A Teosofia e a educação

Enviado por Estante Virtual em dom, 02/12/2012 - 21:08

P: Um de seus mais poderosos argumentos sobre a imperfeição das formas de religião existentes no Ocidente, como também até certo ponto sobre a filosofia materialista, — tão popular agora — mas que parece considerar como uma abominação da desolação, é a enorme miséria que existe de modo inegável, em particular em nossas grandes cidades. Mas seguramente deve reconhecer o quanto se fez e se está jazendo para remediar este estado de coisas, por meio da propagação da educação e da cultura.

T: As gerações futuras dificilmente lhes agradecerão uma semelhante "propagação" da cultura, nem a presente educação favorecerá muito às classes pobres e famintas.

 

P: Tem que nos dar tempo: faz poucos anos que começamos a educar o povo.

T: Podia por favor me dizer o que fez a religião cristã desde o século 15, já que reconhece que não se havia empreendido a educação das massas - a obra por excelência - se jamais houve? Que o cristianismo, isto é, a Igreja e os imitadores de Jesus, deviam ter feito?

 

P: Sim, pode ser que tenha razão, mas agora...

T: Consideremos esta questão da educação sob um ponto de vista mais amplo e provarei que, com muitas de suas decantadas melhoras, fizeram mal e não bem. As escolas para crianças pobres, embora muito menos úteis do que deveriam ser, são boas, comparadas com a corrupção que as rodeia e à que estão condenadas pela sociedade moderna. A infusão de um pouco de Teosofia prática aliviaria cem vezes mais a vida das classes pobres que sofrem, que toda essa inútil cultura.

 

P: Mas realmente...

T: Deixe-me concluir. Você tocou num assunto que interessa profundamente a nós teósofos, e devo dizer o que penso. Reconheço inteiramente a grande vantagem que há para uma criança criada nas ruas, nadando no córrego e vivendo entre a contínua grosseria de gostos e palavras, o encontrar-se diariamente em uma escola clara, limpa, com quadros e muitas vezes adornada de flores. Ali se ensina a cantar e a jogar, há jogos que despertam sua inteligência, aprende a servir-se habilmente de suas mãos, falam-lhe com um sorriso e não com uma ameaça, castigam-lhe ou lhe dão prêmios com benevolência, em lugar de a maldizer. Tudo isto humaniza as crianças, ativa seus cérebros e as faz suscetíveis às influências intelectuais e morais. As escolas não são o que poderiam e deveriam ser, mas, comparadas com suas casas são paraísos, e pouco a pouco deixam sentir sua ação nelas. Mas, se bem que isto é certo em muitas escolas públicas, o sistema é pior que tudo quanto dele se possa dizer.

Qual é o verdadeiro objetivo da educação moderna? Acaso é cultivar e desenvolver a mente no bom sentido, ensinar aos pobres e deserdados a suportar valorosamente o peso da vida que Karma lhes designou: fortalecer sua vontade, inculcar neles o amor ao próximo e o sentimento de mútua irmandade, educando e formando o caráter para a vida prática? Nada disto. E, sem dúvida, inegavelmente esses são os objetivos de toda educação verdadeira. Ninguém o nega: todos os que se dedicam ao ensino o admitem e por certo esbanjam palavras sonoras sobre o assunto. Mas qual é o resultado prático de sua ação? Qualquer jovem, mais ainda, qualquer daqueles que pertencem à última geração de professores contestará: "o objetivo da educação moderna é passar nos exames", sistema que não tende a produzir e emulação legítima, mas sim a criar e fomentar entre os jovens os ciúmes, a inveja, quase o ódio, e a prepará-los para uma vida de egoísmo feroz e de luta pelas honras e ganâncias ao invés de criar sentimentos benévolos.

 

P: Devo confessar que tem razão neste ponto.

