Mas como — perguntar-se-á — é que nos podem tornar capazes de tomar parte nesta obra grandiosa? Não há verdade, mistério algum quanto às qualificações precisas para quem deseje tornar-se um auxiliar; a dificuldade não está em saber quais elas são, mas em desenvolve-las em nós. Até certo ponto, já incidentalmente as temos descrito, mas não deixa de ser conveniente que plena e categoricamente as exponhamos.
1. Unidade de espírito. — O primeiro requisito é que tenhamos reconhecido a grande obra que os Mestres querem que façamos, e que ela seja para nós o único grande interesse das nossas vidas. Devemos aprender a fazer a distinção, não só entre o trabalho útil e o inútil, mas também entre as várias espécies de trabalho útil, de modo que possamos entregar-nos ao mais alto que somos capazes de fazer, e não perder o nosso tempo tratando de qualquer coisa que, por boa que seja para o indivíduo que não pode fazer nada melhor, é indigna de conhecimento e da capacidade que devem ser nossos como teosofistas. Um indivíduo que queira ser considerado apto a trabalhar em planos superiores, deve começar por fazer o que puder no sentido de um trabalho definido para a Teosofia aqui neste plano.
Está claro que nem um momento pretendo que devamos descurar os deveres quotidianos da nossa vida. Por certo que bem faremos se não tomarmos sobre nós novos deveres mundanos, mas aqueles que já nos pesam nos ombros são uma obrigação cármica que não temos o direito de descurar. A não ser que tenhamos cumprido integralmente os deveres que o carma nos impôs, não estamos ainda livres para o trabalho superior. Este trabalho superior deve, porém, ser para nós a única coisa para que é realmente digno que vivamos — o fundo constante de uma vida que é consagrada ao serviço dos Mestres da Compaixão.
2. Perfeito domínio de si próprio. — Antes que nos possam confiadamente entregar os poderes maiores da vida astral, devemos ter obtido um perfeito domínio de nós próprios. O nosso gênio, por exemplo, deve estar perfeitamente dominado, de modo que nada que vejamos ou ouçamos nos possa causar verdadeira irritação, porque as conseqüências dessa irritação se-riam para nós muito mais graves naquele plano do que neste. A força do pensamento é sempre um poder enorme, mas neste mundo é reduzida e amortecida pelas pesadas partículas cerebrais físicas que tem de pôr em movimento. No mundo astral é muito mais livre e mais potente, e se um indivíduo com essa faculdade plenamente acordada sentisse raiva contra qualquer pessoa ali, isso importaria causar-lhe um dano grave e talvez fatal.
Não só precisamos dominar o nosso temperamento, mas também os nossos nervos, para que nenhum dos espetáculos fantásticos ou terríveis que encontramos, possa abalar a nossa coragem invencível. Não devemos esquecer que o aluno que acorda um indivíduo no mundo astral, fica tendo certa responsabilidade pelos seus atos e a sua segurança, de modo que, a não ser que o seu neófito tenha força para se aguentar por si, todo o tempo do operador antigo se gastará em pairar constantemente em torno a ele para o proteger, o que seria manifestamente absurdo esperar que se fizesse.
É para garantir a existência deste domínio dos seus nervos, e para os preparar para a obra a realizar, que os candidatos têm sempre que passar, como antigamente, pelas chamadas provas da terra, da água, do ar e do fogo.
Em outras palavras, têm de saber com a certeza absoluta, que só a prática e não a teoria, pode dar, que aos seus corpos astrais nenhum desses elementos pode de modo algum causar dano — que nenhum deles pode opor obstáculo algum ao trabalho que tenham de fazer.
Neste corpo físico estamos absolutamente convencidos de que o fogo nos queimará, que a água nos afogará, que a rocha sólida forma um obstáculo absoluto ao nosso avanço, que não podemos com segurança projetar-nos sem suporte pelo ar que nos cerca. Tão fundamente enraizada em nós está esta crença, que custa muito à maioria dos homens dominar o gesto institivo que dela decorre, e compreender que, no corpo astral, o mais denso dos rochedos não pode impedir a sua liberdade de movimentos, que pode sem receio saltar do mais alto dos píncaros e atirar-se confiadamente para o meio do mais violento dos vulcões ou o mais fundo dos abismos do mar.
