Os livros orientais ensinam-nos que há quatro meios pelos quais um indivíduo pode ser levado à entrada do caminho do progresso espiritual.
1.° — Pela companhia daqueles que já para ele entraram.
2.° — Escutando ou lendo nítidos ensinamentos sobre a filosofia oculta.
3.° — Pela reflexão esclarecida, isto é, pela própria força de pensamento constante e raciocínio cerrado pode chegar à verdade, ou à parte dela, por si próprio.
4.° — Pela prática da virtude, o que quer dizer que uma longa série de vidas virtuosas, ainda que não implique necessariamente um aumento de intelectualidade, acaba por desenvolver num indivíduo a intuição suficiente para que ele compreenda a necessidade de entrar para o caminho, e para que ele veja em que direção esse caminho está.
Quando, por um ou outro destes meios, ele chegou a este ponto, o caminho para o mais alto grau de adepto está diante dele, se ele o quiser seguir. Ao escrever para estudiosos do ocultismo, é quase desnecessário dizer que no nosso atual estágio evolutivo não podemos esperar aprender tudo, ou quase tudo, a respeito do que não seja os ínfimos degraus desta senda; ao passo que dos superiores pouco sabemos além dos nomes, ainda que por vezes possamos obter vislumbres ocasionais da glória indescritível que os cerca.
Segundo os ensinamentos esotéricos, esses graus agrupam-se em três grandes divisões:
1.° O período de provação, antes que quaisquer compromissos se tomem ou quaisquer iniciações (no pleno sentido da palavra) sejam dadas. Este leva o indivíduo até ao nível preciso para passar com êxito através daquilo a que em obras teosóficas se chama o período crítico da quinta volta.
2.° O período disciplinar, com compromissos, ou seja, o caminho propriamente dito, a cujos quatro estágios os livros orientais muitas vezes chamam as quatro sendas da santidade. Ao fim deste período o aluno obtém o grau de adepto — o nível a que a humanidade deve chegar no fim da sétima ronda.
3.° Aquele a que ousaremos talvez chamar o período oficial, em que o adepto toma uma parte nítida sob a Grande Lei Cósmica) no governo do mundo, e tem um mister especial relacionado com esse governo. Está claro que cada adepto — cada aluno, mesmo, uma vez que seja já aceito, como já vimos nos capítulos anteriores — toma parte na grande obra de auxiliar a evolução humana; mas aqueles que estão nos níveis superiores tomam a seu cargo secções especiais, e correspondem no esquema cósmico aos ministros da coroa num Estado terrestre bem governado. Não nos propomos neste volume tentar sequer tratar deste período oficial; nenhuma informação a seu respeito veio alguma vez a público e todo o assunto está demasiadamente além da nossa compreensão para que o possamos utilmente tratar num livro. Limitar-nos-emos, portanto, às duas primeiras divisões.
Antes que entremos em detalhes a respeito do período de provação, é bom referir que na maioria dos livros santos do Oriente este estágio é tido por meramente preliminar, e quase nem sendo parte do caminho, pois eles acham que só para este se entra quando se tomam compromissos nítidos. Bastante confusão tem sido causada pelo fato de que a enumeração dos estágios começa por vezes nesta altura, porém mais freqüentemente, no princípio da segunda grande divisão, às vezes são contados os próprios estágios, outras vezes as iniciações dando entrada para eles ou saída deles, de sorte que, ao estudar esses livros, temos de estar constantemente a prevenir-nos contra um mal-entendido.
Este período de provação, porém, difere bastante, nas suas circunstâncias, dos outros dois; as linhas divisórias entre os seus estágios são menos claramente acusadas do que nos dos grupos superiores, e as qualificações não são nem tão definidas, nem tão exigentes. Mas será mais fácil explicar este último ponto depois de dar uma lista dos cinco estágios deste período, com as suas respectivas qualificações. Os quatro primeiros foram habilmente descritos pelo Sr. Mohini Mohun Chatterji na primeira Ata da Loja de Londres, e essa publicação deve ser consultada pelos leitores que quiserem definições mais detalhadas do que as que se seguem. Também se podem colher muitas e valiosas informações a este respeito nos dois livros de Mrs. Besant: O Caminho do Discipulado e no Recinto Externo.
