Esta história já foi relatada por uma pena muito mais hábil do que a minha, e com uma abundância de detalhes para que não tenho aqui espaço, na Theosophical Review de novembro de 1897, à página 229. Aconselho o leitor a ler aquele relato, visto que a descrição que farei será um mero esboço, tão breve quanto a clareza o permita. Os nomes não são. é claro, os verdadeiros, mas os incidentes são relatados com um rigor escrupuloso.
As personagens deste drama são dois irmãos, filhos de um proprietário da província — Lancelot, de quatorze anos e Walter, de onze — esplêndidos meninos de tipo normal, sadios, fortes, sem qualificações "psíquicas" de espécie alguma, salvo possuírem bastante sangue celta. Talvez a coisa mais notável neles era a singular intensidade da afeição que entre eles existia, pois que eram absolutamente inseparáveis — nenhum deles estava disposto a ir para qualquer parte sem que o outro também fosse, e o mais novo idolatrava o mais velho como só um menino mais novo é capaz de o fazer.
Num dia infeliz Lancelot caiu do pônei e morreu, e para Walter o mundo ficou vazio. A dor da criança foi tão verdadeira e intensa que nem queria comer, nem dormir, e a mãe e a ama já não sabiam o que lhe fazer. Parecia surdo quer à persuasão, quer à reprimenda, quando lhe diziam que a dor era um pecado e que o seu irmão estava no céu, ele respondia que eles não podiam estar certos disso e, mesmo que fosse verdade, ele bem sabia que Lancelot não podia ser feliz no céu sem ele, assim como ele na terra não podia ser sem Lancelot.
Por incrível que pareça, o fato é que a pobre criança estava positivamente morrendo de dor, e o que tornava o caso ainda mais comovente é que, durante tudo isto, o irmão estava a seu lado inteiramente consciente da sua tristeza, e ele próprio meio louco de dor pela falência das suas repetidas tentativas de lhe falar ou de lhe dar a saber a sua presença.
As coisas estavam ainda neste estado na terceira noite após o desastre, quando a atenção de Cyril foi chamada sobre os dois irmãos — o próprio Cyril não sabe como. "Aconteceu estar passando", diz ele; mas por certo a vontade dos Senhores da Compaixão o guiou até ali. O pobre Walter estava cansado, mas insone — sozinho na sua angústia, ao que sabia, ainda que todo tempo o seu irmão, tão triste como ele, estivesse a seu lado. Lancelot, livre das peias da carne, podia ver e ouvir Cyril, de modo que evidentemente a primeira coisa a fazer era minorar a sua dor com uma promessa de amizade e de auxílio para que ele se comunicasse com o irmão.
O espírito do morto uma vez animado pela esperança Cyril voltou-se para o vivo e tentou com toda a sua força imprimir-lhe no cérebro a certeza de que o irmão estava a seu lado, não morto, mas vivo e afeiçoado como dantes. Mas foram vãos todos os seus esforços, a pesada apatia do sofrimento de tal modo tomava o espírito de Walter que não havia sugestão possível e Cyril já não sabia o que fazer. Mas tão profundamente o comoveu aquele quadro triste, tão intensa foi a sua compaixão e tão forte a sua vontade de auxiliar de uma maneira ou outra, por muito que lhe custasse, que de repente, e ainda hoje não sabe como, se encontrou podendo tocar e falar à criança entristecida.
Afastando as perguntas de Walter sobre quem ele era e como é que tinha entrado ali, foi direto ao assunto, dizendo-lhe que o irmão estava a seu lado, tentando com toda a sua força fazer-lhe sentir que não estava morto, mas vivo e desejoso de o auxiliar e confortar. O pobre Walter queria acreditar, porém mal ousava ter essa esperança; mas a insistência de Cyril venceu por fim as suas dúvidas, e ele disse:
"Oh! eu bem o acredito, porque é tão bom; mas, se eu o pudesse ver, então teria toda a certeza e se eu pudesse ao menos ouvir a sua voz dizendo que estava feliz, eu não me importava nada que ele depois tornasse a desaparecer."