Enquanto, porém, o indivíduo não aprende isto — enquanto não o sabe bastante para poder institiva e imediatamente valer-se dessa certeza de agir — ele é relativamente imprestável para o trabalho astral, visto que, em conjunturas que constantemente estão surgindo, ele se encontraria perpetuamente paralisado por dificuldades imaginárias. Por isso tem que atravessar essas provas e várias outras experiências estranhas — encontrar frente a frente e sem o menor receio as aparições mais terríficas nas circunstâncias mais repugnantes — mostrar, em suma, que na sua coragem se pode ter confiança em qualquer dos variadíssimos gêneros de circunstâncias em que, de um momento para outro, ele se possa encontrar.
Além disso, é indispensável o domínio das idéias e dos desejos; das idéias, porque sem poder de concentração seria impossível trabalhar competentemente em todas as correntes variadas do plano astral; dos desejos, porque, naquele estranho mundo, desejar é muitas vezes obter, e, a não ser que tivéssemos bem dominada esta parte da nossa natureza, poderíamos talvez encontrar-nos frente a frente com criações da nossa mente de que nos sentíssemos verdadeiramente envergonhados.
3. Calma. — É este outro ponto importantíssimo — a ausência de toda a apoquentação e depressão. Grande parte do trabalho consiste em acalmar os que estão perturbados e animar os que estão tristes; e como o poderá fazer um auxiliar se a sua própria aura estiver vibrando com a constante apoquentação de incerteza, ou a cinzenta negrura fatal que nasce da de-pressão perpétua? Nada há mais completamente pernicioso para o progresso oculto ou a utilidade oculta, do que o nosso hábito moderno de incessantemente nos contrariarmos com ninharias — de eternamente tomar os montículos por montanhas. Muitos de nós limitamo-nos a passar a vida a exagerar as insignificâncias mais absurdas — a tratar solene e persistentemente de nos deprimirmos a propósito de coisas de nada.
Nós, que somos teosofistas, devíamos, ao menos, ter já abandonado este estágio de depressão irracional e apoquentação sem causa; devíamos, nós, que tentamos adquirir um conhecimento certo da ordem cósmica, já ter compreendido que a visão otimista de todas as coisas é a que está mais próxima da visão divina, e, portanto, da verdade, porquanto só aquilo que em qualquer pessoa é bom e belo pode, em qualquer hipótese, ser permanente, ao passo que o mau tem, por sua natureza, de ser transitório. De fato, como disse Browning: "o mal é nulo, é nada, é o silêncio implicando o som", ao passo que acima e além dele "a alma das coisas é suave, o Coração do Ser é descanso celestial." Por isso aqueles que sabem, mantém uma calma inalterável, e à Sua perfeita simpatia juntam a serenidade contente de quem sabe que tudo acabará por ficar bem; e quantos queiram auxiliar devem seguir o Seu exemplo.
4. Conhecimento. — Para ser útil o indivíduo deve ao menos ter algum conhecimento da natureza do plano em que tem que trabalhar, e quanto maiores forem os conhecimentos que tiver em qualquer sentido, mais útil poderá ser. Deve preparar-se para esta
95tarefa estudando cuidadosamente quanto se tem escrito sobre o assunto nos livros teosóficos; porque não pode esperar que aqueles cujo tempo já está tomado, gastem parte dele a explicar-lhe o que ele podia ter aprendido aqui pela leitura de alguns livros. Quem não for já um estudioso tão atento, quanto o permitam as suas oportunidades e inteligência, escusa de começar a julgar-se competente para o trabalho astral.
5. Amor. — Esta, a última e a maior de todas as qualificações, é também a mais mal-interpretada. Por certo que não se trata do sentimentalismo reles e vulgar, sem espinha dorsal, que está sempre manifestando-se através de vagas banalidades e generalidades difusas, mas que teme manter-se firme pelo que é justo com o receio de que o alcunhem de "pouco fraternal." O que é preciso é o amor que é suficientemente forte para não se apregoar, mas para agir sem falar, o intenso desejo de dedicação que está sempre à procura de um ensejo para empregar, ainda que seja anonima-mente — o sentimento que nasce no coração daquele que compreendeu a grande obra do Logos, e, uma vez tendo-a compreendido, sabe que para si não pode haver outro caminho, nos três mundos, senão o de se identificar com ela quando possa — torna-se, por humildemente que seja e pela distância a que o faça, um pequeno conduto daquele maravilhoso amor de Deus, que, como a paz do Senhor, está além da nossa compreensão.