Os nomes dados aos estágios divergiram um pouco, porque naqueles livros se empregou a terminologia sânscrita hindu, ao passo que a nomenclatura palia aqui empregada é a do sistema budista; mas, ainda que o assunto seja, por assim dizer, olhado de outra face as qualificações exigidas redundarão nas mesmas quanto ao efeito, mesmo quando a forma exterior for diferente. No caso de cada palavra o simples sentido que ela tem no dicionário será primeiro dado entre parêntesis; a sua explicação, que em geral é dada pelo professor, seguir-se-á. O primeiro estágio, pois, chama-se entre os budistas:
1. Manodváravajjana (o abrir das portas da mente, ou, talvez, o escapar pela porta da mente) — e nela o candidato adquire uma firme convicção intelectual da insubsistência e do nulo valor dos fins meramente materiais. Muitas vezes se chama a isto aprender a diferença entre o real e o irreal, e, aprendê-la exige por vezes muito tempo e muitas e difíceis lições. Mas é verdade que este deve ser o primeiro passo para qualquer coisa que signifique um progresso real, pois que nenhum homem poderá entrar deveras para o caminho enquanto não tiver nitidamente decidido "dar a sua afeição às coisas de cima e não às coisas da terra", e tal decisão nasce da certeza de que nada na terra tem valor, comparado à vida superior. A este passo chamam os hindus a aquisição de Viveka ou discernimento e o Sr. Sinnett refere-se a ele como sendo o prestar vassalagem à personalidade superior.
2. Parikama (preparação para a ação) — o estágio em que o candidato aprende a praticar o bem simplesmente por amor do bem, sem atender ao seu ganho ou perda, quer aqui quer no futuro, e adquire, como dizem os livros orientais, a perfeita indiferença para com o gozo do fruto das suas ações. Esta indiferença é o resultado natural do passo anterior; porque o neófito, uma vez que compreendeu o caráter irreal e impermanente de todas as recompensas terrestres, deixa de desejá-las; quando o fulgor do real atingiu a alma, nada que seja aqui de baixo pode continuar a ser objeto de desejo. A esta indiferença superior chamam os hindus Vairagya.
3. Upacharo (atenção ou conduta) — o estágio em que devem ser adquiridas as chamadas "seis qualificações" (Shatsampatti dos hindus). Chamam-se elas em palia:
a) Samo (quietude) — aquela pureza e calma do pensamento que provém de um perfeito domínio sobre a mente — qualificação extremamente difícil de conseguir, e contudo absolutamente necessária, porque a não ser que a mente trabalhe só em obediência à vontade, não pode ser um instrumento perfeito para o trabalho do Mestre no futuro. Esta qualificação abrange muito, e inclui em si a calma e o domínio de si próprio que no cap. XIV se disse serem indispensáveis para o trabalho astral.
b) Damo (subjugação) — um igual domínio e portanto pureza das nossas ações e palavras — qualidade essa que decorre naturalmente da que a ante-cede.
c) Uparati (cessação) — que se explica como sendo a cessação do fanatismo ou crença na necessidade de qualquer ato ou cerimônia prescrita por qualquer religião — levando, assim, o aspirante à independência do pensamento e a uma tolerância larga e generosa.
d) Titikkha (paciência ou capacidade sofredora) - pelo que significa a prontidão de arcar calmamente com tudo quanto o nosso carma nos imponha, e de nos separarmos de qualquer coisa que seja deste mundo sempre que seja necessário fazê-lo. Também envolve a idéia da absoluta ausência de rancor pelo mal que nos façam, visto que o indivíduo sabe que aqueles que lhe fazem mal não passam de instrumentos do seu próprio carma.
e) Samadhama (concentração) — inteireza e concentração da mente, implicando a incapacidade de ser desviado do seu caminho por qualquer tentação. Isto corresponde muito de perto à "unidade de espírito", de que se falou no capítulo anterior.
f) Saddha (fé) — a confiança no nosso Mestre e em nós próprios, isto é, a confiança em que o Mestre é um instrutor competente, e que, por pouca que seja a confiança natural do aluno nas suas próprias forças, tem contudo em si aquela centelha divina que, quando estimulada até se tornar chama, um dia o tornará apto a realizar o que o seu Mestre realizou.