Por novato que fosse neste trabalho, Cyril sabia bastante para não ignorar que o desejo de Walter era um que não era costume conceder, e assim começava ele a explicar-lhe com tristeza, quando de repente sentiu uma Presença que todos os auxiliares conhecem, e, ainda que não se dissesse palavra, sentiu no seu espírito que, em vez do que ia dizer, devia prometer a Walter aquilo que ele desejava. "Espera até que eu volte", disse, "e vê-lo-ás então." Em seguida, desapareceu.
Esse mero toque do Mestre tinha-lhe mostrado o que fazer e como, e por isso correu a buscar o amigo mais velho que tantas vezes o auxiliara. Este amigo não tinha ainda ido deitar-se, mas, ao ouvir o pedido apressado de Cyril, não perdeu tempo em acompanhá-lo e em alguns minutos estavam ambos de volta à cabeceira de Walter. A pobre criança já começava a crer que tudo não passava de um lindo sonho, e por isso foi muito grande e bela a sua alegria e o seu alívio quando Cyril tornou a aparecer. Mas quão mais bela não foi a cena um momento depois, quando, obedecendo a uma palavra do Mestre, o auxiliar mais velho materializou Lancelot e o vivo e o morto tornaram a abraçar-se!
Agora verdadeiramente para ambos os irmãos a tristeza se convertera em alegria indizível, e repetidas vezes declararam ambos que nunca mais tornariam a estar tristes, pois que já sabiam, agora, que a morte não tinha o poder de os separar. Nem se atenuou a sua alegria mesmo quando Cyril lhe explicou cuidadosamente, obediente a uma sugestão do seu amigo mais velho, que este estranho reencontro físico se não repetiria, mas que todo dia Lancelot estaria perto de Walter, ainda que este o não pudesse ver, e todas as noites Walter sairia do seu corpo para tornar a estar conscientemente ao pé de seu irmão.
Ao ouvir isto, o pobre Walter, cansadíssimo, adormeceu imediatamente e provou a sua verdade, ficando pasmado ao descobrir com que rapidez até ali desconhecida ele e o irmão podiam voar juntos de um para outro dos sítios que costumavam visitar. Cyril cuidadosamente lhe explicou que naturalmente esqueceria quase toda a sua vida mais livre ao acordar na manhã seguinte: mas, por uma extraordinária boa sorte, ele não esqueceu tanto quanto aconteceu à maioria de nós. Talvez que o abalo da grande alegria que recebeu de qualquer modo lhe despertasse as faculdades "psíquicas" latentes que pertencem ao sangue celta; o que é certo é que não esqueceu um único detalhe de tudo que acontecera e no dia seguinte apareceu logo de manhã, naquela casa de luto, com uma história maravilhosa que pouco se ajustava àquela atmosfera de tristeza.
Os pais julgaram que a angústia lhe tinha dado volta à cabeça, e, visto que é ele agora o herdeiro, há muito tempo que apoquentadamente têm estado à espera de mais sintomas de loucura, que felizmente se lhes não revelaram. Ainda o consideram um mono-maníaco neste assunto, conquanto admitam que a sua "ilusão" lhe salvou a vida; mas a sua velha ama (que é católica) está firme na crença de que tudo que ele diz é verdade — que Jesus Cristo, que também foi Menino, se compadeceu dessa outra criança, ao vê-la morrendo de tristeza, e mandou um dos Seus trazer-lhe outra vez o irmão, como recompensa a um amor mais forte do que a morte. Às vezes, a superstição popular aproxima-se muito mais da essência das coisas do que o ceticismo culto!