São estas as qualidades cuja posse o auxiliar deve constantemente procurar obter, e das quais tem por força de ter uma grande parte antes que possa esperar que os Grandes Seres que estão por detrás o julguem digno de ser acordado inteiramente. O ideal é na verdade elevado, mas escusa alguém de se afastar dele, desanimado, ou de julgar que, enquanto não está senão a procurá-lo ansiosamente, deve necessariamente ser inteiramente imprestável no mundo astral, porque, aquém dos perigos e das responsabilidades daquele despertar completo, há muito que possa fazer com utilidade e segurança.
Quase todos nós somos capazes de praticar pelo menos um nítido ato de bondade e misericórdia cada noite, ao estarmos longe dos nossos corpos. A nossa condição ao dormirmos é, em geral, lembremo-nos, de absorção nos pensamentos — de continuação dos pensamentos que especialmente nos ocuparam de dia, e sobretudo do último pensamento que tivemos antes de adormecer. Ora, se fizermos esse último pensamento uma forte intenção de ir auxiliar alguém que sabemos que precisará de auxílio, a alma, quando liberta do corpo, sem dúvida realizará essa intenção, e o auxílio será dado. Há vários casos conhecidos em que, quando esta tentativa se fez, a pessoa em quem se pensou teve plena consciência do esforço de quem a desejava auxiliar, tendo mesmo, às vezes, visto o seu corpo astral a realizar as instruções que lhe foram dadas.
De resto, escusa qualquer pessoa de se entristecer com o pensamento de que não pode ter parte ou papel neste trabalho glorioso. Esse sentimento seria inteiramente falso, porque quem pode pensar, pode ajudar. E essa ação auxiliadora escusa de ser limitada às horas de sono. Se souberdes (e quem não sabe?) de alguém que esteja sofrendo ou triste, ainda que não possais transportar-vos astralmente até à sua cabeceira, podeis sempre mandar-lhe pensamentos dedicados e bons desejos; e podeis convencer-vos de que esses pensamentos e desejos são reais, vivos e fortes — que, quando efetivamente os mandais, eles vão realmente executar o vosso mandato na razão da força com que os animastes. Os pensamentos são coisas intensamente reais, absolutamente visíveis àqueles cujos olhos foram abertos ao ponto de os poderem ver, e por meio deles o mais pobre dos homens pode ter a sua parte nas boas obras do mundo, tão seguramente como o mais rico. Deste modo, pelo menos, quer possamos funcionar conscientemente no plano astral, quer não, podemos todos fazer parte, e devemos todos fazer parte, do exército dos auxiliares invisíveis.
Mas o aspirante, que realmente deseje formar parte do grupo de auxiliares astrais que trabalham sob a direção dos grandes Mestres da Sabedoria, fará a sua preparação parte de um esquema de desenvolvimento muito mais largo. Em lugar de tentar apenas tornar-se apto para este ramo especial do Seu serviço, determinará, com uma resolução elevada, preparar-se para seguir os Seus passos, concentrar todas as energias da sua alma para obter o que Eles obtiveram, de sorte que o seu poder de auxiliar o mundo se não limite ao plano astral, mas se estenda até àqueles níveis superiores que são o domicílio da personalidade divina do homem.
Para ele o caminho foi talhado há muito tempo pela sabedoria daqueles que antigamente o trilharam — um caminho de desenvolvimento próprio, que, mais tarde ou mais cedo, todos têm de seguir, quer queiram agora adotá-lo por sua livre vontade, quer esperem até que, após muitas vidas e uma infinidade de sofrimentos, a força lenta e irresistível da evolução os arraste por ele afora, entre os preguiçosos da família humana. Mas sábio é aquele que ardentemente, e logo, entra para esse caminho, voltando-se resolutamente em direção à meta do adepto para que, uma vez livre para sempre de toda a dúvida, de todo o receio e de toda a tristeza, possa auxiliar os outros a obter também a segurança e a felicidade. Quais são os degraus deste Caminho da Santidade, como lhe chamam os budistas, e em que ordem estão dispostos — eis o que veremos no capítulo seguinte.