T: E que são esses exames, terror da infância e juventude modernas? São simplesmente um método de classificação pelo qual se registram os resultados dos ensinamentos escolares. Em outras palavras, formam a aplicação prática do método da ciência moderna: genus homo qua inteligência. Pois bem: a "ciência" ensina que o intelecto é um resultado da ação mecânica da substância do cérebro; assim pois, é lógico que seja quase inteiramente mecânica a educação moderna — espécie de máquina automática para a fabricação da inteligência em toneladas. Basta uma pequena experiência dos exames para demonstrar que a educação que produzem é simplesmente um exercício da memória física; e cedo ou tarde todas essas escolas cairão de nível. Enquanto cultivar real e solidamente o poder reflexivo e racional é simplesmente impossível, uma vez que tudo será julgado pelos resultados dos exames de competência. Repito que a educação escolar é fator da maior importância na formação do caráter, especialmente no sentido moral.

Pois bem: todo sistema moderno está baseado nas chamadas revelações científicas: "a luta pela existência" e a "sobrevivência do mais apto". Durante a juventude demonstra-se a todos estes princípios, tanto por meio do exemplo prático e da experiência, como pelo ensino direto, até que se torna impossível apagar da mente a idéia de que o "eu", esse eu inferior, pessoal e animal, é o fim único e objetivo da vida, de onde provém a fonte que origina todos os sofrimentos, crimes e desapiedado egoísmo, facilmente reconhecidos. Como tantas vezes tenho repetido, o egoísmo é a praga e maldição da humanidade e o prolifero pai de todos os males e crimes desta vida; e as atuais escolas são as semeadoras de semelhante egoísmo.

 

P: Falando em termos gerais, tudo isto está muito certo, mas gostaria que me citasse alguns fatos e de que modo remediá-los.

T: Perfeitamente, tratarei de satisfazê-lo. Existem três grande divisões de estabelecimentos escolares: as escolas particulares, mistas e públicas, que percorrem a escala do ensino desde a comercial mais ordinária até a clássica idealista, apresentando muitas permutações e distintas combinações. A parte moderna fundamenta-se no ensino prático comercial, e a antiga e ortodoxa reflete sua grave respeitabilidade nos centros superiores. Vemos claramente o científico material e comercial sobrepor-se ao clássico e ortodoxo antiquado, e não se precisa ir muito longe para encontrar a causa. Os objetivos daquele ramo da educação reduzem-se a libras, xelins etc: o summum bonum do século 19. Assim é que as energias geradas pelas moléculas cerebrais dos discípulos concentram-se todas sobre um mesmo ponto e portanto são, em certo grau, um exército organizado nas inteligências especulativas educadas da minoria dos homens; adestrada para marchar contra as hostes das simples massas, condenadas a ser vampirizadas e sacrificadas por seus irmãos intelectualmente mais fortes. Semelhante educação não apenas é antíteosófica, mas simplesmente anticristã. Resultado: o produto direto dessa forma de educação é uma inundação de máquinas para fazer dinheiro, de homens cruelmente egoístas, animais a quem foi ensinado sistematicamente a devorar seus semelhantes e a aproveitar-se da ignorância de seus irmãos mais débeis.

 

P: De acordo; mas, em todo caso, isto não pode ser dito de nossas grandes escolas superiores.

T: É certo que não de forma absoluta. Mas embora a forma seja diferente, o espírito que as anima é o mesmo, isto é, antiteosófico e anticristão, quer os estudantes de Eton e de Harrow convertam-se em cientistas ou em eclesiásticos e teólogos.

 

P: Mas sem dúvida você não vai classificar de mercantis a Eton e a Harrow?

T: Não. O sistema clássico é por certo a mais respeitável de todas as coisas, e hoje em dia está produzindo algum benefício. Continua sendo o favorito em nossas grandes escolas públicas, onde se pode obter não apenas uma educação intelectual mas também social. Portanto, é de capital importância que os filhos torpes de pais aristocráticos e ricos freqüentem essas escolas a misturar-se com o resto do elemento jovem das classes do "sangue" e do dinheiro. Mas até para a entrada existe uma grande rivalidade: aumentam as classes ricas e os jovens pobres, mas inteligentes, tratam de entrar nas escolas públicas pela riqueza de conhecimentos que adquirem nelas, e os que conseguem ao passar às universidades.

 

P: Segundo esta opinião, os "torpes" ricos devem trabalhar com mais afinco que seus companheiros mais pobres?