E a história não acaba aqui, porque a boa obra iniciada esta noite ainda dura e progride, nem se pode medir até onde possa ir à influência desse ato. A consciência astral de Walter, uma vez assim inteiramente desperta, permanece em atividade; todas as manhãs traz para o seu cérebro físico a memória dos seus passeios noturnos com o irmão; todas as noites encontram o seu amigo Cyril, com quem tanto têm aprendido a respeito do maravilhoso mundo novo que ante eles se abriu, e dos outros mundos vindouros ainda superiores a esse. Guiados por Cyril, eles — o vivo como o morto — se tornaram membros ativos e prestativos do grupo de auxiliares; e provavelmente durante muitos anos ainda — enquanto o jovem e forte corpo astral de Lancelot se não desintegrar — muita criança moribunda terá razão para ser grata a esses três que estão tentando comunicar a outros uma parcela da alegria que eles próprios receberam. Nem é só aos mortos que estes novos convertidos têm sido prestativos, pois procuraram e encontraram outras crianças vivas que revelam consciência no plano astral durante o sono, e pelo menos um daqueles, que assim trouxeram a Cyril, se revelou um recruta valioso para o grupo das crianças, assim como um esplêndido amiguinho aqui no plano físico.
Aqueles para quem estas idéias representam uma novidade, às vezes acham difícil de compreender como é que crianças podem ser úteis no mundo astral. Visto, dizem eles, que o corpo astral de uma criança deve ser pouco desenvolvido, e o Eu, assim limitado pelo fato da infância, tanto no plano astral como no físico, de que modo é que um Eu desses pode ser útil, ou capaz de contribuir para a evolução espiritual, mental e moral da humanidade, que, segundo nos dizem, é o principal cuidado dos auxiliares?
Quando primeiro se formulou esta pergunta, pouco depois da publicação de uma destas histórias na nossa revista, transmiti-a ao próprio Cyril, para ver o que ele responderia; a sua resposta foi esta:
"É certo, como diz o escritor, que eu não passo de um menino e que sei pouco por enquanto, e que serei muito mais útil quando souber mais do que sei. Mas já sou capaz de fazer alguma coisa, porque há muita gente que ainda não sabe nada a respeito da Teosofia, ainda que possa saber, muito mais do que eu, a repeito de todas as outras coisas. E, bem vê, quando a gente quer ir para um lugar qualquer, serve mais um menino que sabe o caminho do que cem sábios que o não sabem".
Pode acrescentar-se que quando mesmo uma criança foi acordada no plano astral, o desenvolvimento do corpo astral passaria a dar-se tão rapidamente que dentro em pouco ela ocuparia neste plano uma situação pouco inferior à do adulto acordado, e estaria, é claro, muito além, pelo que respeita a ser útil, do mais sábio dos homens ainda por despertar.
Mas, a não ser que o Eu expresso através daquele corpo infantil possuísse a qualificação necessária de uma disposição forte, mas dedicada, e a tivesse claramente manifestado nas suas vidas anteriores, nenhum ocultista tomaria sobre si a gravíssima responsabilidade de o acordar no plano astral. Quando, porém, o seu carma é tal que é possível elas serem assim acordadas, as crianças revelam-se muitas vezes auxiliares de primeira ordem, entregando-se ao seu trabalho com uma dedicação que é muito belo presenciar. E assim se torna a cumprir a velha profecia: "Uma criança os conduzirá."
Outra pergunta que nos ocorre, ao ler esta história dos dois irmãos, é esta: visto que Cyril foi de qualquer modo capaz de se materializar pela pura força do amor e da compaixão, e também da vontade, não é estranho que Lancelot, que havia tanto mais tempo tentava comunicar, não fosse capaz de fazer a mesma coisa?
Ora, não há, é claro, dificuldade alguma em compreender porque é que o pobre do Lancelot não foi capaz de se comunicar com o irmão, visto que essa inabilidade é simplesmente o estado normal; o que é estranho é que Cyril pudesse materializar-se, e não que Lancelot não pudesse. Não só, porém, era o sentimento provavelmente mais forte no caso de Cyril, mas dava-se também o caso dele saber exatamente o que queria fazer — de saber que era possível uma coisa chamada materialização, e de ter alguma idéia de como isso se fazia — ao passo que Lancelot, como é natural, nada disso sabia então, conquanto agora já o saiba.