4. Anuloma (ordem direta ou sucessão, significando que a sua pessoa segue, como conseqüência natural das outras três) — o estágio em que se adquire aquele intenso desejo de libertação da vida terrestre, e de união ao altíssimo, a que os hindus chamam Mumukshutva.
5. Gotrabhu (a condição de estar apto para ser iniciado) — neste estágio o candidato enfeixa, por assim dizer, as suas aquisições anteriores, e fortalece-as até o grau necessário para o grande passo que se segue, que porá os seus pés sobre o caminho propriamente dito como discípulo aceito. A chegada a este nível é seguida de muito perto pela iniciação no grau seguinte. Em resposta à pergunta: "Quem é o Gotrabhu?" o Buda diz; "O homem que está de posse daquelas condições, às quais imediatamente se segue o princípio da santificação — eis o Gotrabhu."
A sabedoria necessária para que se receba o caminho da santidade chama-se Gotrabhugnana.
Agora que rapidamente examinamos os estágios do período de provação, devemos acentuar a circunstância a que nos referimos no princípio — de que o perfeito conseguimento destas qualidades e qualificações não se pode esperar no nosso atrasado estágio atual. Diz o Sr. Mohini: "Se todas elas são igualmente fortes, o grau de adepto obtém-se já nesta encarna-ção." Mas está claro que um resultado destes é extremamente raro. É em direção a estas aquisições que o candidato deve dirigir todos os seus esforços, mas seria errôneo supor que ninguém tem sido admitido ao grau seguinte sem possuir todas elas plenamente. Nem sempre acontece elas se seguirem na mesma ordem necessária dos graus posteriores; de fato, há muitos casos em que um indivíduo vai desenvolvendo as várias qualificações, todas ao mesmo tempo — mais paralelamente do que em sucessão regular.
É evidente que pode bem acontecer que um indivíduo esteja percorrendo grande parte deste caminho mesmo sem saber da sua existência, e sem dúvida muito bom cristão, muito livre-pensador sincero, já estara bastante avançado na estrada que eventualmente o levará à iniciação, ainda que nunca tenha ouvido a palavra ocultismo em toda a sua vida. Refiro-me de caso pensado a estas duas classes de indivíduos, porque em todas as outras religiões o desenvolvimento oculto é reconhecido como uma possibilidade, e seria com certeza intencionalmente procurado por todos indivíduos que sentissem a necessidade de qualquer coisa mais satisfatória do que as crenças esotéricas.
Devemos também notar que os graus deste período de provação não são separados uns dos outros por iniciações, no verdadeiro sentido da palavra, ainda que realmente estejam cheios de provas e experiências de toda a espécie e em todos os planos, se bem que estas possam ser aliviadas por outras experiências animadoras, e por conselhos e auxílios sempre que estes podem ser dados com segurança. Temos por vezes a tendência a empregar a palavra iniciação sem precisão alguma, como quando, por exemplo, ela se aplica às provas a que nos acabamos de referir; propriamente falando, esse termo designa apenas a cerimônia solene em que um plano é formalmente admitido a um grau superior por um oficial nomeado, que, em nome do Iniciador Único, recebe o solene compromisso, e lhe põe nas mãos a nova chave da sabedoria que ele tem de usar no nível a que acaba de chegar. Essa iniciação dá-se à entrada a que nos vamos agora referir, e também à passagem de cada um dos seus graus para outro.