Parece difícil àqueles que estão acostumados apenas às tendências usuais, e um tanto ou quanto materialistas, do século dezenove, acreditar e compreender perfeitamente uma condição de perfeita consciência fofa do corpo físico. Todo o cristão, pelo menos, tem, pelas exigências da sua própria crença, que acreditar que possui uma alma; mas, se lhe insinuardes a possibilidade de que essa alma seja uma coisa suficiente-mente real para que possa tornar-se visível, em certas tas condições, sem ter que ver com o corpo, quer durante a vida ou depois da morte, é quase certo que ele vos responderá, desdenhosamente, que não acredita em espectros e que uma idéia dessas não passa de uma sobrevivência anacrônica de uma extinta superstição medieval.
Se, portanto, quisermos compreender a obra do grupo de auxiliares invisíveis, e mesmo aprender como tomar parte nela, temos que nos libertar das peias do pensamento contemporâneo sobre esses assuntos e tentar abranger a grande verdade (para muitos de nós já um fato demonstrado) de que o corpo físico não passa, na realidade, de um instrumento ou veste do verdadeiro homem. É abandonado de vez, quando morremos, mas também é abandonado temporariamente quando adormecemos — o adormecer não consiste senão no fato do homem real sair, no seu instrumento astral, para fora do seu corpo físico.
Torno a repetir: não se trata de uma mera hipótese ou conjetura engenhosa. Há entre nós muitos que são capazes de praticar (e todos os dias de fato praticam) esse ato elementar de magia com plena consciência — que passam de um plano para outro pela ação da vontade; e, isso uma vez compreendido, bem claro será que grotescamente absurda lhes deve parecer a vulgar confirmação impensada de que tal fato é de todo impossível. È como se se dissesse a um indivíduo que ele não pode adormecer e que, se alguma vez o julgou ter feito, estava sendo vítima de uma alucinação.
Ora, o indivíduo que ainda não desenvolveu o elo entre a consciência física e a astral, é incapaz de abandonar quando quiser o seu corpo mais denso, e de se recordar da maioria das coisas que lhe acontecem quando fora dele; mas continua sendo coisa certa que ele o abandona sempre que adormece, e que qualquer clarividente instruído o poderá ver pairando acima dele ou vagueando a uma distância maior ou menor, conforme as circunstâncias.
O indivíduo inteiramente sem desenvolvimento paira em geral a pouca distância acima do seu corpo físico, quase tão adormecido como ele, e em estado relativamente amorfo e incoerente, e não podendo ser levado para uma pequena distância que seja desse corpo físico, sem que se lhe cause um desconforto grave que daria, aliás, o resultado de o acordar. À medida, porém, que o indivíduo se desenvolve, o seu corpo astral torna-se mais definido e consciente, e assim se torna um instrumento mais apto a funcionar. No caso da maioria das pessoas inteligentes e cultas, o grau de consciência é já bastante elevado, e um indivíduo já com desenvolvimento espiritual está tão em si nesse instrumento como no seu corpo mais denso.
Mas, ainda que possa ter plena consciência no plano astral durante o sono e ali deslocar-se livremente quando assim o queira, não se segue que esteja já em condições de fazer parte do grupo de auxiliares. A maioria da gente neste estágio está tão preocupada com os seus pensamentos — em geral uma continuação das suas preocupações de vigília — que é como um indivíduo em devaneio, absorto ao ponto de não dar pelo que se passa em seu redor. E por muitas razões é bom que assim seja, porque há muitas coisas no plano astral que bem podem assustar e desvairar qualquer indivíduo que não tenha a coragem, filha do perfeito conhecimento da natureza real, daquilo que ali poderá ver.
As vezes um indivíduo pouco a pouco se arranca a esta condição — acorda, por assim dizer, para o mundo astral que o cerca — mas o mais vulgar é ele permanecer nesse estado até que o acorde alguém que já ali viva ativamente e o tome a seu cargo. Não é esta, porém, responsabilidade que possa ser assumida de ânimo leve, pois, conquanto seja relativamente fácil assim acordar um indivíduo no plano astral, é quase impossível, exceto pelo exercício, aliás muito pouco recomendável, de influência mesmérica, fazê-lo adormecer outra vez. De modo que, um dos membros do grupo de auxiliares invisíveis que assim acorde um indivíduo adormecido, deve primeiro adquirir a plena certeza de que esse indivíduo dará bom emprego aos poderes adicionais de que se achar investido, e também de que os seus conhecimentos e a sua coragem são bastantes para que seja razoavelmente certo de que nenhum mal lhe advirá de assim ser despertado.
Um acordar destes coloca um indivíduo em condições de fazer parte, se quiser, do grupo daqueles que auxiliam a humanidade. Convém, porém, não esquecer que esse poder nem necessariamente, nem mesmo geralmente, envolve a capacidade de se recordar em vigília de qualquer coisa que astralmente se faça. Essa capacidade, tem o indivíduo que a adquirir por si próprio, e na maioria dos casos não aparece senão anos depois — talvez apenas em uma outra vida. Mas, felizmente, esta falta de memória corpórea de modo algum impede o trabalho fora do corpo, de modo que, exceto pela satisfação que um indivíduo tem em saber em vigília qual a obra que esteve realizando durante o sono, não é coisa de importância. O que realmente importa é que essa obra se faça, não que nos lembremos de quem a fez.