A oração comum destrói a confiança em si mesmo

Enviado por Estante Virtual em dom, 02/12/2012 - 03:48

P: Mas o próprio Cristo não rezou e não recomendou a oração?

T: Assim consta; mas aquelas "orações" pertencem precisamente a essa espécie de comunhão que acabamos de mencionar, com o "Pai Secreto" de cada um. De outro modo, identificando a Jesus com a divindade universal, seria por demais ilógica e absurda a inevitável conclusão de que ele, "o próprio Deus", orou-se a si mesmo, separando a vontade desse Deus da sua.

 

P: Vou opor mais um argumento, que é muito usado pelos cristãos: "Sinto-me incapaz de vencer minhas paixões e debilidades com minhas próprias forças. Mas quando rezo a Jesus Cristo, sinto que me dá forças e que com sua ajuda sou capaz de vencer".

T: Não é estranho. Se o "Cristo Jesus" é Deus e independente e separado do que reza, é claro que tudo é e deve ser possível a "um Deus todo-poderoso". Mas então, onde está o mérito ou a justiça de semelhante triunfo? Por que se há de recompensar ao pseudovencedor, se só lhe custou algumas orações? Vocês dariam, embora simples mortais, um dia inteiro de salário ao seu jornaleiro, se fizessem quase todo trabalho em seu lugar, enquanto ele descansava embaixo de uma árvore, só porque ele suplicou que o fizesse? A idéia de que alguém passe a vida inteira numa ociosidade moral, enquanto que outro — seja Deus ou homem — carregue os trabalhos e deveres mais duros, nos revolta em alto grau, pois é muito degradante para a dignidade humana.

 

P: Pode ser, e sem dúvida, a crença em um Salvador pessoal, que nos ajuda e fortalece nas lutas da vida, é a idéia fundamental do Cristianismo moderno. E não há dúvida de que, subjetivamente, tal crença é eficaz, isto é, os que crêem sentem-se auxiliados e fortalecidos.

T: Tampouco se duvida de que alguns pacientes dos chamados "Sábios Cristãos e Mentais" (os famosos "negadores"[1]), às vezes se curam; nem de que o hipnotismo e a sugestão, a psicologia aplicada e até a mediunidade, produzem os mesmos resultados, senão mais. Para dar força ao seu argumento, você só considerou os êxitos. Como explica os fracassos, dez vezes mais numerosos? Seguramente não pretende dizer que é desconhecido o fracasso entre os cristãos fanáticos, mesmo com toda sua cega fé?

 

P: Mas como explica os freqüentes casos de pleno êxito? Onde busca o teósofo o poder e a força necessários para dominar suas paixões e seu egoísmo?

T: No seu Eu Superior, no espírito divino --o Deus que nele habita, no seu Karma. Quantas vezes ainda precisaremos repetir que se conhece a árvore por seus frutos, a natureza da causa pelos seus efeitos? Não fale do domínio das paixões e da conversão ao bem, por e com a ajuda de Deus ou de Jesus Cristo. Nós perguntamos: onde se encontra mais gente pura e virtuosa, que se abstenha mais do pecado e do crime? No Cristianismo ou no Buddhismo? Em países cristãos ou em nações pagas? Aí estão as estatísticas que provam nossas afirmativas. Conforme o último censo, no Ceilão e na índia, no quadro comparativo de crimes cometidos por cristãos, muçulmanos, eurasianos, hindus, buddhistas etc, sobre 2 milhões de habitantes tomados ao acaso, e abrangendo os delitos de vários anos, os cometidos por cristãos estão em proporção de 15 a 4 em relação à população buddhista. (Ver o Lúcifer, abril, 1888, pág. 147, artigo Conferencistas Cristãos Sobre Buddhismo.) Nenhum orientador, historiador de relativa fama, ou viajante por países buddhistas, desde o bispo Bigandet e o abade Huc, até sir William Hunter, e .todo empregado sincero na índia, deixará de conceder a palma da virtude aos buddhistas sobre os cristãos. Sem dúvida, os primeiros não crêem em Deus nem em recompensa futura fora deste mundo (pelo menos a verdadeira seita Buddhista siamesa). Nem os sacerdotes nem os seculares rezam. Rezar! a quem ou a quê? — exclamariam surpreendidos, se lhes falassem disso.

 

P: Neste caso, são verdadeiros ateus?

T: Sem dúvida, mas também são os homens que mais amam a virtude e que melhor a praticam no mundo. O Buddhismo diz: "Respeita a religião dos outros e conserva-te fiel à tua"; mas o Cristianismo eclesiástico, considerando a todos os deuses das demais nações como diabos, quer condenar à perdição eterna qualquer pessoa não-cristã.

 

P: E o clero buddhista não faz o mesmo?

T: Jamais. Respeita demasiadamente o sábio preceito do Dhammapada, pois sabe que, "se qualquer homem, seja ou não instruído, se considera tão superior que despreza os demais, parece-se a um cego levando uma luz" (cego ele, quer clarear aos outros).



[1] Seita de saneadores que, negando a existência de tudo o que não seja espírito, o qual não pode nem sofrer nem ficar doente, pretendem curar todas as enfermidades, desde que o paciente tenha fé. Uma nova forma de auto-hipnotismo.

 

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