T: Assim é. Mas o curioso é que os fiéis ao culto da sobrevivência do mais apto não praticam sua crença, porque todos os esforços são dirigidos para conseguir que os naturalmente incapazes suplantem aos aptos. Desta forma, à força de enormes somas de dinheiro, os melhores professores são separados de seus discípulos naturais, para dedicar-se a converter em máquinas a uma inepta progenie, em profissões que se sobrecarregam inutilmente de gente.

 

P:  E a que se atribui tudo isto?

T: Tudo é devido ao pernicioso de um sistema que altera as coisas, sem preocupar-se com as propensões e talentos da juventude. O pobre candidato a esse paraíso progressivo de instrução, apenas abandonadas as saias da ama, cai no trabalho forçado de uma escola preparatória para filhos de pessoas bem-nascidas. Ali apoderam-se imediatamente dele os trabalhadores da fábrica matério-intelectual, enchem-lhe a cabeça de rudimentos de latim, francês e grego, datas e tabuadas; assim é que se tem alguma disposição natural, exprimem-na rapidamente com o rolo compressor que Carlyle chamou com tanta propriedade de "vocábulos mortos".

 

P: Mas também lhe ensinam algo além dos "vocábulos mortos", e muito daquilo que o pode levar direto à Teosofia, se bem que não à Sociedade Teosófica.

T: Não muito. Porque com relação à história apenas aprenderá sobre a de seu próprio país, e os conhecimentos suficientes para revestir de toda classe de prejulgamentos contra todos os demais povos, embebendo-se no ódio e nos sentimentos sanguinários nacionais históricos. Certamente não chamará a isto de Teosofia.

 

P:  Quais são as outras objeções?

T: A isto soma-se um verniz superficial de conhecimentos relativos a alguns fatos escolhidos, chamados bíblicos, de cujo estudo se elimina a razão. É simplesmente uma lição de memória, sendo o "porquê" do professor um "porquê" ditado pelas circunstâncias e não pela razão.

 

P: Sim, mas ouvi suas congratulações pelo número sempre crescente de agnósticos e ateus na atualidade, o que é o resultado de que ainda há gente que se educa sob o sistema que está atacando tão vigorosamente, mas aprende a pensar e a raciocinar por si mesma.

T: Sim, mas deve-se mais a uma reação saudável contra esse sistema, do que a ele mesmo. Em nossa Sociedade preferimos os agnósticos e até os ateus declarados, aos fanáticos de qualquer religião. A mente de um agnóstico está sempre aberta à verdade, enquanto que esta cega ao fanático, como o morcego com o sol. Os melhores, isto é, os mais amantes da verdade, os mais filantropos e honrados entre nossos sócios, foram e são agnósticos e ateus (não crêem em um Deus pessoal). Mas não existem meninos e meninas livres-pensadores, e, geralmente, a primeira educação deixa suas marcas na forma de uma mente mesquinha e falseada. Um sistema de educação conveniente e são deveria produzir a mente vigorosa e liberal, educada estritamente no pensamento lógico e correto, e não na fé cega. Como podem esperar bons resultados quando pervertem a faculdade de raciocínio dos filhos, dizendo-lhes que acreditem nos milagres da Bíblia nos domingos, enquanto lhes ensinam nos seis dias restantes da semana, que tais coisas são cientificamente impossíveis?

 

P:  Então o que jazer?

T: Se tivéssemos recursos fundaríamos escolas que produzissem coisa diferente de candidatos à miséria que sabem ler e escrever. Antes de tudo, se ensinaria às crianças a autoconfiança, o amor a todos os homens, o altruísmo, a mútua caridade, e mais que nada, a pensar e raciocinar por si mesmo. Reduziríamos o trabalho da memória a um mínimo absoluto e empregaríamos o tempo no desenvolvimento e exercício dos sentidos, faculdades e capacidades latentes internas. Nos esforçaríamos para tratar a cada criança como uma unidade, e em educá-la de maneira a propiciar a manifestação mais harmoniosa e igual de seus poderes, para que suas aptidões especiais encontrassem seu completo e natural desenvolvimento.

Nossa aspiração seria a de criar homens e mulheres livres, livres intelectualmente, livres moralmente, despreocupados de todos os conceitos e, sobretudo, antiegoístas. E acreditamos que grande parte disto, se não tudo, poderia ser conseguido com a educação teosófica conveniente e verdadeira.

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