha pelo bem de seus semelhantes. Karma é uma lei absoluta e eterna no mundo das manifestações e como só pode existir um Absoluto, assim como uma Causa eternamente presente, os que acreditam em Karma não podem ser considerados ateus ou materialistas, e, menos ainda, por fatalistas, porque Karma forma um só todo com o Incognoscível, do qual é um aspecto, em seus efeitos no mundo fenomenal".

Outro escritor teosófico (Objeto da Teosofia, por P. Sinnett):

"Cada indivíduo está criando Karma bom ou mal, com cada ato e pensamento diários, e, ao mesmo tempo, está esgotando nesta vida o Karma produzido pelos atos e desejos da anterior. Quando se vêem pessoas aflitas por sofrimentos naturais, pode-se dizer que esses sofrimentos são resultados inevitáveis de causas originadas por elas mesmas em nascimentos anteriores. Poderá se argumentar que como são doenças hereditárias, não têm nada que ver com encarnações passadas; mas é preciso se levar em conta que o Ego, o homem real, a individualidade, não tem sua origem espiritual na parentela que o reencarna, mas sim que é atraído pelas afinidades que o gênero de sua vida anterior agrupou em seu redor, dentro da corrente que o leva, quando chega a hora do renascimento, até a moradia mais adequada para o desenvolvimento dessas tendências... Bem entendida esta doutrina de Karma, ela guia e auxilia àqueles que compreendem sua verdade, elevando e melhorando sua vida; porque não se deve esquecer que, não apenas nossos atos, mas também nossos pensamentos atraem seguramente um acúmulo de circunstâncias que influirão bem ou mal em nosso futuro, e, o que é mais importante ainda, no futuro de nossos semelhantes. Se os pecados por omissão ou comissão somente interessassem ao Karma do pecador, o fato teria menos conseqüências; mas, como cada pensamento e ato na vida entranha uma influência correspondente, boa ou má, sobre outros membros da família humana, o sentido estrito da justiça, moralidade e generosidade são necessários à felicidade ou progresso futuros. Nenhum arrependimento — por maior que seja — pode apagar os resultados de um crime já cometido, ou os efeitos de um mau pensamento. O arrependimento, se é sincero, deterá o homem, impedindo-o de voltar a cair em suas faltas; mas nem a ele mesmo, nem tampouco aos demais, pode livrar dos efeitos já produzidos por elas, que infalivelmente recairão sobre ele, seja nesta vida ou no próximo renascimento".

E conclui F. H. Conelly:

"Os que crêem em uma religião baseada em tal doutrina, desejariam que se a comparasse com aquela em que o destino do homem na eternidade fica determinado pelos acidentes de uma vida terrestre única e curta, durante a qual se lhe consolam com a promessa de que 'a árvore jazerá do modo como caiu'; na que quando chega o conhecimento de sua perversidade, sua maior esperança é a doutrina da remissão, graças a um vigário proposto ao efeito, e, em alguns casos, até mesmo essa esperança deve perder, conforme a profissão de fé presbiteriana, que diz:

'Por decreto do Todo-Poderoso - para manifestação de sua glória - alguns homens e anjos estão predestinados à vida eterna e outros já condenados de antemão à eterna morte'.

Esses anjos e esses homens assim predestinados ficam já designados imutável e individualmente, e tão exato é seu número, que não pode ser aumentado ou diminuído... Deus designou o eleito para a glória... Tampouco ninguém pode ser redimido, eficazmente chamado, justificado, adotado, santificado e salvo por Cristo, exceto o eleito.

Deus se compraz, de acordo com o próprio parecer de sua vontade, em efeito do qual concede ou nega o perdão para glória de seu poder soberano sobre suas criaturas, em não cuidar-se do resto da humanidade, e em condená-lo à desonra e à ira por seus pecados, em louvor de sua gloriosa justiça".

Isto é o que diz o distinto defensor de nossa filosofia. Não podemos fazer nada melhor para terminar este assunto, que imitá-lo, citando um trecho de um magnífico poema. Como disse muito bem:

"A esquisita beleza da descrição de Karma em A Luz da Ásia, de Edwin Arnold, nos convida a reproduzi-la aqui; porém, como é demasiado longa para dá-la por inteiro, citaremos apenas um trecho":

"Karma — é todo aquele total de uma alma

As coisas que fez, os pensamentos que teve,

Que o "Eu" teceu com trama de tempo sem fim

Através da urdidura invisível dos atos.

..............................................................................

Antes do princípio e sem fim,

Como o espaço eterno, e seguro como a certeza

Há um Poder divino que incita ao bem;

E somente suas leis duram.

 

Ninguém será desprezado;

O que se opõe perde e o que o serve ganha;

Paga o bem oculto com paz e com glória,

E o mal escondido com sofrimentos.

Vê em toda parte e tudo o anota;

Se fazes bem o recompensa. Comete um erro

E deves pagar a retribuição justa,

Embora Dharma se detenha muito.

Não conhece cólera nem perdão; em verdade justo

Enche suas medidas, sua balança exata pesa.

Os tempos não são nada; amanhã julgará

Ou depois de muitos dias.

Assim é a lei que incita à justiça,

Que no fim ninguém pode distorcer ou deter,

Seu coração é o amor; seu fim

É a Paz e a doce consumação.  Obedece."

E, agora, aconselho-os a que comparem nosso ponto de vista teosófico sobre Karma, a Lei de retribuição, e digam se não é mais filosófico e justo que esse dogma cruel e absurdo que converte a"Deus" em um desapiedado inimigo; em particular à doutrina de que "só os eleitos" serão salvos, condenando-se o resto à eterna perdição.

 

P: Sim, compreendo sua idéia geral, mas queria que me desse um exemplo concreto da ação de Karma.

T: Isto não posso fazer. Somente podemos estar seguros, como já disse, de que nossas vidas presentes e circunstâncias atuais, são resultado direto de nossos próprios atos e pensamentos em vidas passadas. Mas, uma vez que não somos videntes ou iniciados, não podemos saber coisa alguma com relação aos detalhes, sobre a forma de operar da lei kármica.

 

P: Pode alguém — entre os adeptos ou videntes — seguir em seus detalhes esse processo kármico de restabelecimento da harmonia?

T: Seguramente. "Os que sabem" podem fazê-lo, mediante o exercício de poderes que existem latentes em todos os homens.

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